“Precisamos de criar valor para investir”, diz CEO da Auchan Retail Portugal

A Auchan Retail está presente em 12 países e é um dos maiores grupos alimentares no mundo. Em Portugal, a empresa conta com 37 lojas de proximidade MyAuchan, 32 hipermercados, 4 supermercados, 21 lojas franchisadas, 29 gasolineiras e 1 loja My Auchan Saúde e Bem Estar. Com a inovação a marcar a sua actuação, implementou a leitura óptica e o código de barras em 1988. Nesta entrevista à Executive Digest, o CEO Pedro Salter Cid revela a estratégia da empresa ao nível do investimento, estratégia, captação de talento e sustentabilidade. 

Quais são os principais desafios do Grupo Auchan para 2023 tendo em conta o actual contexto?
Os principais desafios assentam em dois caminhos: visão e Propósito. Ao sermos uma empresa familiar, o que nos dias de hoje tem um valor impressionante, não visamos o lucro pelo lucro. Isso está fora de questão. Trabalhamos para melhorar a vida das nossas equipas e dar-lhes as condições para que eles estejam o melhor possível. Mas também para melhorarmos a vida dos nossos clientes, proporcionando artigos com a maior qualidade possível e ao preço mais baixo. O Covid deixou marcas pesadas, depois começou a guerra e a inflação. Ou seja, há poucos mercados em Portugal que sejam tão disruptivos como o nosso, porque não há uma única cadeia que queira ter um preço mais caro do que a outra. Este é o princípio dos supermercados e, por isso, é que tiveram uma boa evolução ao longo dos anos. Actualmente, mum mercado tão concorrencial como Portugal, com empresas muito boas (somos vistos como um bom aluno e com uma evolução muito interessante em termos de retalho) encontramos forma de baixar o preço e não de o subir, mesmo dentro da conjuntura actual em que é extremamente difícil acomodar todas as alterações de preço. O nosso foco vai para as equipas e clientes. Enquanto Auchan somos uma federação de empresas, temos uma autonomia elevada e tentamos traduzir a mesma coisa para as equipas no País. O nosso terceiro pilar é construir uma sociedade melhor e temos a obrigação de o fazer no local onde estamos instalados. Por isso, todos os apoios e ligação que damos é feita numa coisa que chamamos “zona de vida”, que é no sítio onde está o hipermercado.  Temos a obrigação e a responsabilidade de contribuir para que se vá buscar pessoas dessa zona para trabalhar. Não deve haver em portugal, e digo isto com muito orgulho, nenhum grupo retalhista que compre tanta produção local como nós. Temos cerca de 600 produtores locais e com uma relação óptima de construção do futuro. Temos de ganhar o que é justo dentro do mercado onde estamos instalados e isso é bom para o produtor, com uma questão de princípio e honestidade e não de volatilidade permanente. 

A inflação afectou este equilíbrio?
Eu acho que não afectou o equilíbrio no sentido do que é o mercado. Os preços sobem por várias questões. Nós temos uma forma de trabalhar com os nossos fornecedores: a primeira é a garantia, um código de conduta, e garantimos que todos o cumprem. A segunda questão tem a ver com o produto, pois ele é a nossa essência. O mercado do retalho tem dois pilares – as pessoas que cá trabalham e o produto em si, porque as pessoas vão ao supermercado para comprar um bom produto. Aquilo que nós vendemos hoje é muito mais mais qualititativo do que há 20 anos. Temos produtos desenvolvidos por nós, as nossas marcas têm um desenvolvimento enorme e as marcas dos nossos fornecedores vão ao encontro do mesmo. Para termos noção, a evolução de custos no último ano foi brutal e todos conhecemos isso. Nós não obrigamos as pessoas a venderem-nos mais barato. Negociamos e arranjamos soluções de ter um preço equilibrado para o mercado. 

