“Os contribuintes contam connosco para resolver os seus problemas”, sublinha Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa 

O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) é bastante relevante para as empresas e contribuintes individuais.

O CAAD nasceu para dar resposta a um problema evidente nos tribunais administrativos e fiscais: as pendências, os casos que não andavam para a frente, a preocupação ou, nalguns casos, até o desespero das pessoas e das empresas perante tantos atrasos. Nesta entrevista, o presidente Nuno Villa-Lobos explica os principais desafios do Centro para o futuro.

 

Tem-se discutido muito sobre a arbitragem nos últimos tempos. Compreende as críticas?

Estou certo que conhece a diferença entre a arbitragem ad-hoc e a regulada, a que fazemos no CAAD. Partilhamos o nome arbitragem, mas somos de famílias diferentes. As regras que seguimos, os mecanismos de fiscalização interna que adotamos, as obrigações de transparência que nos auto-impomos e nos abrem em permanência ao escrutínio do Tribunal de Contas e da Procuradoria-Geral da República… além da disciplina férrea na identificação daquilo que julgamos serem potenciais conflitos de interesse dos árbitros… tudo isto procura blindar o trabalho do CAAD. Eu compreendo a sua pergunta, mas chegados aqui seria de elementar justiça que não metesse tudo no mesmo saco. A generalização empobrece-nos a todos e, de certa forma, beneficia quem adota critérios mais laços.

 

Deixe-me voltar atrás: podemos dizer que a arbitragem regulada surgiu para tentar resolver um problema e acabou por ficar?

A arbitragem do CAAD, ou melhor, o CAAD nasceu para dar resposta a um problema evidente nos tribunais administrativos e fiscais: as pendências, os casos que não andavam para a frente, a preocupação ou, nalguns casos, até o desespero das pessoas e das empresas perante tantos atrasos. Repare: tratava-se de milhões e milhões de euros parados nos tribunais. Era preciso agir. E foi isso que aconteceu e continua a acontecer, embora com outra escala.

 

Foi o antigo secretário de Estado, João Tiago Silveira, quem teve a ideia de criar o CAAD. Pouco mais de uma década depois, esses pressupostos que levaram à sua criação mantêm-se?

Nascemos pela mão do Estado e de um grupo de sindicatos. Hoje, a situação não é a mesma, mas penso que ainda hoje temos um papel relevante a desempenhar. Veja bem, o número de contribuintes, sejam pessoas ou empresas, que recorrem ao CAAD é muito significativo e estável, isto é, repete-se de ano para ano, o que significa que passámos a fazer parte integrante do sistema. Não somos um corpo ocasional. Os contribuintes contam connosco para resolver os seus problemas, confiam no que fazemos nos pequenos processos ou nos maiores. A generalidade dos actores da Justiça reconhece este trabalho. Claro, esta análise tem de ser feita por outros e não significa que não existam problemas… Penso que há hoje um debate estimulante sobre a justiça e este debate alargado também toca na arbitragem.

 

Está a dizer-me que os tribunais do Estado continuam a arrastar os pés? É o que ouço os empresários dizerem…

Eu compreendo que, jornalisticamente, se procure simplificar as questões. Acontece que a realidade tem matizes, sombras, tem detalhes que nos obrigam a olhar com precisão para os factos e para a sua evolução. Respondo-lhe assim: tem sido feito um grande esforço na recuperação das pendências, isso é inegável, apesar de a herança ser, digamos, pesada. Além disso, a atual Ministra da Justiça enfatizou a necessidade de melhorar os tribunais administrativos e fiscais, o que só pode ser positivo. Acresce que os Juízes têm feito um esforço pronunciado para resolver os atrasos. Isto raramente é dito, mas é a verdade, é factual. Apesar de ser um trabalho da máxima complexidade, os juízes portugueses têm uma produtividade assinalável. Penso também que a presidente do Supremo Tribunal Administrativo tem realmente procurado as melhores soluções, não tem parado, tem sido consequente e exigente, o que confere a esta jurisdição uma dinâmica progressivamente ajustada às necessidades. E os dados provisórios de 2022 confirmam uma tendência clara no sentido da recuperação das pendências nos processos de impugnação fiscal na ordem dos 36% por referência aos números de 2016, ou seja, há menos 8 mil processos de impugnação pendentes.

 

 

Não respondeu à minha pergunta…

A justiça administrativa e fiscal constitui a ligação entre o cidadão e o Estado quando as coisas não correm bem ou quando existem dúvidas que têm de ser resolvidas. Esta relação tem, portanto, de ser melhorada. É vital que seja melhorada. A atual ministra da Justiça sinalizou esta importante reforma, isto é, assumiu esse objetivo político. Esta é uma área de, digamos, abastecimento argumentativo dos partidos de protesto e dos movimentos populistas, logo temos todos a ganhar se a concretização for lesta e eficaz. Subsistem ainda vários problemas, claro, a mudança leva algum tempo, sendo por isso importante a existência da arbitragem regulada para poder acelerar os procedimentos. Trata-se de defender as pessoas e as empresas, mas também o Estado.

 

Proteger o Estado?

Se um processo ficar em trânsito pelos tribunais do Estado durante anos e se, no fim, o Estado perder a querela, então terá de pagar juros que, no final, desviam milhões de euros do erário público. Ora bem, se em vez disso o CAAD decidir em quatro meses, como é nossa prática e missão, então ganham todos. Mesmo perdendo, o Estado de certa forma ganha porque não engordou a conta surda… a que lhe chegaria anos depois. Como vê, a rapidez ajuda-nos a todos.

 

Quantos processos decide por ano? O IRC pesa quanto?

