A análise de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
O 43.º barómetro da Executive Digest é um dos melhores indicadores para ter a visão empresarial do País. Por ser tão completo e “rico” de informação, neste meu comentário foco a minha opinião sobre apenas um dos pontos denominado “Agenda Transformadora”. Algo que os empresários classificam como “importante”. A discussão sobre este tema é muito mais lato e versa sobre a reforma da Administração Pública portuguesa que, infelizmente, tem sido demasiadas vezes reduzida a slogans – “digitalização”, “simplificação”, “desburocratização”. Tudo necessário, mas claramente insuficiente. Se quisermos um Estado eficiente, temos de garantir exclusivamente as funções de soberania do Estado e assegurar a igualdade de acesso a direitos fundamentais nas outras funções, nomeadamente as sociais. A reforma não pode, portanto, ser cosmética, tem de mexer em estruturas, pessoas, incentivos, responsabilidades e modelos de governação. Este comentário assume uma posição clara (como os inquiridos no barómetro): sou favorável a uma reforma profunda, faseada e meritocrática da Administração Pública, que combine um núcleo duro de funções indelegáveis do Estado com redes integrativas e plurais de provisão de serviços públicos. Por isso decidi colocar as questões essenciais para uma reforma transformadora e aproveito para dar as respostas, a minha opinião! A Reforma da Administração Pública em Portugal tem de passar de cosmética a transformadora.
O que está em causa (e por que não chega a cosmética)?
Portugal modernizou-se em muitas frentes, mas permanece preso a ciclos políticos de reforma parcial que não reconfiguram os mecanismos de decisão, responsabilização e alocação de recursos. Investir em portais electrónicos sem redesenhar processos, carreiras e governação interinstitucional é maquilhar uma “máquina cansada”. A transformação digital deve ser um meio para reorganizar, redistribuir competências e monitorizar resultados – não um fim autopromocional.
Qual o núcleo indeclinável do Estado: soberania e autoridade pública?
Nestas áreas o Estado não pode abdicar da sua primazia – não apenas por tradição, mas por necessidade de assegurar imparcialidade, legitimidade democrática e protecção dos direitos fundamentais. As áreas nucleares são a defesa nacional (desenvolvendo o planeamento estratégico, comando operacional e capacidade de resposta integrada a ameaças híbridas que requerem uma autoridade unificada. A justiça que deve promover a garantia de imparcialidade, rapidez e simplificação do processo, utilidade e actualidade das decisões, avaliação interpares eficiente dos intervenientes, enforcement de direitos, execução de penas e resolução de conflitos que exigem uma tutela pública forte e independente. A segurança interna e protecção civil, áreas estratégicas que devem ser modernizadas, coordenadas em situações de emergência e que não se compadecem com a fragmentação existente. Nestes domínios, a reforma deve focar-se em clareza de cadeias de liderança, interoperabilidade de sistemas de informação e mecanismos robustos de escrutínio democrático.
Ao nível das outras funções, o que deve o Estado fazer?
Ao nível das outras funções o Estado deve garantir a função através da igualdade de acesso e quando possível na sua prestação: a saúde e educação devem ser bens públicos geridos em rede com o social e privado. Deve promover e garantir igualdade de acesso o que não implica que toda a provisão seja centralizada ou exclusivamente estatal. Pelo contrário, a experiência mostra que a gestão centralizada e rígida tende a gerar ineficiências, desigualdades territoriais e falta de responsabilidade local. Deve garantir a prestação do serviço a todos cidadãos. Para atingir este propósito, o caminho está numa arquitectura em rede que combine, por exemplo na saúde: Serviço Nacional de Saúde (SNS) como “epicentro” regulatório, clínico e de dados. SNS que deve estar integrado com os municípios e comunidades intermunicipais para a proximidade; infra-estruturas e integração social; mas também com o sector social e solidário (IPSS, misericórdias, cooperativas) como parceiros de capilaridade e confiança comunitária. Finalmente com o sector privado regulado para complementaridade, inovação e absorção de picos de procura.
E quais as grandes decisões que o Estado tem de assumir?
Um sistema meritocrático de função pública assente em perfis de competências claras por função; recrutamento competitivo, transparente e aberto; remuneração diferenciada baseada em competências e avaliação. Progressão acelerada para excelência comprovada e travões para desempenho consistentemente insuficiente. Redimensionar e redistribuir recursos humanos de forma granular, requalificando e reconvertendo em áreas críticas. Mas também reduzir recursos humanos, digitalizando e automatizando em áreas susceptíveis de automatização. Criar um sistema de remuneração baseado em avaliação e talento, desempenho e territorialidade. Promover o direito à greve (uma conquista democrática e inegociável) mas que deve ser proporcional, equilibrando direitos em conflito. Finalmente promover um modelo de “governance” de contratualização por resultados.
Testemunho publicado na edição de Agosto (nº. 233) da Executive Digest, no âmbito da XLIII edição do seu Barómetro.












