Putin redefiniu a ‘linha vermelha’ nuclear: Como vai responder a NATO?

As recentes declarações de Vladimir Putin sobre o possível alargamento das regras para o uso de armas nucleares colocam novos contornos na sua já conhecida estratégia de intimidação nuclear. No entanto, especialistas acreditam que se trata, em grande parte, de um bluff, e que as ameaças renovadas do Kremlin têm pouco impacto real nas operações militares ou decisões políticas no Ocidente.

Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia, Putin tem repetidamente usado a retórica nuclear como uma ferramenta para dissuadir a intervenção ocidental. Pouco depois da invasão, o presidente russo advertiu que qualquer interferência no conflito teria “consequências que nunca viram na vossa história” e colocou as suas forças nucleares em alerta especial. Este tipo de ameaça tem sido amplificado pela máquina de propaganda russa, que, segundo o The Washington Post, sugeriu ataques nucleares a capitais ocidentais. No entanto, diplomatas russos admitiram recentemente que estas ameaças já não causam o impacto desejado e “não assustam ninguém”.

Na última quarta-feira, Putin voltou a aumentar a intensidade do seu discurso ao anunciar alterações à doutrina nuclear russa, que agora prevê a possibilidade de retaliação em resposta a um grande ataque com mísseis ou drones que atravessem as fronteiras russas. Durante uma reunião televisiva do Conselho de Segurança da Rússia, Putin explicou que qualquer ataque que constitua uma ameaça crítica à soberania russa, mesmo que não provenha de uma potência nuclear, poderá justificar uma resposta nuclear, especialmente se esse ataque for apoiado ou conduzido por uma potência nuclear.

Embora não tenha nomeado diretamente os países a que se referia, o contexto é claro: desde o início da guerra, a Ucrânia tem utilizado mísseis fornecidos por potências ocidentais, nomeadamente pelos Estados Unidos, Reino Unido e França, para atingir alvos em território russo.

“É um bluff”, dizem especialistas

Para muitos analistas, no entanto, as declarações de Putin não representam uma mudança significativa na postura nuclear da Rússia. Gustav Gressel, investigador sénior do Conselho Europeu de Relações Exteriores, afirmou à Newsweek que “é um bluff”. Se houvesse uma verdadeira intenção por detrás dessas palavras, argumenta Gressel, “já teríamos visto uma escalada nuclear”.

Gressel lembra que, segundo a legislação russa, as regiões da Ucrânia que Moscovo reivindica ter anexado já são consideradas parte do território russo. Assim, qualquer operação militar ucraniana nesses territórios poderia ser tecnicamente vista como um ataque apoiado pelo Ocidente, mas isso não justifica o uso de armas nucleares. “A doutrina nuclear russa foi sempre muito flexível e adaptável”, observa o especialista, sugerindo que a ameaça de Putin é mais uma tentativa de manipulação política do que uma intenção concreta.

As linhas vermelhas de Putin e a resposta ocidental

O medo de uma escalada nuclear tem, de facto, influenciado as decisões políticas do Ocidente, particularmente no que toca ao fornecimento de armamento à Ucrânia. Segundo Gressel, esta hesitação é vista pelo Kremlin como um sinal de fraqueza, reforçando a ideia de que as ameaças nucleares russas ainda têm algum efeito sobre as políticas ocidentais. No entanto, Gressel adverte que “se a NATO cair nesta armadilha, estaremos a meter-nos em apuros”. A única resposta adequada, segundo ele, seria desafiar abertamente as ameaças de Moscovo.

Sergey Radchenko, historiador especializado na União Soviética e professor da Johns Hopkins School of Advanced International Studies, aponta que as ameaças de Putin, embora preocupantes, são menos agressivas do que as feitas pelo líder soviético Nikita Khrushchev nos anos 50 e 60. “Os anos 50 eram mais perigosos do que o que temos hoje, porque na altura não havia um entendimento claro de todas as partes envolvidas sobre a lógica da destruição mútua assegurada”, disse Radchenko à Newsweek.

Hoje, a estabilidade estratégica entre as potências nucleares é mais consolidada, e essa estabilidade não desapareceu com o fim da Guerra Fria. “O que temos agora é um equilíbrio de poder relativamente estável, e as ameaças nucleares da Rússia não têm, até ao momento, causado uma disrupção significativa”, explicou.

A doutrina nuclear russa: o que realmente mudou?

Apesar das declarações de Putin, especialistas concordam que é difícil avaliar verdadeiramente as mudanças na doutrina nuclear russa, uma vez que o documento oficial é “obscuro” e sujeito a múltiplas interpretações. “A questão é como definir uma ameaça à sobrevivência do país”, afirmou Radchenko, sugerindo que as recentes alterações à doutrina são, em grande parte, retóricas.

A doutrina russa, segundo Radchenko, é limitada e funciona mais como uma “arma psicológica” do que como um guia para ações concretas. “Quando se trata da decisão de usar armas nucleares, não creio que a doutrina tenha um papel significativo”, acrescentou. Além disso, ao contrário da era Khrushchev, as tecnologias de satélite modernas dão aos países ocidentais uma maior capacidade de monitorização, permitindo detetar sinais de preparação para um ataque nuclear.

O que esperar no futuro?

John Hardie, diretor-adjunto do programa para a Rússia na Fundação para a Defesa das Democracias (FDD), também minimizou o impacto imediato das declarações de Putin. Embora haja uma mudança na política declaratória da Rússia, Hardie acredita que não haverá grandes consequências no terreno, especialmente no conflito na Ucrânia. “Os russos ainda não decidiram usar armas nucleares táticas na Ucrânia, e não vejo isso a mudar, a menos que haja um colapso significativo, como uma ameaça real à posse russa da Crimeia”, explica.

As recentes ameaças nucleares de Putin, embora perturbadoras, são amplamente vistas como parte de um padrão antigo de intimidação que Moscovo tem utilizado ao longo dos anos. No entanto, como muitos especialistas afirmam, o verdadeiro teste será observar sinais tangíveis de uma preparação russa para usar armas nucleares. Até lá, é provável que as ameaças permaneçam no campo da retórica política e psicológica.

Com o desenrolar do conflito na Ucrânia e a contínua intervenção ocidental, a postura de Moscovo sobre o uso de armas nucleares continuará a ser um ponto de especulação e preocupação. Contudo, como indicam vários especialistas, a estratégia do Kremlin pode estar mais focada em manipular perceções do que em desencadear uma escalada real.

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