Rumo à energia limpa: desafios e inovações

A COP28 assumiu um compromisso global histórico que tem como objectivo fazer com que os países se afastem dos combustíveis fósseis para abraçarem a energia renovável. Este compromisso promete ser uma oportunidade única para que o mundo aborde preocupações relacionadas com a segurança energética, a acessibilidade e a competitividade industrial, enquanto procura que, a longo-prazo, o planeta se mantenha habitável para as gerações futuras.

No entanto, existe ainda um grande debate em torno das questões essenciais para garantir uma transição energética com benefícios para todos. São necessárias políticas governamentais adequadas, investimento do sector privado e envolvimento da sociedade. É também fundamental o desenvolvimento tecnológico e soluções democratizadoras que nos aproximem cada vez mais do cumprimento da promessa de um planeta mais limpo.

Para debater estas questões, a EDP realizou um evento global em directo a partir de Lisboa, o EDP Business Summit, com o objectivo de explorar a forma como as empresas podem acelerar a transição energética através de novas tecnologias e modelos de negócio que vão servir de base ao futuro da Energia. Nesta que foi a terceira edição internacional do evento, a EDP reuniu mais de 1200 participantes de mais de 20 países para debater como podem as empresas e os líderes aproveitar o vasto potencial da geração descentralizada de energia solar, ou outras tecnologias ao seu dispor, sob o mote “Powering companies for a cleaner future”.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

A abertura do evento ficou a cargo de Vera Pinto Pereira, administradora executiva da EDP, que começou por referir que «o mundo testemunhou finalmente um acordo histórico» sobre a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. «Ao diversificar as fontes de energia, reduziremos a dependência de fornecedores externos, tornando os países menos vulneráveis a perturbações no fornecimento, oscilações nos preços e tensões geopolíticas», revela a oradora, antes de apelar a uma «uma maior resiliência nacional e de segurança energética a longo prazo.»

Após a sessão de abertura, a liderança das organizações foi o tema principal da primeira apresentação – «O mundo está melhor porque o seu negócio está nele?» –, que contou com a participação de Andrew Winston. Primeiro, o expert/especialista em megatendências e em negócios sustentáveis começou por recuar no tempo e mostrar fotografias de Los Angeles, Pequim, São Paulo e Milão, sem poluição, em plena pandemia da COVID-19.

O orador defendeu que só com estas imagens, conseguiria demonstrar os efeitos nocivos da poluição e alertar os participantes para a importância das questões ambientais. Mais tarde, alertou as empresas para a importância de se preocuparem com as questões sociais e ambientais. «A pandemia foi um dos principais motivos pelos quais as expectativas das empresas e dos negócios mudaram. As grandes fabricantes de peças de automóveis começaram a criar mais ventiladores, porque não tínhamos o suficiente durante a pandemia. Isto não era típico dos negócios, mas sabem porque é que eles fizeram? Porque era o que estava certo», realça, perante aplausos da plateia.

Sobre o que mudou radicalmente nas organizações, Andrew Winston termina a sua intervenção da seguinte forma: «As empresas não mudaram a sua atitude apenas por causa de uma pandemia. Mudaram- na porque, agora, têm de se posicionar sobre as questões mais difíceis do dia-a-dia. É algo que passou a ser esperado pela nossa sociedade.»

ENERGIA LIMPA E DESAFIOS

O evento prosseguiu com uma mesa de debate sobre os desafios que ainda persistem na implementação das energias renováveis. Duarte Bello, COO da EDP Renováveis para a Europa & América Latina; Giles Dickson, CEO da Wind Europe; e Kristian Ruby, secretário geral da Eureletric juntaram-se à mesa para debater sobre estes mesmos obstáculos, acompanhados pela moderação de Raquel Mendes, responsável de Assuntos Europeus da EDP.

Lançado o mote, Duarte Bello identificou dois grandes desafios para a implementação das energias renováveis: licenciamento e ligação à rede. «Em termos de desafios, o primeiro é o licenciamento. Precisamos de muitas partes interessadas para realizar o projecto. O segundo maior desafio é, de facto, a necessidade de conexão à rede. Deveríamos ser mais inteligentes ao utilizar a rede e implementá-la mais rapidamente», adianta.

