Os meus filhos fazem-me melhor Pai

Por Nuno España, Gestor

O Céu deve estar mesmo a precisar dos melhores recursos. Este ano, para além de vários amigos e conhecidos, morreram duas pessoas muito especiais. Se a minha Abuela chegou aos 95 anos, já o Tio Zé talvez tenha ido cedo demais (pelo menos na perspetiva terrena e humana…).

Sempre foi, como toda a sua família, uma presença assídua nas nossas vidas. Com muitas histórias e vivências partilhadas, viu-me crescer. Pai de 4 filhos, marido extremoso, agrónomo dedicado e apaixonado pelas suas vinhas, ovelhas e campos. O pulmão atraiçoou a tia Milu, sua mulher, e agora foi a vez do pâncreas, sempre tão agressivo, pregar das suas. Em poucas semanas, assistimos, de forma impotente, à degradação galopante do seu estado, o que é sempre difícil e frustrante, sobretudo para mim que me assumo como um acérrimo defensor da vida (e, mais do que isso, odeio a sensação de desistir e de perder).

A morte – aliás, o conceito de morte – assusta. Assusta-nos sobretudo a nós, adultos, que a teorizamos e racionalizamos. Temos medo de falar de morte com as crianças e queremos protegê-las de possíveis traumas de “crescer cedo demais”. Mas talvez precisemos de aprender mais com as crianças e com a sua maneira de ver as coisas. Tenho vindo a aprender que deixar as pessoas partirem quando têm de partir, sem prolongar uma vida sem sentido, garantido que isso acontece com a maior humanidade e dignidade possível, é o caminho certo. E parte dessa consciência tenho-a ganho através dos meus filhos, que mais inocentes e naïves que eu, conseguem lidar com a morte de uma forma mais natural, instintiva e por isso mais tranquila.

Muito atentos, várias vezes me perguntaram pelo Tio Zé. Decidi mantê-los informados e envolvidos nas decisões. Ajudámos a levar o tio Zé de casa para o hospital, fomos juntos visitá-lo 2 dias antes de partir e juntos acabámos por ir ao funeral a Castelo Branco. Confesso que me preocupava o momento de verem efetivamente alguém ser enterrado na terra. Poderia ser visualmente agressivo. À medida que a cerimónia decorria, as pessoas iam partindo e nós fomos ficando. Eu continuava a tocar e a cantar, os miúdos iam-se aproximado das pessoas que viam mais tristes – primeiro a minha Mãe, depois o Tiago, filho mais velho do tio Zé.

No final, já só os três e o coveiro, que, provavelmente devido à idade, já fazia algumas paragens entre pazadas de terra, tive a certeza da minha decisão de os ter trazido. O António, que para além de mais velho, tem um coração maior que ele, perguntou se poderia ajudar a tornar a nova casa do tio Zé mais bonita e arranjada. O senhor assentiu algo espantado e o António la se ajoelhou, e, com as suas pequenas grandes mãos, começou a alisar a terra e a arranja-la consoante lhe parecia mais bonito. Eu sorri e fiquei a vê-los despedirem-se à sua maneira. Na verdade, um ano antes tinham feito o mesmo na campa da tia Milu, onde deixaram flores que foram apanhar nos canteiros perto do cemitério. De facto, nada me enche de maior orgulho do que assistir a estes pequenos gestos, que tanto me ensinam. Os meus Filhos fazem-me melhor Pai.

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