“Precisamos de sair para uma economia diferente”, diz o Presidente do ISEG

Apesar de ter vindo a melhorar as expectativas para o crescimento da economia nacional, o presidente do ISEG considera que Portugal não está a melhorar a sua estrutura produtiva nem a mudar um outro item muito importante: a captação e retenção de talento

Em entrevista à Executive Digest, o presidente do ISEG, João Duque, fala sobre vários temas quentes da actualidade: o papel das grandes empresas no tecido produtivo, a importância da remuneração do trabalho competente, a necessidade de cooperação entre as várias instituições e a falta de investimento em grandes infraestruturas. 

As recentes previsões macroeconómicas de várias entidades apontam para um crescimento que varia entre 0,7% e 1,5% para a economia portuguesa. Qual a sua perspectiva para 2023? Qual é para si a mais realista?
O ISEG tem um grupo de economistas que é um pouco mais generoso e perspectiva 1,6%. Coloco-me um pouco abaixo, mas tenho melhorado as expectativas para o crescimento da economia portuguesa, este ano. Porquê? Porque a Europa – que nos puxa muito em termos de crescimento das exportações – já não irá passar provavelmente pelo “sufoco” que estava previsto. Esse é um bom sinal e importante porque permite acalentar algumas expectativas de que a indústria portuguesa e os serviços continuem a fornecer bem aquilo que é o motor de crescimento da Europa, o centro da Europa. Por outro lado, a China – com o Covid zero – veio trazer outra expectativa de que as cadeias de fornecimento do país deixam, muito provavelmente, de ter disrupções. A acontecer, isso tem dois efeitos: há mesmo fornecimento e as oscilações nos preços não serão tão acentuadas. Além disso, nos EUA está-se a contar com um investimento massivo na transformação energética e isso vai-se fazer sentir na economia mundial. Isto é, a China a reactivar a sua economia, os EUA a puxarem para um investimento muito transformativo e a Europa a ter expectativas menos negativas. 

Isso faz com que deixe de pairar o fantasma da recessão?
Não na Europa. E como Portugal está muito assente no Turismo, que está muito forte, isso significa que mesmo que a Europa entrasse em recessão eu estava convencido que podíamos passar bem…

Mas há um mês defendia que era importante pôr um travão ao crescimento para impedir a recessão. Já não o defende?
O que digo é que a travagem do consumo exagerado, que tinha que ser feito por causa do nível de preços, era importante para ajustar. De alguma maneira, estou convencido que os drivers económicos neste momento são muito fortes. Quase toda a gente baixou muito a sensação de que vamos entrar numa recessão. Muitos agentes começam a ter a consciência “se calhar, vamos sobreviver”. Não é um crescimento grande na Europa. O que estou à espera é que a Europa – que eu pensava que ia ter uma recessão – já não a terá. Isso significa que se Portugal, antes, acreditava que era capaz de aguentar em recessão, então agora a expectativa ainda é superior. Admito com grande possibilidade que Portugal crescerá 1 ou acima de 1%. Não é transformativo e não deixa de ser um crescimento orgânico à custa de um sector, o Turismo. Ou seja, não estamos a melhorar a estrutura produtiva portuguesa nem sequer a mudar um outro item muito importante que é a captação e retenção de talento. E sem esse talento não se muda Portugal!

Como é que se muda, então?
Remunerando mais o trabalho competente, que é algo que tem estado sempre fora da agenda. É um problema que não é emergente, porque a esmagadora maioria da política se faz para a agenda da semana. A retenção de talento faz-se remunerando melhor quem tem skills. Só se fala do salário mínimo nacional. E os outros? Paulatinamente vão saindo de Portugal.

Como é que é tão optimista em relação à economia portuguesa quando temos uma classe média mal remunerada, quando a inflação se faz sentir com os preços continuamente a aumentar e os salários já não os conseguem acompanhar?
A inflação está a abrandar e, a meu ver, é provável que venha a descer significativamente ao longo do ano. Se, em média, tivermos acréscimos de 5%, e se as classes mais baixas forem aumentadas nesses 5%, chegamos ao fim do ano e estamos mais ou menos ao mesmo nível que estávamos em Dezembro.
A inflação vai ter um desempenho muito diferenciado ao longo do ano. Vai descer significativamente e vai ficar muito abaixo dos 5% no final do ano. A partir daí, os aumentos já serão residuais. Por isso, o consumo das classes mais baixas se for mais ou menos equilibrado, estabiliza. A classe média terá uma atitude simples: prescinde da poupança e aumenta os níveis médios de consumo.