Já sobre o papel da energia eólica para o futuro, Giles Dickson diz que a União Europeia (UE) «deve estar mais optimista do que nunca». Actualmente, revela, a energia eólica representa 19% de toda a electricidade consumida em território europeu, sendo que está prevista a seguinte meta: «aumento da energia eólica para 35% até 2030.» Para isso, o CEO da Wind Europe esclarece que é necessário construir, em média, 33 gigawatts de novos parques eólicos todos os anos.

«Os investimentos em novos parques eólicos duplicaram no ano passado, em comparação com o ano anterior e existem cada vez mais projectos que passam por leilões», explica. O orador admite que a média prevista vai estar um pouco abaixo das metas pela UE, mas mostra-se satisfeito com a «previsão de mais 29 gigawatts de novos parques eólicos todos os anos».

No que diz respeito ao papel da tecnologia de rede, Kristian Ruby afirma que, neste momento, «a União Europeia ainda não está perto de atingir os 60% de electricidade limpa, previstos até 2050». Contudo, o secretário geral da Eureletric, associação do sector eléctrico, apela ao desenvolvimento de um compromisso com os clientes por parte das empresas, «para ajudá-los a abraçar a transição energética, através de informações sobre ofertas, painéis solares e baterias, veículos eléctricos e outras oportunidades».

Além do compromisso com os clientes, o orador pede à Comissão Europeia para «criar um plano, baseado em toda a legislação global e regional, para a electrificação». Tendo em conta que o sistema de rede está a mudar radicalmente, o responsável lembra que é necessário «investir milhares de milhões de euros nas redes de distribuição da Europa nos próximos anos. A estimativa aproximada de investimento corresponde à da Comissão Europeia, que seria algo entre os 60 e 70 milhares de milhões de euros por ano», conclui.

«UM DESAFIO QUE NÃO É EXCLUSIVO DA EUROPA»

A conferência prosseguiu com nova mesa de debate, desta vez, com Pedro Vinagre, director executivo da EDP Renováveis para a Europa do Norte e Centro, Bruce Douglas, CEO da Global Renewables Alliance; e David Post, CEO da European Association for Storage of Energy. O tema principal do debate centrou-se na resposta à questão: «O que vem a seguir na transição energética: as tecnologias estão a (re)modelar o cenário energético?»

Questionado se os governos europeus estão preparados para a aceleração da transição energética, Bruce Douglas responde afirmativamente, embora com a ressalva de que «os países ainda se estão a preparar» para enfrentar novos desafios. «Este desafio não é exclusivo da Europa. O financiamento e os fluxos financeiros são o grande problema. Precisamos mobilizar 9,2 mil milhões de euros de investimento ao longo dos próximos sete anos», alerta.

De acordo com o CEO da Global Renewables Alliance, «precisamos de acesso a baixo custo de capital. E em muitos mercados emergentes, o custo do capital é, por vezes, duas, três ou mesmo quatro vezes superior ao dos países europeus ou desenvolvidos. Portanto, precisamos de dinheiro público dos bancos de desenvolvimento para reduzir o risco dos projectos e torná-los financiáveis, ou será necessário investimento privado».

Relativamente aos projectos híbridos, que combinam duas ou mais tecnologias renováveis no mesmo local e de que a EDP é pioneira, Pedro Vinagre começa por referir que «misturam diferentes tecnologias num ponto de conexão na rede». O director executivo da EDP Renováveis para a Europa do Norte e Centro aponta dois grandes benefícios deste tipo de projectos: «ligação à rede e intermitência. » O orador admite que os países europeus vão sentir problemas de conexão à rede e dá o exemplo do Reino Unido, onde já há pedidos para depois de 2035. «É muito tempo para esperar. Precisamos de alternativas, porque a ligação à rede é escassa. Portanto, os projectos híbridos trazem a capacidade de utilizar a mesma conexão e misturar duas tecnologias diferentes. E ao misturar energia eólica com energia solar, estamos a aproveitar muito mais a ligação à rede.»

