Do risco à resiliência: aprender a lidar com as interferências

Para prosperarem em tempos de grandes mudanças, as empresas precisam de melhorar a forma como lidam com interferências inesperadas nas complexas cadeias de abastecimento. As companhias podem cultivar essa resiliência ao compreenderem os seus pontos fracos – e ao desenvolverem capacidades específicas para os compensarem.

Numa economia interligada, volátil e global, as cadeias de abastecimento tornaram-se cada vez mais vulneráveis. As interferências – mesmo um pequeno atraso nas encomendas – podem causar perdas financeiras expressivas nas empresas e ter um impacto substancial no valor atribuível aos accionistas. A globalização aumentou o desafio de antecipar interferências e geri-las.

Os riscos prováveis das interferências estão muitas vezes ocultos e os possíveis impactos podem não ser compreendidos. Isto muitas vezes resulta em eventos “cisne negro”, que só podem ser compreendidos depois de ocorrerem. Como o autor Nassim N. Taleb avisou: «O nosso mundo é dominado pelo extremo, pelo desconhecido e pelo improvável… enquanto gastamos o tempo em tagarelices, concentrando-nos no conhecido e no repetido.»

Embora as empresas tenham passado a produção para países como a Índia ou a China para aproveitar a mão-de- -obra mais acessível, eventos como a erupção vulcânica da Islândia em 2010 e o tsunami no Japão em 2011 mostraram que a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento são reais e sérias. Por exemplo, de acordo com a Reserva Federal norte-americana, 41% dos fabricantes do Minnesota afirmaram que o tsunami do Japão os afectou negativamente. Como resultado, muitos reavaliaram as suas opções de abastecimento e alguns estão a passar as operações novamente para o mercado doméstico. Embora estas empresas vejam outras vantagens em alterar a localização das operações, incluindo melhorias nas respostas e criação de emprego no próprio país, a redução da exposição ao risco foi um factor importante.

A realidade é que as práticas da cadeia de abastecimento feitas para manter os custos baixos num ambiente de negócios estável podem aumentar os níveis do risco durante uma interferência. Os métodos lean e de organização, onde os gestores trabalham de perto com um pequeno número de fornecedores para manter os inventários mais baixos, podem tornar as empresas mais vulneráveis por não conseguirem “amortecer” possíveis problemas. Por exemplo, muitas empresas que seguiram o modelo de inventário lean sentiram intensamente o impacto do tsunami do Japão: no espaço de uma semana, a General Motors Corp. fechou temporariamente as suas fábricas Chevrolet Colorado e GMC Canyon em Shreveport, Louisiana, por não ter peças que eram fornecidas pelo Japão.

Embora as empresas tendam a concentrar-se no lado do abastecimento das suas operações quando analisam possíveis factores de risco, também precisam de prestar atenção ao lado do cliente. A volatilidade crescente por parte da procura é um factor importante que pode afectar as operações e, no fundo, as receitas de uma empresa. Por exemplo, em Março de 2013, a Cardinal Health Inc., uma distribuidora de produtos farmacêuticos e médicos de Dublin, Ohio, anunciou que o seu contrato com a cadeia Walgreens não seria renovado. A Walgreen Co., de Deerfield, Illinois, era uma das maiores clientes da Cardinal Health, responsável por mais de 20% das suas receitas em 2012. A notícia fez com que o preço das acções da Cardinal Health descesse 8,2%. Contudo, a empresa conseguiu recuperar rapidamente e continuar o seu crescimento graças a esforços deliberados para expandir e diversificar a sua base de clientes.

Lidar com os riscos da cadeia de abastecimento

Os métodos tradicionais para lidar com os riscos da cadeia de abastecimento baseiam-se na noção de estabilidade como o estado “normal” das coisas: eventos como explosões ou cheias são vistos como desvios indesejados da norma. Nas últimas décadas, a maioria das empresas privadas adoptou abordagens sistemáticas para a gestão de risco, nomeadamente através de seguros e pela mitigação activa dos riscos da cadeia de abastecimento.

A importância da gestão de risco foi sublinhada por vários desastres famosos, incluindo o lançamento de um gás venenoso letal de uma fábrica da Union Carbide em Bhopal, na Índia, em 1984, que resultou em milhares de mortos. Outra motivação surge dos padrões definidos por organizações não-governamentais, como a International Organization for Standardization, e da legislação governamental, incluindo as exigências da U.S. Securities and Exchange Commission para a divulgação de riscos “materiais” e a “Lei pelo Controlo e Transparência nas Entidades Empresariais” da Alemanha.

