Formado em Engenharia Electrotécnica pela Universidade do Porto, e com uma especialização em redes e serviços de comunicação, Mário Barros, 45 anos, sempre teve o objetivo de se dedicar à gestão. Por isso mesmo, em 2011 fez um MBA na Porto Business School. Em conversa com a Executive Digest explica o seu percurso até chegar ao cargo que hoje ocupa na Ingka Centres, a multinacional sueca que se dedicada à gestão e desenvolvimentos de centros comerciais, e que faz parte da mesma holding que gere as lojas Ikea. O seu percurso começou na Sonae Sierra, onde esteve quatro anos no departamento de Novos Negócios e Novas Tecnologias. «Comecei com um caminho bastante técnico, sou programador e engenheiro eletrotécnico, mas sempre tive noção que, apesar desta parte ancorar a minha carreira, não era nessa área que queria seguir.» Contudo, admite que nunca pensou que um dia ia gerir centros comerciais de vários países do sul da Europa. O gestor acredita que os seus planos foram casando com as oportunidades que surgiram. «Há que ter um foco, mas também há que desenvolver um caminho para onde se quer ir. Acredito que, com isso, as oportunidades surgem.» Actualmente, Mário Barros gere oito centros diretos e uma joint-venture com mais duas unidades comerciais. Vive em Madrid com a família e viaja cerca de 20 semanas por ano.
O que diz MÁRIO…
Como surgiu a oportunidade para ingressar na Ingka Centres?
Desde que entrei para a IKEA que sempre trabalhei na área de centros comerciais. Depois, em 2008, fui para a Ingka Centres. Comecei como business developer no centro comercial Mar Shopping, em Matosinhos e, rapidamente, mudei para funções globais. Em 2012, um ano depois de ter tirado um MBA em Gestão, fui para Espanha abrir o centro comercial do grupo em Valladolid. E fiquei por lá sete anos, período no qual nasceram os meus filhos. Em 2019 mudei para Madrid para ser Cluster Operations Manager.
E quais são as principais responsabilidades nessa função?
Sou responsável operacional para o sul da Europa. E a partir de outubro passarei a ser responsável de todas as áreas funcionais na mesma região, mas agora com a inclusão do mercado francês.
A sua diáspora começa com as funções em Valladolid. Como correu a mudança do Mar Shopping de Matosinhos para Espanha?
Sim, começou em 2012 em Valladolid e depois, a partir de 2019, em Madrid. Apesar de ter aí a minha base estou sempre a viajar para os países com quem trabalho: Reino Unido, França, Itália, Croácia. Por isso, trabalho num cenário de multiculturalidade e multinacionalidade. Em relação à mudança, fi-lo para uma função mais técnica, durante a criação de um projeto grande, num país diferente, para fazer algo que eu nunca tinha feito, num idioma que não dominava. Portanto, acho que tive os desafios todos ao mesmo tempo. O que me ajudou foi ter abordado essas mudanças de uma forma racional.
Quais têm sido os principais desafios nesta função?
Há aqui vários desafios, mas já me tinha preparado para alguns deles, por isso fiz o MBA em Gestão. Acredito que, quando fazemos uma espécie de rutura na carreira, há que ser transparente naquilo que se domina e no que não se domina. Se tentamos ser mais daquilo que somos em determinado momento, isso vai ser um problema. Sempre tentei ser o mais realista naquilo que consigo ou não fazer.
E como surgiu a hipótese de ir de Valladolid para Madrid?
Foi através de um concurso interno. É a forma de trabalhar dentro do grupo Ingka. Mas há uma questão que gosto de sublinhar, e que acho muito importante: criarmos as nossas oportunidades. Isto é algo que trabalhamos muito dentro do nosso grupo. Estamos num contexto europeu, com viagens, mudanças de cidade, ou seja, existem oportunidades para quem queira ter essa responsabilidade. Isto não quer dizer que vamos conseguir fazer exatamente aquilo que idealizamos, há que ter um foco, porque sem ele vamos estar presos às tarefas do dia a dia. e ao longo dessa jornada até podemos descobrir outros destinos. Ou seja, não devemos estar presos a nenhum caminho que estabelecemos, mas temos de ter um.
E a nível pessoal, como foi a adaptação?
O viver fora de Portugal pode dividir-se em duas fases. Uma inicial e outra que surge ao fim de uma década – a fase em que estou. No início é tudo muito extremo, até as saudades. A falta dos nossos amigos, vamos mais vezes a Portugal… Por outro lado, o sentimento de descoberta é maior. Ou seja, os primeiros tempos não são fáceis, mas são os mais excitantes. Depois, na fase em que me encontro, com filhos que já nasceram aqui, e que falam espanhol, e com amigos espanhóis, há um sentimento de dualidade. Sou do Porto e nunca o vou deixar de o ser e os meus filhos são de Madrid. Mas há aqui um ponto de orgulho: o meu filho é do FC Porto, fã do Samu e do Cristiano Ronaldo. Portanto, para mim, português a viver em Madrid é motivo de orgulho, é algo que me faz sentir que continuo em casa.