A análise das decisões por tipologia de imposto indica que do total de 815 processos, no valor global de 223 milhões de euros, a maior parcela diz respeito a questões relacionadas com o IRC. Este imposto representa 250 processos no valor de 118 milhões de euros. Somos muito relevantes para as empresas, embora também para os contribuintes individuais.

 

E quem ganhou mais processos de IRC, a Autoridade tributária ou os contribuintes?

Eu vou responder-lhe com detalhe, mas antes deixe-me deixar duas notas. A primeira: quando um contribuinte envolve o CAAD isso significa que, provavelmente, pensa ter mais hipótese de ganhar do que de perder, caso contrário deixava o tempo correr nos tribunais do Estado em vez de o acelerar via CAAD. Segunda nota: a qualidade e o mérito das nossas decisões não podem ser aferidos através da percentagem de vitórias ou de derrotas, tem de ser analisado olhando para cada um dos acórdãos. Olhar só para as percentagens, que estão aliás em linha com o que acontece nos tribunais do Estado, é um erro perigoso que leva a leituras demagógicas.

 

Compreendo… mas quem ganhou mais em 2022?

A decisão de mérito foi favorável aos contribuintes quer em número de processos (71,1%), quer em valor económico — 54,8% do bolo em disputa, o equivalente a 64,7 milhões de euros. Dito isto, se olharmos para os processos acima de um milhão de euros, os com maior impacto financeiro comutativo, verificamos que os processos com decisão favorável para a AT representam 49,3%, isto é, metade, o que traduz um reforço nas decisões favoráveis ao fisco por comparação com 2021, ano em que o valor destes processos totalizou 120,17 milhões de euros, com os ganhos pela AT a representarem 39,8% deste montante, isto é, menos 10 pontos percentuais. Note bem, trata-se de um salto relevante. A AT coloca as suas equipas a trabalhar afincadamente nas áreas de maior retorno, o que me parece legítimo, sem que isto traduza desinvestimento nos processos de pequenos montantes, como o ISV.

 

E no IRS?

Também no IRS, com 197 processos no valor de 31,3 milhões de euros, os nossos dados revelam que o desfecho foi favorável ao contribuinte quer em número (72,1%) quer em valor (65,2%). Repito, as pessoas recorrem ao CAAD porque provavelmente julgam ter bons argumentos para ganhar a disputa.

 

Estes números fortalecem ou enfraquecem a reputação do CAAD?

Infelizmente, por vezes faz-se uma leitura em sprint, em vez de se olhar para cada caso e depois para os números agregados. Dois exemplos: sabe que tivemos centenas de decisões de processos de ISV em que a decisão é forçosamente favorável ao contribuinte por imposição do TJUE e que nos processos acima de um milhão de euros, o fisco obteve 53,6% do número de decisões favoráveis e 49,3% em valor económico?

Repare: uma decisão não é boa ou má em função de quem ganha. As nossas regras operacionais asseguram a independência dos árbitros. Como lhe disse no início desta conversa, as normas que temos evitam ao máximo os conflitos de interesses, sendo este trabalho de fiscalização e melhoria permanentes. Procuramos ser muito rigorosos. Compreendemos bem a responsabilidade pública que nos é atribuída e confiada. Por outro lado, a maioria das críticas que nos são dirigidas, na verdade são dirigidas genericamente à arbitragem, embora o alvo não seja a arbitragem regulada, mas a ad-hoc, que tem os seus próprios procedimentos.

 

Na área administrativa estranho o CAAD não ter, por exemplo, os grandes processos das PPP. Já tiveram algum?

Zero. Nada.

 

Nenhum? Qual a explicação que encontra?

Esses processos não nos chegam. Os motivos deixo-os à sua consideração. A minha função não é certamente avaliar o trabalho dos outros ou o que não nos chega.

 

… Os outros… refere-se à arbitragem ad-hoc?

Posso apenas dizer-lhe que para o bem das várias arbitragens e da justiça seria talvez conveniente que o legislador definisse padrões de exigência regulamentar e operacional, o que passaria por impor normas sobre conflitos de interesse e transparência, sempre niveladas por cima.

 

E as normas do CAAD seriam um bom ponto de partida, é isso?

O CAAD está apenas disponível para discutir e reforçar tudo o que possa tornar o sistema mais justo, mais aberto e mais transparente.

 

Recebem muitas pressões?

Pressões? Olhe, temos um conselho deontológico que gere, trata e centraliza as nomeações dos árbitros. Este conselho é presidido por um antigo presidente do Supremo Tribunal Administrativo. Todas as pessoas sabem isso. Sabem também que os árbitros são sorteados e que o sorteio é público, bem como as nossas audiências. Logo, se houvesse qualquer tipo de pressão sobre o CAAD o sistema de, digamos, limpa-neves que temos alisaria o terreno. Usando uma linguagem usada para os vírus informáticos, temos uma firewall poderosa e que é constantemente fiscalizada e fortalecida. Sendo essa fiscalização interna, mas também externa, ou seja, via Tribunal de Contas e PGR. O debate aceso que temos tido ao longo do último ano tem tido o mérito de tornar estes assunto acessível a todos, a todas as pessoas.

 

Uma última pergunta: se um dia os tribunais administrativos e fiscais derem conta do recado, o que faz o CAAD, acaba?

Se acabasse porque já não há problemas, já viu que grande notícia seria para todos os portugueses? Penso que seja este a atitude certa. Claro, não me esqueço que temos equipas e pessoas diligentes com um invulgar capital de conhecimento nesta área, logo penso que a utilidade pública do CAAD acabaria por encontrar um caminho de continuidade nalguma área… Mas não conte com isso para já.

Ler Mais