Em média, qual é a vossa taxa de margem?
Somos uma empresa omnicanal e dentro do omnicanal traduzimos o que é o cliente quer (os vários tipos produtos ou nos vários locais). Vendemos produtos do têxtil à saúde e temos margens totalmente diferentes que adaptamos a cada área. Se falarmos na produção, por exemplo, o nosso pão é produzido nas nossas padarias e tudo o que são produtos frescos é para serem consumidos no dia ou em dois dias. Portanto, a nossa margem altera-se muito consoante o tipo de produtos. No final, quando olhamos para aquilo que cobramos pelos produtos, somos uma área de mercado altamente eficiente quer em termos logísticos, de produção e melhoria de produção nas lojas. Aquilo que nós cobramos, os custos que temos e a nossa margem final, diria que estamos a trabalhar com valores que não chegam a três, 3.5 ou 4%. Enquanto empresa responsável e que está no mercado aberto tudo fazemos para baixar os preços. Mas claro que estamos no mercado para criar valor. Se
não ganharmos dinheiro não conseguimos proporcionar este ambiente às pessoas que cá trabalham, não conseguimos abrir mais lojas e não conseguimos dar experiência. Precisamos de criar valor para investir e que o ecossistema funcione. 

Quais são os principais investimentos que a empresa espera fazer este ano?
Temos regras muito simples dentro da Auchan. Cerca de 60% do que produzimos investimos directamente no País. Como princípio, 50% do nosso investimento é feito para melhorar aquilo que temos. Isto é, nós temos que dar melhores condições às equipas, aos clientes.  Nos últimos cinco anos renovámos 70% das nossas lojas. E este ano vamos fazer o hipermercado de Faro. Só o hipermercado de Faro vai ter um investimento directo a rondar os 6 ou 7 milhões de euros. Abrimos a My Auchan Saúde e Bem-Estar, um conceito inovador, totalmente dedicado à saúde, ao bem-estar e à beleza, localizado na Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Este é um conceito inovador para a Auchan, que procura com esta abertura oferecer uma resposta conveniente às necessidades do cliente, nas áreas de Beleza, Saúde e Bem-Estar, através de uma loja de proximidade. Vamos ainda abrir este ano mais lojas My Auchan e teremos a abertura de um hipermercado no primeiro semestre, em Vila do Conde.  Em média, gastamos 50 ou 60 milhões de euros por ano em tudo que são os nossos investimentos. 

A inovação é outra das vossas grandes apostas para o futuro?
Dentro de um mercado altamente maduro, a inovação é fundamental em duas áreas: a primeira, está relacionada com o produto. Como é que nos damos produtos com mais qualidade, adaptados às necessidades e com outro tipo de composição? Este papel é nosso, o de ter produtos que tragam maior qualidade aos nossos clientes e, em segundo lugar, mostrar ao cliente como é que ele pode saber o que está a comer e dar-lhe a informação necessária para escolher. É a nossa obrigação. Depois, existe inovação em termos de produtos, inclusivé para diversas faixas etárias. Por exemplo, temos sopas adaptadas para pessoas que têm mais de 50 ou 60 anos. Como é que vamos responder às necessidades do ser humano com mais qualidade e sempre a um preço mais baixo possível? Através da inovação e investigação em termos de produto e depois a inovação em termos de experiência de compra e de percurso de cliente. Hoje, encontramos vontades alimentares e experiências totalmente diferentes. A dieta alimentar alterou-se de uma forma impressionante, com evoluções que vão de acordo ao que cada um entende que é melhor para ele e com uma factor fundamental: acesso a muito mais informação. 

A Auchan também tem reinventado o seu negócio?
Há um processo de reeinvenção e temos um papel importante nesse sentido. Porque vendemos produtos? Quais os que queremos vender? É dentro deste princípio que traduzimos a frase “alimentar por uma vida melhor”, seja pela qualidade dos produtos ou por dar acesso às pessoas a essa alimentação, preservando o planeta. Sendo uma empresa familiar e com ADN muito interessante, este factor é fundamental para a família Mulliez, o de cuidarmos do planeta e deixarmos um mundo melhor. Nos últimos anos isto tem sido muito vincado, sabendo que muitas dessas acções não têm um lucro directo. Tendo em conta isso, a nossa evolução tem sido a de deixar de ser um retalhista puro, de vender apenas os produtos que temos nas prateleiras, mas sabermos o que vamos vender e quais os produtos que vendemos.  Nós hoje temos uma black list cada vez maior. Há determinados ingredientes que não utilizamos e, por isso, estamos a evoluir mais em termos de produtos, democratizando-os, e respondendo melhor aos nossos clientes. Esta questão de massificar alguns produtos em que os preços baixam dá a possibilidade de comprar muitos artigos que até hoje não tínhamos possibilidade de comprar. 