E em termos de filosofia de trabalho, nota que houve muitas mudanças com a alteração de funções?
Sim, bastante. Trabalhar num centro comercial é superexcitante porque é tudo muito dinâmico e é muito fácil ver o impacto do nosso trabalho no dia a dia. É um trabalho local e estamos bastante integrados na comunidade local, inclusive com as pessoas que trabalham no centro. O posto que tenho agora é diferente, mais multicultural. Estou em Madrid, mas os centros estão espalhados pela Europa. Portanto, sim, houve um período de adaptação a uma filosofia de trabalho diferente. Antes, sentava-me com a equipa, tinha reuniões para entender as nuances. Atualmente, trabalho mais remotamente, o que é muito mais difícil, mas não impossível. Aliás, conseguimos fazê-lo bastante bem. A isso junta-se o trabalhar com culturas diferentes, o que adiciona uma camada ao qual temos de estar ainda mais atentos. Às vezes confundimos o que temos de dar aos outros com aquilo que se recebe. Mas não é bem assim. Há que dar aos outros aquilo de que eles precisam. Ser líder é uma função muito elástica, temos de nos adaptar àquilo que determinada pessoa precisa num momento específico. E ao trabalhar com culturas diferentes, ainda mais. Mas também é essa diferença que nos complementa e que nos faz um pouco mais fortes. Consegue-se ter mais ideias e soluções para certos problemas com vários pontos de vista. Esta é minha perspetiva de ver o mundo, à medida que vou evoluindo profissionalmente. Portanto, sim houve mudanças.
Com essas influências multinacionais e multiculturais, consegue distinguir uma certa maneira de gerir à portuguesa?
Eu diria que os portugueses não têm de ter nenhum tipo de preconceito sobre as suas capacidades para liderar e para empreender. Pelo menos isso é o que eu vejo. Há bons exemplos em qualquer lado, mas o que noto é que os portugueses são muito dinâmicos, tomam facilmente a responsabilidade para fazer e liderar, mas vamos muito ao detalhe. Às vezes temos de dizer que já está bom o suficiente e saltar para a próxima tarefa. Gostamos da precisão, das coisas bem feitas, e curiosamente somos muito anglo-saxões nessa perspetiva. Diria que me fui adaptando e percebi que não é preciso ser 100% em todos os processos, há que escolher no que nos devemos focar.
Mas essa filosofia tem a ver com o grupo para quem trabalha ou com o país onde vive?
Temos a sorte que a nossa cultura de empresa é muito forte. Portanto, entre as nossas unidades não deverá haver uma grande diferença, se bem que há sempre uma camada cultural que não conseguimos tirar. Mas estou apenas a transmitir a minha experiência, o caminho que eu fiz.
Como definiria o seu dia-a-dia?
Há aqui duas vertentes. Se estou em Madrid, vou para o escritório ou trabalho a partir de casa. Reúno com a equipa sobre os assuntos que estão em cima da mesa, são reuniões com base na agenda dos assuntos que temos de abordar, e não tanto reuniões sistemáticas. Trabalhamos mais em delegar e a empoderar as pessoas.
O meu papel não é estar a controlar, mas sim criar formas para que as pessoas possam desenvolver responsabilidades.
Cada vez mais, o meu foco é em desenvolver equipas e ter o prazer de as ver assumirem outras funções. Mas quando viajo, os dias são diferentes. Posso ir um dia para Londres, viajar para Brighton (no sul de Inglaterra), onde temos dois centros, e depois ir diretamente para Paris ou para Itália.
Tento estar fisicamente nos centros pelo menos duas vezes por ano. Por isso, fazendo contas, no mínimo viajo 20 semanas por ano.
Assim que acaba o horário de trabalho? Vive à espanhola ou à portuguesa?
É uma pergunta difícil. A minha mulher é polaca, eu sou português e vivemos em Espanha. Portanto, não sei muito bem se vivo à maneira espanhola, à polaca ou à portuguesa. Mas, como já disse no início desta conversa, o meu filho é do FC Porto e os dias de jogo são sagrados!
Como é que se vê profissionalmente no futuro próximo?
O foco é continuar a desenvolver o caminho que estabeleci. Gosto de trabalhar em centros comerciais.
Os lojistas são uma espécie de barómetro da sociedade e há uma certa envolvência com a comunidade, e isso dá-me grande satisfação tanto na parte pessoal como profissional. Portanto, não vejo a saída deste setor. E se estou no grupo aqui há 17 anos é porque é uma empresa que eu considero excelente para trabalhar. E que recomendo a toda a gente. Agora, se vou ficar em Madrid ou não, isso só o futuro o dirá.