Uma bordagem mais integral à gestão de risco, intitulada “gestão de risco empresarial” (GRE), tornou- -se popular na década de 1990 e tem sido adoptada pelas grandes empresas. Fornece aos executivos da empresa uma visão pormenorizada e abrangente dos riscos associados a diferentes actividades empresariais, permitindo aos gestores tomar decisões mais informadas sobre como gerir portefólios de risco. Outro processo de gestão de risco, conhecido como gestão de continuidade de negócio (GCN), incorpora elementos do planeamento de recuperação de desastres e gestão de crise, incluindo como responder às interferências e como manter a capacidade de apoio para os sistemas operacionais.

Embora os processos como a GRE e a GCN possam ajudar as empresas a evitarem interferências nas cadeias de abastecimento e a recuperarem rapidamente as operações normais, têm limitações graves. Para começar, dependem demais da definição de risco. Numa rede de abastecimento global complexa e turbulenta, muitos dos riscos que uma empresa enfrenta são inesperados ou desconhecidos. Estes riscos “emergentes” muitas vezes são estimulados por eventos improváveis cujas causas não são compreendidas e os seus possíveis efeitos em cascata são dif íceis de entender antecipadamente. É claro que as empresas não conseguem identificar e investigar todos os possíveis riscos que possam estar escondidos nas suas cadeias de abastecimento globais.

Segundo, a GRE e a GCN dependem de informações estatísticas que podem não existir. As avaliações de risco são limitadas pela qualidade e credibilidade dos pressupostos sobre os quais se baseiam, e pressupostos ou dados incorrectos podem levar a uma má distribuição de recursos. O maior desafio são os eventos cuja probabilidade é baixa, mas as consequências são altas, dos quais existem poucos conhecimentos empíricos; os gestores podem subestimar a probabilidade destes eventos ou a magnitude das suas consequências porque nunca passaram por eles.

Terceiro, o processo tradicional de GRE de identificação, avaliação, mitigação e monitorização de riscos baseia-se numa visão simplificada e “redutora” do mundo. Cada risco é identificado e abordado de forma independente e as interacções ocultas raramente são reconhecidas. Esta abordagem procedimental pode levar as empresas a uma falsa sensação de complacência que pode ser destruída por um evento inesperado (como um derrame de crude no Golfo do México). A natureza complexa e dinâmica das cadeias de abastecimento globais exige uma vigilância constante para discernir as vulnerabilidades sistémicas, assim como uma agilidade e uma flexibilidade excepcionais quando as interferências ocorrem.

Por fim, a gestão tradicional de risco tem como objectivo regressar a uma condição estável das operações; os riscos representam possíveis desvios deste estado “normal”. Contudo, uma visão mais realista reconheceria que todas as interferências representam uma oportunidade de aprendizagem que pode sugerir uma mudança para um estado de operações diferente. Por exemplo, uma empresa que antecipa o aumento das cheias no sudeste asiático pode deslocar a sua base de abastecimento para outro local. Identificar oportunidadeslatentes no contexto do risco fará com que uma empresa explore essas oportunidades mais depressa do que as suas concorrentes.

A necessidade de cultivar a resiliência

Acreditamos que as organizações precisam de melhorar a forma como lidam com a complexidade da cadeia de abastecimento e com interferências inesperadas para que possam prosperar quando enfrentam alturas mais conturbadas. As organizações tendem a tornar-se menos resistentes à medida que se tornam mais complexas.

Contudo, podem criar resiliência ao compreenderem as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento e ao desenvolverem capacidades específicas para lidarem com as interferências. Podem tentar imitar alguns dos comportamentos vistos em sistemas naturais – tolerância pela variabilidade, adaptação contínua e exploração de oportunidades criadas por forças de interferência. Os sistemas resilientes não caem quando enfrentam problemas; em vez disso adaptam-se. Dependendo do tipo de interferência, a adaptação pode ser rápida ou gradual.

Há uma década, os autores Gary Hamel e Liisa Välikangas descreveram a busca pela resiliência como procurar um “trauma zero”. Poucos gestores empresariais acreditam que o “trauma zero” é actualmente um objectivo realista, mas alguns reconhecem agora que a resiliência pode ser um importante factor de sucesso que complementa os processos tradicionais de gestão de risco. Definimos resiliência como “a capacidade de uma empresa para sobreviver, para se adaptar e para crescer perante mudanças turbulentas”.

Em termos práticos, resiliência significa melhorar a capacidade das cadeias de abastecimento globais, colaborar com stakeholders e aproveitar as tecnologias de informação para assegurar continuidade, mesmo perante interferências catastróficas. A resiliência vai para lá do controlo do risco; faz com que um negócio ganhe vantagem competitiva ao aprender a lidar mais facilmente com interferências do que as suas concorrentes e possivelmente mudando para um novo equilíbrio.