Pode-se perguntar por que é que os banqueiros não oferecem maior remuneração à poupança? Porque os bancos estão cheios de liquidez e não têm necessidade.  No Covid, depois de tanta liquidez injectada, injectaram ainda mais e isso era fundamental para que as pessoas pudessem ficar em casa e não se caísse em grandes níveis
de desemprego.
A meu ver, este foi um dos drivers da inflação. Os bancos nunca o vão admitir. Mas eventualmente na Europa já deviam ter andado mais rapidamente para trás subindo taxas de juro e reduzindo massa monetária. A Christine Lagarde já anunciou que vai reduzir a massa em 15 mil milhões de euros por mês durante quatro meses. Isso é muito importante, que é reduzir capacidade de liquidez.
Perante isto, a minha expectativa é que vamos manter algum consumo e as exportações continuarão a crescer razoavelmente bem. A actual política monetária vai afectar as famílias mas de um modo geral eu penso que podemos sobreviver. Precisamos de sair para uma economia diferente.

O que é que defende para se conseguir essa saída diferente?
Os empresários portugueses têm que ter uma noção muito clara que têm que investir em valor acrescentado por unidade de posto de trabalho. Porque só assim é que conseguem remunerar bem o trabalhador. Qual é a diferença entre um café no centro de Lisboa ou na Praça de São Marcos, em Veneza? O café é igual, mas lá paga-se cinco euros porque se consome um enorme intangível, além de que nós ainda não temos marca. É esse valor acrescentado por posto de trabalho que depois permite remunerar bem. Alguns sectores conseguiram, como o tecnológico, o calçado, o vinho.

O que defende é sempre um trabalho em valor. O tecido empresarial português ainda olha mais para o volume em detrimento do valor?
De um modo geral, sim. Olho para a economia portuguesa e o que vejo é que o valor acrescentado, nomeadamente nas nossas exportações, não é o que poderia ser. Se todos os sectores fossem exportadores de elevado valor acrescentado por unidade produzida ou trabalho criado. Mas há bons nichos e esses sectores deviam ser estimulados. Devia-se estimular a escala das empresas.  As nossas grandes empresas são pequenas. E trabalhar em empresas grandes, de um modo geral, é muito melhor do que em empresas pequenas.

Têm sido hostilizadas, as grandes empresas?
Há um discurso contra essas empresas, não se tomando em conta a sua própria escala e dimensão. Mas quando se coloca esse lucro ao lado dos milhares de milhões de activos, o que se percebe é que se não obtiver aquele lucro isso significa que não estará a usar devidamente os recursos. Dá-se um grande destaque a quem fica muito escandalizado com o lucro elevado. A minha primeira pergunta quando vejo um lucro elevado é: como é que foi feita a remuneração dos colaboradores, eu acho que é isso que é importante e qual é a competência desses trabalhadores. O trabalho competente no fundo é que gera aquele valor acrescentado. Os trabalhadore a meu ver não devem ser penalizados. E pagar a remuneração do conhecimento que é uma coisa importante. A remuneração dos cargos deve ter em conta vários aspectos: o tempo que a pessoa dedica ao cargo, a competência, o trabalho, a qualificação que precisa de ter, e o que consegue demonstrar que sabe fazer (e faz) e a responsabilidade assumida. O nível de responsabilidade tem de ser pago e é isso que às vezes choca as pessoas. Já viu a responsabilidade que ele está a tomar?, e isso é muito importante. 

Se olharmos para a lista das 500 maiores marcas do mundo não há portuguesas, mas há várias suíças, holandesas e de outros países com dimensão semelhante à nossa. Como interpreta estes dados?
O estímulo ao crescimento, ao apoio aos bons casos, as PME deviam tentar não ser PMEs. Há países pequenos que têm marcas grandes, porque ou foram estimulados a isso ou porque culturalmente são mais propensos à cooperação. Mas
a cooperação também se estimula. Fazia sentido o governo estimular a cooperação, a criação de sindicatos, o aumento de escala, os concursos internacio-
nais, etc. Ou seja, agregar para criar marcas internacionais. 

