“O nosso foco será trabalhar para que a experiência continue a ser surpreendente”: Ana Alcobia, fundadora do Time Out Market de Lisboa

Ana Alcobia, responsável desde a fundação pelo Time Out Market de Lisboa, a primeira localização e o espaço mais visitado do grupo, vai passar a liderar também os Time Out Market de todo o mercado ibérico, onde se incluem já Porto e Barcelona, que serão inaugurados durante este e o próximo ano. A função da gestora é orientadora de como deve funcionar um espaço como este, as regras base, a definição de objectivos e, através da experiência que já alcançou, traçar um rumo, nunca impor conhecimentos directos sobre a cidade.

Foi recentemente promovida a líder do Time Out Ibéria. Ao de Lisboa vão juntar-se Porto e Barcelona, ainda por abrir. O que significa esta promoção para si e que mudanças traz?
Um enorme orgulho. Este projecto foi pensado, começado e provado como um conceito de sucesso pela nossa equipa em Portugal. Agora que novas cidades vão abrir a uma distância tão próxima de Lisboa, é mais do que natural que fosse esta equipa, com todo o know how, que passasse a ser Iberia. Esse é um dado que me deixa muito orgulhosa também, é que, para além da direcção, de mim, a direcção comercial, a direcção financeira e de operações, todos passam a ter este cargo alargado à Península Ibérica.  

Como vai desdobrar-se por três mercados? Vai passar a repartir as semanas pelas três cidades?
O conceito do Time Out Market vive muito no dia-a-dia por uma equipa de gestão local e verdadeiramente conhecedora dos hábitos, vontades e tendências da cidade onde está. Os Time Out Market Porto e Barcelona não serão diferentes. O Time Out Market Porto terá um general manager e operações feitas por portuenses e o Time Out Market Barcelona terá também uma equipa de catalães que saberá melhor do que nós (juntamente com a equipa de media local) quais as necessidades e posicionamento do nosso espaço.
A minha função é muito orientadora de como deve funcionar um espaço como o nosso, as regras base, a definição de objectivos e através da experiência que já alcançámos traçar um rumo, nunca impor conhecimentos directos sobre
a cidade.
Viajarei bastante principalmente numa fase inicial e de desenvolvimento do projecto mas para que seja implementado seguindo a linha do que nos rege como marca. Uma vez aberto e a funcionar em pleno, será um controlo que exigirá menos presença.

A inauguração do Time Out Barcelona está prevista ainda para este ano. Confirma-se? O que nos pode adiantar sobre o espaço, vai ter exatamente o mesmo conceito do de Lisboa?
O projecto que irá abrir até ao final do ano será o Time Out Market Porto. Será um projecto lindo, cheio de talento – a começar pela localização. Num dos espaços com mais DNA deste país – a Estação de São Bento –, com um projecto incrível do Arquitecto Souto Moura que vai surpreender tudo e todos, passando pela diferenciação dos lojistas escolhidos, sem esquecer a equipa de gestão que, como referi, será local.
O Time Out Market Barcelona irá abrir a Julho de 2024, mesmo a tempo da America’s Cup que acontecerá na cidade e junto ao espaço onde iremos abrir – no Maremagnum, um grande centro comercial na cidade.  Mais uma vez, e tal como a localização no Porto, é intenção da Time Out devolver aos locais a qualidade em zonas de massificação turística. Criar espaços que mostrem o melhor de cada uma das cidades. 

A equipa de Barcelona será portuguesa?
A equipa portuguesa será sempre a base, a sede, do Time Out Market Barcelona. Lisboa leva nove anos de trabalho de avanço e, naturalmente, tem uma experiência que será importante. Mas em Barcelona, a trabalhar localmente na cidade, as pessoas, a equipa, será catalã, ou melhor, será localmente escolhida. 

O que terá de português o Time Out de Barcelona?
A ideia! |Risos…| É a grande mais-valia e o segredo do enorme sucesso que o conceito tem tido. Pegar em todos os conteúdos que sabemos de uma cidade e transformá-los numa experiência incrível ao nível gastronómico e cultural, e essa foi a grande ideia portuguesa levada para o resto do mundo. Contudo, aproveitamos sempre as oportunidades para levar muito bons fornecedores nacionais connosco. Os Time Out Market Estados Unidos e Dubai têm madeiras de Paços de Ferreira, azulejos e algo-
dões portugueses.

