Paciência. Haja paciência.

Por Manuel Lopes da Costa, Empresário

 

Em Portugal a paciência não é só uma virtude, é essencial para evitar morrer de desespero. Tudo o que diz respeito à nossa justiça segue um ritmo alucinantemente lento.

Conforme escrevi a 15 de abril: “o nosso sistema de justiça está baseado no pânico de se poder vir a prender um inocente e, assim sendo, dá tantas hipóteses de verificação e de admissibilidade de prova que acaba por permitir que os malandros, que percebem os meandros do mesmo, consigam tirar partido dele para se safarem de toda e qualquer prevaricação”.

Na altura até avancei com a teoria, oposta à reinante, que o Juiz Ivo Rosa tinha feito um favor a Portugal eliminado todos os casos passíveis de recurso deixando unicamente os que são passíveis de serem julgados imediatamente. No entanto, fiquei completamente estupefacto com a recente notícia: “Sócrates não vai ser julgado já” (in expresso.pt de 9/07/2021). “Pelos vistos, vai demorar pelo menos meio ano até José Sócrates e Carlos Santos Silva serem julgados pelos crimes de que estão indiciados na Operação Marquês. Isto porque, de acordo com o Expresso, o tribunal coletivo responsável pelo caso decidiu aguardar que sejam esgotadas as possibilidades de recurso depois de o juiz Ivo Rosa ter rejeitado as nulidades e irregularidades levantadas pela defesa e pelo Ministério Público. O tribunal coletivo presidido pela juíza Margarida Alves, a quem foi distribuído o julgamento de ambos, não marcou nenhuma data, uma vez que prefere esperar pelo trânsito em julgado da decisão do juiz de instrução Ivo Rosa, tomada a 4 de junho. Tanto Sócrates, como Santos Silva, como o Ministério Público, pediram a anulação (embora por motivos diferentes) da pronúncia pelos seis crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. Mas, Ivo Rosa decidiu que essa parte da decisão instrutória é irrecorrível e, por isso, não fazia sentido adiar a remessa do processo para julgamento. Agora, Margarida Alves veio dizer que o próprio despacho final de 4 de junho de Ivo Rosa é suscetível de recurso, o que poderá significar mais de seis meses de espera.” (in eco.sapo.pt de 09/07/2021).

Senhora Dra. Margarida Alves, Meritíssima Juíza, seis meses? Mais seis meses de espera? Desde abril já passaram três, e agora mais seis. Para depois acontecer o quê? Uma prescrição destes crimes tal como prescreveram parte dos 31 crimes em que o arguido Sócrates se encontrava indiciado? Os portugueses não conseguem compreender isto, ninguém consegue. A senhora Dra. até pode estar tecnicamente cheia de razão mas, moralmente e socialmente, não está. Este diferendo na interpretação da lei em cada momento por parte dos juízes é algo que a população não entende. Mais: Não entende e perde a confiança na justiça e nas instituições. Perde a paciência. E isso é grave e é mau.

Por um lado, vemos com esperança as coisas a mudar sensivelmente atendendo a que nunca na história do Portugal da segunda metade do seculo XX imaginaríamos que seria possível assistir à prisão do presidente em exercício do Benfica. “Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, foi detido” (in ojogo.pt de 7/07/2021). Trata-se de algo totalmente impensável. E, mais: um ex. ministro, um ex. administrador bancário e ex. dirigente do partido que mais anos governou Portugal desde o 25 de Abril foi condenado a prisão efetiva “Armando Vara condenado a mais dois anos de prisão efetiva por lavagem de dinheiro” (in publico.pt de 13/07/2021). Mas, por outro lado, há muita coisa que nos deixa perplexos e protelar o julgamento de Sócrates seis meses é certamente uma delas. Ou seja, durante a instrução “engavetamos” com grande facilidade seja quem for para depois ficarmos à espera anos que a justiça se resolva a condenar ou ilibar os arguidos. Haja paciência. Muita paciência. Relativamente a prender os presumíveis inocentes durante a fase de instrução ou de averiguação, é igualmente algo que deveria ser revisto, sobretudo no caso dos mais idosos. Independentemente de se gostar ou não do arguido, seja ele quem for, o mesmo merece respeito e ser tratado como presumível inocente que é. Não faz de todo sentido o circo mediático que se monta à volta destas operações policiais onde o que mais parece interessar algum jornalismo é o pão com manteiga do pequeno-almoço e o frango assado do jantar dos arguidos. Isto não é jornalismo, é lixo. Lixo mediático que vende, mas que não deixa de ser lixo. Por outro lado, sendo o nosso sistema jurídico tão protetor dos inocentes e defensor da presunção da inocência, vejo com muita dificuldade como é que agentes da justiça, como os advogados, podem ser presos, constituídos arguidos com toda a pompa e circunstância e mediatização sem haver uma preocupação real da proteção da sua vida e da imagem profissional e pessoal. Onde anda o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) nestes casos? A mediatização de uma prisão, mesmo que preventiva, de um advogado arruína toda a sua carreira. Mancha a sua reputação de forma permanente nem que posteriormente venha a ser julgado inocente. Até porque, com o tempo que demora a nossa justiça a resolver os casos, esse profissional manchado fica sem poder exercer a sua profissão e sem poder cumprir com as suas obrigações financeiras durante muito tempo. Não é justo. O nosso RGPD parece considerar mais grave o facto de podermos ser importunados à hora da telenovela por uma chamada de “vendas” de um produto do que a proteção real da imagem profissional de um cidadão. Trata-se de uma questão a rever. Temos que ter em consideração a idade dos arguidos, o impacto negativo na profissão dos mesmos bem como o seu estado de saúde, antes de os obrigar a passar uma, duas ou três noites na prisão para, de seguida, os colocar em prisão domiciliária. Se é para os colocar em prisão domiciliária durante meses, anos mesmo, à espera de julgamento, como se justifica fazê-los passar uma ou duas noites na cadeia? Não só não é coerente como não há razão nenhuma para a divulgação e mediatização destes casos, exceto como forma de alimentar o voyeurismo nacional. Esta tendência para o sensacionalismo não serve ninguém e só tem uma consequência, aliás nefasta: A condenação na praça pública de um arguido — algo que o nosso sistema judicial, na sua essência pretende evitar. Não sei se os arguidos mediatizados são ou não culpados, e a justiça tratará do assunto, mas sou profundamente contra que tudo o que diz respeito à justiça, em vez de ficar em segredo de justiça,

venha para a praça pública, ser devassado e discutido às mesas dos cafés como se de um jogo de futebol se tratasse.  Não pode ser, não é justo. É da vida e da privacidade de concidadãos que se trata. Acredito numa justiça mais célere e que não me dê cabo da paciência com as suas dúvidas, interpretações e demoras. Mas também acredito numa justiça mais respeitadora da privacidade dos arguidos, sejam eles posteriormente julgados culpados ou não.

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