A falta de investimento e o sucessivo atraso nas grandes infraestruturas (com aeroporto de Lisboa e ferrovia à cabeça) são as maiores razões de preocupação?
Dentro da ferrovia temos três coisas: a questão da bitola, das linhas e da sinalização. E, portanto, o que estamos a fazer de investimento? Em traçado de via única, em bitola ibérica e na sinalização estamos a melhorar. Mas isto vai conduzir-nos a uma situação em que onde o fluxo de passageiros e mercadorias não pode ser muito elevado porque vias únicas têm o problema da passagem e, portanto, o investimento que se está a fazer – e mesmo que venha mais tarde a ser ampliado – as obras para a sua ampliação vão custar muito mais do que se fosse agora.
Não é com o sentido de que vamos fazer um projecto de facto transformador. Vamos pagar mais caro e tenho dúvida que possamos atrair investimento significativo, estruturante e de grande dimensão por causa deste tipo de coisas. Por exemplo, a Volkswagen decidiu instalar recentemente uma daquelas gigantescas fábricas em Espanha porque tem porto, ferrovia em bitola europeia, não tem custos adicionais, não tem confusão ou estrangulamentos. E quando a Europa tiver uma rede de comboios que liga as principais cidades e capitais a alta velocidade, os preços dos aviões vão aumentar muito. Depois eu quero ver se conseguimos a derrogação porque não temos comboios tão rápidos. Eu lastimo que isso esteja suceder. Quanto ao aeroporto a decisão estava já tomada e agora vamos estudar tudo outra vez, não faz sentido. Além disso, vai estar muito dependente da venda da TAP, em função do operador que a venha a comprar. 

Na sua opinião, podemos estar a caminho de uma nova crise do euro?
Quando foi a descida das taxas de juro na crise de 2008/2009, os americanos baixaram as taxas de referência e nós continuámos lá em cima. Só depois é que baixámos atrás dos americanos. Nós vamos ter sempre de ir atrás dos americanos porque senão há uma desequilíbrio muito grande na relação de paridade entre o euro e o dólar e depois importamos mais inflação. Portanto, temos de assumir as taxas de juro para que não haja uma debandada de depósito de euros para dólares, fazendo aumentar ainda mais o valor do dólar face ao euro e aumentando o custo das matérias-primas que compramos no mercado internacional em dólares e isso era a cavar a nossa própria destruição. Portanto, temos aqui duas situações: ir atrás da Fed, por um lado, e por outro manter uma certa coesão interna. Senão houvesse uma forte coesão [do colectivo], a Christine Lagarde não avançava já com a subida anunciada. Isto é, ela está a divulgar o que é uma posição muito maioritária. 

Já tinha sido presidente do ISEG entre 2009 e 2014, sucedendo a Clara Raposo. O que pretende para o seu mandato?
Basicamente fazer o plano de actividade que já estava desenhado. Vou implementar uma escola que não desfaz a sua matriz. Esta escola tem uma matriz de um ensino muito sério e competente. Nós forçamos muito o ensino das matérias, somos rigorosos, exigentes mas os alunos dão prova de conhecimento. Po outro lado, temos uma visão muito aberta, de humanidade e liberdade em todos os aspectos (metodológicos, política económica, não priviligiamos uma corrente Keynesiana ou liberal). Não sentimos que haja qualquer partido a pôr aqui o pé em cima do presidente. Não somos uma madraça de nenhum partido político e temos um convívio muito saudável. É uma escola cada vez mais internacional, abriu-se aos rankings, e ainda agora tivemos o prazer de nos juntar a outras escolas portuguesas no top do Financial Times. Afinal aquilo que fazemos é bem feito. Se o Governo português achar que faz sentido apostar no sector da educação do ensino superior, então apoie, ajude e flexibilize, se quisermos fazer dentro do panorama europeu um sítio onde possamos atrair talento remunerado. É uma esperança que tenho. 

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