A geração Z dos jovens traders: do fascínio à ilusão do dinheiro fácil

Nos últimos anos, tenho observado pessoalmente um fenómeno crescente entre os jovens portugueses, especialmente entre os 14 e os 17 anos: o interesse pelo mundo do trading e dos investimentos.

Revista Risco
Setembro 12, 2025
10:02

Por: Adelino Matos, CEO & founder da Escola Trading

Como formador de mercados financeiros, tenho sentido essa pressão por parte dos pais, que muitas vezes me procuram com dúvidas e preocupações sobre o desejo dos filhos em começar a operar no mercado o mais cedo possível. Essa tendência, impulsionada em grande parte pelas redes sociais e por influenciadores financeiros, tem levado muitos adolescentes a pressionar os pais para abrirem contas reais em seu nome, permitindo-lhes operar no mercado financeiro antes mesmo de atingirem a maioridade. Mas até que ponto essa febre representa uma oportunidade ou um risco? O impacto social e psicológico desse fenómeno levanta questões importantes que merecem ser discutidas.

O fenómeno do trading entre os jovens em Portugal
Nunca antes se viu tantos jovens interessados em mercados financeiros.
O trading, que outrora era um campo dominado por profissionais e investidores mais experientes, tornou-se agora um tema popular entre adolescentes do ensino secundário. Muitos deles descobrem esse mundo através de vídeos curtos nas redes sociais, onde traders exibem lucros elevados e prometem ganhos rápidos. O acesso à informação nunca foi tão fácil, e a ilusão de sucesso imediato tem captado a atenção de milhares de jovens.
A acessibilidade das plataformas de trading e o crescente número de influenciadores financeiros têm sido factores determinantes nesse fenómeno. Em grupos de Telegram, Discord e fóruns online, esses jovens debatem estratégias e compartilham resultados, muitas vezes sem terem uma base sólida de conhecimento financeiro. Existe também uma glorificação do chamado “day trading”, que promove a ideia de que qualquer pessoa pode gerar riqueza rapidamente, quando na realidade apenas uma minoria consegue obter retornos consistentes.
No trading, estas actividades são frequentemente promovidas como formas rápidas e fáceis de ganhar dinheiro. O problema é que muitos jovens, sem a maturidade financeira e emocional necessárias, acabam por desenvolver hábitos prejudiciais, acreditando que podem viver exclusivamente destes ganhos.

Comparação internacional e situação na Europa
A tendência do trading entre os jovens não é exclusiva de Portugal. Em países como os Estados Unidos, Reino Unido e Brasil, o fenómeno tem sido amplamente discutido e regulamentado. Nos EUA, a SEC (Securities and Exchange Commission) tem reforçado as directrizes para plataformas que permitem o trading a jovens, impondo regras mais rígidas sobre alavancagem e transparência de risco. No Reino Unido, a FCA (Financial Conduct Authority) implementou restrições adicionais às corretoras que oferecem produtos altamente alavancados, para evitar que investidores inexperientes assumam riscos desproporcionais.
No Brasil, há um movimento crescente para incluir a educação financeira no currículo escolar, visando preparar os jovens para um entendimento mais sólido sobre os riscos e oportunidades do mercado financeiro. Esta abordagem educativa pode ser um exemplo positivo para Portugal, onde a literacia financeira entre os jovens ainda é limitada e muitas vezes negligenciada.
Enquanto alguns países adoptam medidas restritivas, outros procuram equilibrar a liberdade de investimento com protecção ao investidor. Na União Europeia, organismos como a ESMA (European Securities and Markets Authority) têm procurado implementar regulamentos que limitem a alavancagem e promovam maior transparência para proteger investidores inexperientes. Alguns países europeus, como a Alemanha e a França, têm imposto regulamentações rigorosas sobre publicidade enganosa no sector financeiro, garantindo que os jovens não sejam induzidos ao erro por promessas irrealistas de lucro fácil. Estas medidas contrastam com a abordagem mais flexível adoptada por outros países da União, onde a regulação do trading ainda se encontra em evolução. Portugal pode beneficiar destas práticas, aplicando um modelo de supervisão mais rigoroso e promovendo campanhas educativas para melhorar a literacia financeira dos jovens, bem como aplicando regulamentos mais eficazes e incentivando iniciativas de educação financeira desde cedo.

Regulação do mercado financeiro e protecção dos jovens
Diante do aumento do número de jovens envolvidos no trading, os reguladores financeiros, destacando a CMVM, têm um papel fundamental na criação de medidas de protecção.
Algumas dessas medidas incluem:

  • Maior fiscalização sobre o marketing financeiro digital, garantindo que os conteúdos que promovam ganhos irreais sejam regulados e etiquetados como conteúdos publicitários;
  • Exigência de maior transparência nas corretoras, assegurando que os utilizadores estejam plenamente conscientes dos riscos envolvidos;
  • Adopção de medidas para reforçar a educação financeira e a supervisão dos investimentos feitos por menores, garantindo que os pais e responsáveis tenham maior consciência dos riscos associados ao trading e possam orientar correctamente os jovens, mitigando assim o impacto de operações arriscadas.

