O elevador social está descontrolado em queda livre

Por Nelson Ferreira Pires
General Manager da Jaba Recordati

Qualquer aluno de Direito, aprendia no seu 2.º ano do curso, na cadeira de Finanças Públicas e de Direito Fiscal a definição de “Imposto” e de “Taxa”, constituindo estas uma das três formas de financiamento do Estado. Gostei particularmente da definição do professor Sousa Franco, segundo a qual imposto é “a prestação coactiva unilateral, sem fins de punição, que é imposta aos indivíduos em relação aos quais se verificam certos pressupostos, previstos na lei, e que exprimem determinadas situações de riqueza”. Por outro lado, “Taxa”, segundo o mesmo, “é uma prestação pecuniária imposta obrigatoriamente a um particular que auferiu uma determinada utilidade relacionada com um serviço ou a utilização de um bem, que supõe sempre uma contraprestação”. E daí o objectivo da minha reflexão, pois o que vemos hoje é que o Estado classifica como taxas, aquilo que na realidade são impostos, cobrando aos contribuintes, de forma inconstitucional, receitas que não deveria auferir pois não presta nenhum serviço ou disponibiliza um bem público. E que os impostos que não deveriam ter uma função de punição (ou seja, são distintos da coima e da multa; não são uma pena pela prática de um facto ilícito), são de facto punitivos e persecutórios de quem gera riqueza (privados, indivíduos ou empresas). Basta atentar que qualquer contribuinte com um rendimento acima da média, aufere menos de metade em termos líquidos do que aquilo que contribui sob a forma de imposto e contribuições para a segurança social. Trabalhamos até meio do ano apenas para pagar impostos. O que é isto se não punir quem gera riqueza e quem por força do seu trabalho, recebe no final do mês, menos de metade do seu salário? Apenas porque nasceu no País errado. Ou seja, “acabemos com os ricos, e não com os pobres”.

No entanto, todo este comportamento devorador de recursos privados pelo Estado poderia ter por base motivos nobres. E para isso importa analisar quais as três funções fundamentais do imposto:

A função fiscal: o Estado ocorre à satisfação das suas necessidades, para financiar a máquina pública;

A função social: o Estado procura corrigir a distribuição das riquezas e os efeitos, criando condições mínimas nas camadas sociais mais desprotegidas através do financiamento dos impostos (por exemplo SNS, escola pública gratuita);

A função económica: o Estado tenta influir no mundo económico (por exemplo criando um imposto sobre as importações de um determinado sector, o que com a CE se tornou limitado).

Ora em 2018, o Estado Português cobrou segundo a Pordata, 44.320,6 milhões de euros em impostos (mais que em 2017, cujo valor foi de 42.211,4 M). Dos quais, impostos directos (IRS, IRC e outros), 19.742,3 M e os restantes 24.578,2 M (IVA e outros) foram impostos indirectos. Ou seja, primeiro o Estado cobrou mais impostos no ano de 2018 do que no anterior e segundo cobrou mais impostos indirectos do que directos. De forma simples, cobrou mais impostos a pobres e ricos indiscriminadamente do que àqueles que auferem maiores rendimentos ou às empresas (directos). Não me parece, e faço-o de forma empírica, que o Estado esteja com este tipo de cobrança, a tentar cumprir a sua função social de redistribuição económica. Está sim a cumprir a sua função devoradora para sustentar um “Estado anafado e obeso” que precisa de se manter. E temos esta mesma confirmação, quando avaliando os mesmos dados de 2018, analisando as Despesas do Estado em percentagem do PIB por algumas funções: Os “Serviços gerais da Administração Pública” sobem de 0,9% em 2017 para 1,1% em 2018; a “Saúde” baixa de 4,5% para 4,4% (em 2009, ano da crise era de 5,5%); a “Educação” baixa de 3,7% para 3,6% (em 2009 era de 4,8%); e “Acção e Segurança Social” baixa de 7% para 6,6% (em 2009 era de 6,5%). Reforçado pelo facto das prestações sociais terem-se mantido estáveis, inclusive sendo reduzidas nas prestações relacionadas com o subsídio de desemprego. E pela poupança efectuada como reforço positivo da diminuição homóloga da despesa com juros que se reduziu em cerca de -6%, com poupanças de muitos milhões de euros.

Ora os sinais positivos de um lado não são suficientes para promover um desagravamento fiscal que estimule a economia, quando agora pretende o mesmo Estado devorador, já em 2020, promover o englobamento de rendimentos, como forma de cedências políticas mas também de aumento da punição fiscal, com o aumento da receita daí decorrente. E não se importando sequer que actue de forma contraditória. Senão vejamos: se o englobamento obrigatório dos rendimentos prediais avançar, isso significa contrariar as recentes alterações para reduzir as taxas especiais para os contratos de arrendamento de longa duração; se o englobamento dos rendimentos de capitais avançar, contraria a necessidade de aumentar a taxa de poupança das famílias que segundo recente alerta do INE referiu estar em mínimos historicamente baixos. Uma total falta de estratégia fiscal. Confirmada pelo anúncio do aumento da progressividade do IRS, quando ela é já elevadíssima e apenas pretende “punir” as famílias com maior rendimento. Deveria sim, seguir em sentido oposto, de forma a aumentar o rendimento disponível para aumentar a poupança, o investimento e o consumo.

Em suma, o Estado aumenta a cobrança fiscal mas não investe na redistribuição de riqueza, nem na melhoria dos serviços públicos, nem no incentivo ao desenvolvimento económico. Apenas cobra mais porque precisa de alimentar a sua máquina devoradora da riqueza gerada pelos privados. Bem sabemos que os muito ricos, sempre encontrarão estratégias de planeamento fiscal legal para poder transferir os seus capitais para fora do país. Mas o Estado convive bem com este facto, encontrando perdão fiscal ao repatriamento de capitais. Mas quanto aos outros, não tão ricos, tem preparadas novas e malévolas estratégias para empobrecer ainda mais, de forma a poder corrigir (para baixo) as desigualdades sociais, fazendo com que o elevador social funcione (para baixo e em queda livre)!

Artigo publicado na Revista Marketeer n.º 167 de Fevereiro de 2020

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