Ao longo dos últimos sete anos, trabalhámos com várias empresas, incluindo a retalhista de vestuário L Brands Inc. (antiga Limited Brands), Dow Chemical, Johnson & Johnson e Unilever para desenvolver uma estrutura abrangente a fim de avaliar os pontos fracos da cadeia de abastecimento para os abordar através de capacidades entretanto aperfeiçoadas. Para desenvolvermos as taxonomias de pontos fracos e capacidades, estudámos a literatura existente e também conduzimos entrevistas e grupos de enfoque com gestores e colaboradores da Limited Brands e de outras empresas que também passaram por interferências nas cadeias de abastecimento. Subsequentemente identificámos ligações entre pontos fracos específicos e capacidades, possibilitando assim a sugestão de estratégias pró-activas para melhorias e o desenvolvimento de uma ferramenta de avaliação para uso profissional. A estrutura resultante, a que chamamos de gestão e avaliação de resiliência na cadeia de abastecimento (GARCA), baseia-se numa caracterização e organização explícita dos pontos fracos e capacidades de uma empresa.

Identificar factores e ligações de resiliência

Com base na nossa pesquisa, identificámos seis grandes tipos de pontos fracos na cadeia de abastecimento, que definimos como “factores fundamentais que tornam uma empresa susceptível a interferências”. Um factor frequentemente citado é a turbulência.

No contexto da nossa estrutura, a turbulência é definida como mudanças no ambiente de negócios que estão fora do controlo de uma empresa, incluindo mudanças na procura dos clientes, problemas geopolíticos, desastres naturais e pandemias. Outra categoria de pontos fracos é a das ameaças deliberadas, como roubo, sabotagem, terrorismo e disputas com colaboradores ou outros grupos.

Pontos fracos adicionais surgem de pressões externas que criam limitações ou barreiras (como inovações, mudanças na legislação e alterações nas atitudes culturais); limites nos recursos que têm potencial para confinarem a capacidade de uma empresa (como a disponibilidade de matérias-primas ou colaboradores especializados); a sensibilidade e complexidade do processo de produção; e o grau de ligação na cadeia de abastecimento de uma empresa, que implica a necessidade de coordenação com parceiros externos. Por fim, as cadeias de abastecimento estão vulneráveis às interferências que podem afectar as fileiras de clientes e fornecedores.

Além de nos ajudarem a formular uma lista de pontos fracos, os grupos de enfoque também nos apoiaram na definição de uma lista de capacidades de que as empresas precisam para responderem aos seus padrões de pontos fracos em particular.

Ao todo, identificámos 16 capacidades relevantes, que definimos como “factores que fazem com que uma empresa antecipe e ultrapasse interferências”. Estes são: (1) flexibilidade nas fontes, (2) flexibilidade na produção, (3) flexibilidade nas encomendas, (4) capacidade de produção, (5) eficiência, (6) visibilidade, (7) adaptabilidade, (8) antecipação, (9) recuperação, (10) dispersão, (11) colaboração, (12) organização, (13) posição de mercado, (14) segurança, (15) solidez financeira e (16) administração de produto. Usando as listas de pontos fracos e capacidades como molde, testámo-las em oito empresas para compreendermos as suas inter-relações, com o objectivo de criarmos uma ferramenta para melhorar o desempenho. Identificámos 311 “ligações” separadas onde as capacidades específicas podem neutralizar pontos fracos específicos.

A nossa estrutura GRACA fornece uma metodologia geral para as empresas identificarem os pontos fracos mais importantes nas suas cadeias de abastecimento e definirem prioridades para capacidades que precisam de ser aperfeiçoadas. Por exemplo, uma empresa que enfrenta uma procura de mercado imprevisível pode melhorar uma série de capacidades: flexibilidade na produção para satisfazer picos de procura; visibilidade precisa e actualizada do estado da procura para que se tomem decisões apropriadas; antecipação e reconhecimento das mudanças de mercado para criar respostas estratégicas; e uma colaboração próxima com clientes e fornecedores para assegurar uma acção coordenada.

Similarmente, uma empresa preocupada com a sua dependência de uma rede de abastecimento complexa deve trabalhar na agilidade do fornecimento identificando fontes alternativas, na flexibilidade da produção reduzindo o ciclo de aprovisionamento, e na antecipação reconhecendo os primeiros sinais de possíveis interferências. Com base nos resultados da sua análise GRACA, os gestores podem desenvolver um portefólio de capacidades para abordar importantes falhas na resistência e fortalecer a competitividade geral.

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