O papel do copy trading e a ilusão de facilidade
Uma das principais atracções para os jovens no mundo do trading é o copy trading, uma modalidade em que é possível copiar automaticamente as operações de traders mais experientes, de grupos de Telegram. Essa funcionalidade pode parecer uma forma fácil de ganhar dinheiro, mas esconde riscos significativos.
Os jovens muitas vezes escolhem traders para copiar sem compreender a fundo as suas estratégias e exposição ao risco. Além disso, mesmo traders experientes podem ter períodos de perdas elevadas, e os copiadores não têm controlo sobre essas decisões. Esse comportamento leva muitos iniciantes a perder dinheiro rapidamente, achando que estavam apenas seguindo os passos de um profissional bem-sucedido.

Influencers de trading: a nova onda do marketing financeiro
A influência das redes sociais no mundo do trading é inegável. Muitos influenciadores financeiros promovem estilos de vida luxuosos, sugerindo que qualquer pessoa pode alcançar a independência financeira através do trading. No entanto, a realidade é que a maioria das pessoas que entram no mercado financeiro perde dinheiro, se não souber o que está a fazer.
Estes influencers frequentemente dão acessos exclusivos a comunidades privadas, sem fornecer informações reais sobre os riscos envolvidos. Essa estratégia acaba por atrair jovens sem experiência, que se lançam no mercado sem a preparação adequada, acreditando em promessas de riqueza rápida.

O impacto das perdas no estado emocional e na saúde mental
O trading pode ser emocionalmente intenso, e, para os jovens, a experiência de perder dinheiro pode ter um impacto significativo na sua saúde mental. A volatilidade dos mercados financeiros pode causar frustração, ansiedade e até depressão, especialmente para aqueles que ainda não desenvolveram maturidade emocional suficiente para lidar com a imprevisibilidade dos investimentos.
Muitos jovens traders, ao enfrentarem perdas, sentem a necessidade de recuperar rapidamente o dinheiro perdido, levando-os a arriscar ainda mais e a entrar num ciclo perigoso de decisões impulsivas. Esse comportamento pode gerar um efeito psicológico devastador, resultando em stress prolongado e até dificuldades de concentração nos estudos e na vida pessoal.
Além disso, a exposição constante a histórias de sucesso nas redes sociais pode aumentar a sensação de fracasso e inadequação, criando uma pressão ainda maior para tentar obter lucros a qualquer custo. É fundamental que os jovens compreendam que as perdas fazem parte do processo de investimento, e que desenvolver disciplina e resiliência é essencial para quem deseja permanecer no mercado financeiro a longo prazo.
Acompanhamento psicológico e suporte familiar podem ser fundamentais para evitar que as perdas no trading afectem negativamente a auto-estima dos jovens. Criar um ambiente onde os erros sejam vistos como oportunidades de aprendizagem, em vez de falhas definitivas, pode ajudar a construir uma mentalidade mais saudável e sustentável no mundo dos investimentos.

Ambição vs risco: equilíbrio necessário
É essencial que os jovens sejam ambiciosos, tenham espírito empreendedor e lutem por uma vida financeira melhor, até mesmo superior à dos seus pais. A educação financeira pode ser uma ferramenta poderosa para alcançar esse objectivo. No entanto, é fundamental que essa ambição seja equilibrada com prudência e responsabilidade. Muitos jovens não têm ainda a maturidade emocional para lidar com a pressão do trading e podem acabar por tomar decisões impulsivas que resultam em perdas substanciais.
Muitas vezes, os próprios pais acabam por ser iludidos pelos filhos, que apresentam os mercados financeiros como oportunidades infalíveis de sucesso. Esse cenário pode levar famílias inteiras a investir dinheiro que não podem perder, comprometendo a estabilidade financeira do agregado familiar. A euforia destas idades pode ser um factor de risco e é essencial que haja um acompanhamento adequado.

Educação e consciência como solução
O interesse crescente dos jovens pelo trading pode ser um factor positivo, quando acompanhado de conhecimento e responsabilidade. No entanto, sem uma base sólida de educação financeira e sem o devido acompanhamento, essa tendência pode levar a decisões impulsivas e a perdas significativas.
As famílias, as escolas e os órgãos reguladores desempenham um papel crucial na orientação dos jovens investidores. As escolas devem incluir programas estruturados de educação financeira, ensinando não apenas sobre investimentos, mas também sobre os riscos envolvidos e a importância da diversificação. Palestras e workshops com especialistas podem ajudar a construir uma mentalidade mais realista e cautelosa relativamente ao mercado financeiro.
Os reguladores, por sua vez, devem reforçar a fiscalização sobre o marketing digital relacionado com o trading, garantindo que os conteúdos dirigidos aos jovens sejam transparentes e educativos, em vez de promessas ilusórias de enriquecimento rápido. A supervisão parental também é essencial, assegurando que os jovens compreendam que o sucesso no mercado financeiro exige estudo, paciência e gestão do risco.
O futuro dos jovens no investimento pode ser promissor, se for abordado com responsabilidade e preparação. Mais do que procurar ganhos imediatos, é fundamental que aprendam a construir um caminho financeiro sustentável e consciente, que lhes permita tomar decisões informadas e seguras ao longo da vida. 

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