Casos e casos sérios

Por Arlindo Oliveira, Professor do IST e Presidente do INESC

No que respeita à pandemia de COVID-19 existe, talvez, um único ponto sobre o qual existe um acordo generalizado: a sua evolução a médio e longo prazo é difícil de prever. De facto, as numerosas previsões feitas tanto pelos poucos especialistas como pelos numerosos amadores, em Portugal e no mundo inteiro, vieram sistematicamente a revelar-se erradas, uma vezes por defeito, outras por excesso. Sabemos pouco sobre a eficácia das diversas medidas adoptadas e, acima de tudo, temos tido uma enorme dificuldade em prever a evolução da situação no médio e longo prazo. É de facto possível prever a tendência no curto prazo (mais ou menos até duas semanas no futuro) mas a partir daí a evolução da pandemia depende de um número enorme de factores, muitos dos quais são desconhecidos: o comportamento da população, a imunidade adquirida, as condições meteorológicas, a existência de eventos específicos que causem grande dispersão (super-spreading events) e muitos outros factores que não podem ser previstos com qualquer confiança.

Devido a esta imprevisibilidade, é natural que os governos tomem a opção de errar pelo lado do excesso de precaução, uma vez que uma nova explosão dos internamentos em hospitais e unidades de cuidados intensivos teria grandes custos humanos e materiais. No entanto, é preciso reconhecer que errar pelo lado da cautela excessiva também não é isento de custos, sociais e económicos, que importa minimizar, porque são muito significativos.

O pouco esclarecedor diagrama bidimensional que o governo decidiu apresentar (o famoso semáforo) não ajuda a ter uma ideia particularmente clara da situação. Justifica-se que no eixo horizontal (também chamado das abcissas) esteja o indicador Rt, o agora famoso índice de transmissibilidade do vírus. Quando esse valor é superior a 1, a epidemia cresce de forma aproximadamente exponencial, criando o potencial para um aumento grande do número de casos no futuro que pode vir a causar, novamente, problemas sérios ao sistema nacional de saúde. Já a grandeza que é usada para graduar o eixo vertical (ou das ordenadas), o número médio de novos casos diários por cada 100.000 habitantes, é pouco informativa porque o seu significado muda à medida que a população vai ganhando imunidade por via do processo de vacinação. Com efeito, é completamente diferente a situação onde temos 300 casos por dia quando estes casos são uniformemente distribuídos por toda a população e a situação em que os casos se concentram nas camadas mais novas da população, que têm muito menor risco de hospitalização. Dado que a probabilidade de um caso vir a requerer hospitalização cresce rapidamente com a idade do paciente, o que é importante, de facto, é ter uma estimativa do número de casos que, dentro de dias, virão a requerer tratamento hospitalar ou mesmo internamente nos cuidados intensivos.

Uma vez que são conhecidas as estatísticas, por idade, dos casos que tiveram necessidade de internamento no último ano, e que são conhecidas também as estatísticas, por idade, dos casos agora detectados, é trivial calcular um índice que estime o número de casos, agora detectados, que irão necessitar de tratamento hospitalar. Este deveria ser o índice que deveria nortear a actuação do governo, e não o número total de novos casos, que é enganador (e demasiado pessimista) numa situação em que, por força do processo de vacinação, a esmagadora maioria dos mais idosos está protegida das variantes mais graves da doença. A utilização deste índice, em vez do número bruto de casos, permitiria tomar decisões mais esclarecidas e que melhor reflectem o risco real de virmos a ter uma nova vaga que esmague o sistema de saúde.