Qual a atenção da Auchan para o tema da Sustentabilidade?
Actualmente, uma das nossas grandes preocupações é o desperdício alimentar. Apesar da evolução enorme nos últimos anos no combate ao desperdício, aquilo que não tem aproveitamento ainda tem um valor enorme no sector retalhista. Por isso, a nossa prioridade neste momento é este tema. Isto é, como garantimos que este desperdício diminua no seu limite, porque é possível que no mínimo sejam destinados para o aproveitamento animal ou economia circular. Temos de garantir que o nosso desperdício alimentar nos próximos 10 anos é zero. A redução do desperdício é um compromisso da Auchan, que tem vindo a procurar novas soluções que combinem a prevenção de desperdícios alimentares com a conveniência do melhor preço para o consumidor. Sempre sem comprometer a qualidade dos produtos. [Em 2019, a empresa doou 2,4 mil toneladas de produtos alimentares, num total de mais de 2,5 milhões de euros]. Assim, e ao longo dos anos, temos implementado iniciativas em linha com a redução do desperdício, seguindo uma estratégia global bem definida. E essa será a grande luta de todas as equipas e da Auchan nos próximos anos. 

Foi em 2007 que a Achaun lançou o seu e-commerce, na altura ainda sob a marca Jumbo, e desde então tem vindo a apostar neste canal de vendas com o objectivo de melhorar a experiência dos clientes. Que balanço faz?
O e-commerce e o digital registaram uma grande evolução até 2019, mas no último ano não teve o incremento verificado no período da pandemia. Todos nós utilizamos de forma mais quotodiana ou pontual, mas usamos. No entanto, não é esta a grande compra, embora continue a ter a sua evolução para determinados percursos. 

Será uma evolução ao ponto de deixarmos de ir ao supermercado?
Não. Nós precisamos do contacto, de socializar e de ver os produtos. É bastante diferente ver fisicamente ou no comércio electrónico. Eu acho que há espaço para os dois e faz parte da nossa evolução como seres humanos. Hoje, temos a possibilidade de ter estas tecnologias, de ter esta facilidade e devemos utilizar. Não me parece que vá substituir e isso vê-se pelo número de metros quadrados que continua a abrir em Portugal. 

Qual é a sua filosofia de gestão e o que se exige de um líder empresarial nos dias de hoje?
A minha filosofia de gestão assenta em três factores fundamentais e todos os dias penso neles sem precisar de fazer um grande esforço. A primeira questão é a honestidade: vivemos num mundo complexo em que toda a gente quer mais e a honestidade daquilo que fazemos é fundamental; a segunda é uma questão de Justiça. Estar nesta posição implica fazer de juiz e é preciso tentar ser o mais justo possível; e o terceiro ponto é a responsabilidade. Eu acredito verdadeiramente nas pessoas. Todos temos de ser responsáveis e, por isso, o meu princípio em termos de gestão é muito aberto. A Auchan define bem as áreas de actuação de cada um e a liberdade para o fazer. Todos sabemos qual o nosso papel, a responsabilidade e aquilo que precisamos de fazer. É uma empresa pouco hierarquizada. Se as pessoas souberem o seu papel e forem profissionais não precisam de poder. Podem precisar de desabafar ou partilhar, mas não do poder por cima. Cada um pode ser livre para dizer o que pensa e sente, mas tem de ter este alinhamento virado para a liberdade e responsabilidade e menos para o poder.  Em relação aos dias de hoje, o que mais se exige a um líder é que não se pode desviar dos seus princípios: como melhorar verdadeiramente a vida das equipas e dos clientes. 

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