A fechar esta mesa de debate, David Post defende que o «armazenamento de energia é a chave para evitar o desperdício de energia». O CEO da European Association for Storage of Energy acredita que pode «facilitar a implementação de energia renovável, seja fotovoltaica ou eólica, porque proporciona estabilidade, flexibilidade e resiliência às redes». Há 12 anos, o armazenamento era visto apenas como uma ideia inovadora. Contudo, actualmente, «já começa a ser uma realidade», segundo revela o responsável, dando posteriormente o exemplo do Reino Unido, que já está «muito avançado em termos de regulação reforçada de frequências de rede».

DO TIJOLO 3D À INOVAÇÃO

Depois de uma pequena pausa no evento, John O’Donnell subiu ao palco e deixou uma pequena provocação ao orador: «poderá um tijolo realmente ser a próxima grande bateria?», naquela que foi uma alusão ao tema da apresentação. O CEO da Rondo Energy não deixou o apresentador sem resposta e respondeu que «sim», entre alguns sorrisos. Para isso, revelou que a EDP e a Rondo planeiam utilizar um tijolo para ajudar na produção industrial, que ainda depende significativamente do uso de gás para a produção de calor.

Devido ao facto de o vento e o sol estarem disponíveis apenas durante algum tempo, o responsável alerta para a necessidade de «armazenar energia para obter calor que será utilizado em qualquer altura». Para isso, acredita que a solução está «em construir baterias de calor que utilizam a electricidade intermitente para aquecer um determinado material e para depois fornecerem calor a partir desse mesmo material». E segundo John O’Donnell, esse material não precisa de ser um mineral crítico ou químico.

«Após centenas de simulações e 74 revisões de projecto, descobrimos que se fizéssemos uma estrutura especial de tijolo e um tipo de tabuleiro de xadrez 3D com câmaras abertas, a luz poderia aquecer o tijolo de maneira uniforme e rápida até quase à mesma temperatura dos elementos de aquecimento. Isso permitiria que a bateria de calor fornecesse energia da mesma forma do que os altos-fornos, como o ar superaquecido que alimenta uma caldeira embutida que é exactamente como funcionam as caldeiras existentes nas fábricas actuais», desvenda.

O orador deixa ainda uma garantia: «seguros, simples e eficientes, estes materiais do século XIX são agora a infra-estrutura para o século XXI. A maneira mais simples e segura de converter energia eólica e solar intermitente em calor industrial contínuo de alta temperatura. » Já sobre a importância desta bateria térmica, Miguel Fonseca, administrador da EDP Comercial, considera que é essencial para descarbonizar 50% desta geração de energia. «A única coisa a fazer é não usar baterias químicas, mas sim baterias térmicas que permitam combinar diferentes tipos de perfis », acrescenta.

A conferência terminou com a intervenção de Josh Valman, Business Strategist & CEO da RPDK, uma empresa de inovação na área dos materiais. O orador considerou que não gosta de falar sobre inovação e explicou o motivo: «Não gosto desta palavra. A maioria das pessoas, quando pensa em inovação, pensa em usar calças amarelas e comprar muitos post-its. Pensa em sessões de reflexão e que aparentemente isso vai resolver todos os problemas do mundo. Só que isso não vai acontecer», alerta.

Então, à pergunta: «O que é a inovação e o que ela realmente significa?», o responsável responde da seguinte forma; «Se pesquisarem no Google, encontrarão algumas definições interessantes. O Google diz que inovação é o processo de inovar. Não é particularmente útil. Nunca vos dizem o que é ou o que significa realmente. Então, o que é inovação e o que isso realmente significa? É muito simples. Inovação é o processo de execução de novas ideias. Não se trata de ter ideias. Não se trata de dançar e utilizar calças coloridas engraçadas. Trata-se de realmente fazer algo em qualquer escala», conclui.

Este artigo faz parte da edição de Abril (n.º 217) da Executive Digest.

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