O Time Out do Porto abre para o ano, no primeiro semestre. Em que fase está?
O Time Out Porto está em fase de construção avançada e calculamos a sua abertura até ao final deste ano. Aliás, quem passar nesta altura pela zona poderá ver o estaleiro montado. É uma obra que há muito ansiamos e que agora vai acontecer, e os portuenses vão gostar muito, estou certa disso.

O que o vai diferenciar de Lisboa? Vai ter Chefs e restaurantes locais? Serão só locais? Já estão escolhidos? Como é feita a selecção?
Tudo vai ser diferente, à excepção do conceito. O Porto é uma cidade totalmente diferente de Lisboa, o espaço nem sequer é um mercado, como em Lisboa, mas sim uma estação de comboios. A cidade tem muita qualidade, design e talento para oferecer. Vamos ter 14 lojas que pretendem oferecer o que há de melhor, a escolha foi mesmo o maior desafio do projecto, apesar de já estarem todos escolhidos nesta altura. A selecção é uma lista trabalhada entre os conteúdos da media e a curadoria do Time Out Market. Muitas das escolhas são enormes surpresas que colocarão na baixa do Porto mais um espaço obrigatório, principalmente, para quem vive ou trabalham na cidade e perto dela. Os turistas virão com os portuenses. 

Lisboa abriu há nove anos, completados em maio. É um dos locais mais visitados da cidade. Quatro milhões de visitantes em 2019. São mais de 60 nacionalidades diferentes por semana. Mantêm-se estes números?
Sim, e a tendência seria sempre para o aumento, mas o espaço está neste momento a atingir a capacidade máxima. Por isso, o nosso foco será sempre trabalhar para que a experiência continue a ser surpreendente. 

Há negócios que estão no food hall desde o início. A novidade nunca se esgota, precisamente, porque são pessoas diferentes que entram no mercado todos os dias? Ou há mudanças que são e precisam de ser feitas de forma regular?
Há negócios que estão no nosso food hall desde o início, mas também têm sido feitas algumas mudanças no mix. Temos contratos anuais que obrigam os nossos lojistas a estarem também atentos às tendências e à necessidade de, apesar do volume, não existir qualquer hipótese de diminuição da qualidade. Os que estão desde o início é porque provaram que continuam a merecer os seus lugares.

O modelo de Lisboa, liderado por si, tem sido a inspiração para os outros espaços que têm sido inaugurados no mundo, nos EUA e no Dubai e os que estão previstos em Praga, Osaka e Abu Dhabi. É um modelo de gestão português que está a ser levado para o mundo, que está a ser internacionalizado?
O que foi internacionalizado foi a ideia do conceito base: o melhor de cada cidade debaixo do mesmo tecto – sempre com base numa curadoria jornalística neutra e independente, que caracteriza a marca Time Out Media. O modelo de gestão é diferente em várias cidades e alguns são “Owned and Operated” (e mesmo aqui com vários cenários) e outros em modelo de Management Agreement em que só a gestão nos pertence. Os Time Out Market Porto e Barcelona serão “Owned and Operated” e em tudo semelhantes ao modelo de negócio de Lisboa. 

O absentismo e a falta de pessoas para trabalhar são identificados como problemas que dificultam o dia a dia dos negócios em diversos sectores: na construção civil, no turismo, na restauração. Sente-os no Time Out Lisboa? Como se lida com este problema num espaço que está aberto todos os dias e recebe milhares de pessoas?
Claro que sentimos essa dificuldade, mas é positivo se pensarmos que isso trouxe melhores condições salariais aos funcionários da restauração e não só. Actualmente, é praticamente impossível contratar com base no ordenado mínimo e considero isso um avanço civilizacional nesta área. Serão assim também só mantidos os melhores e os que apresentarem melhor formação. Penso que em alguns anos será praticamente impossível a restauração ser a opção B de quem não conseguiu emprego na sua área. Será necessária uma especialização, principalmente no front office, muito diferente do que vimos até agora.
Os preços vão acompanhar esse aumento e os clientes não aceitarão que o serviço seja menos do que especializado.
Mas é nas tarefas de back of house que continuamos a ter um longo caminho a percorrer, onde o aumento do salário mínimo foi um início, mas onde o esquema de turnos, folgas e ajudas de custo terão de ser pensadas numa abordagem totalmente diferente do que foi feito até agora.
Durante a pandemia, no tempo em que o Time Out Market Lisboa esteve fechado, não cobrámos qualquer valor aos nossos lojistas. Além disso, mesmo nos contratos de outsourcing, pagámos os salários de quem não podia ser alocado a outros locais, bem como o subsídio de férias e Natal. Gosto de pensar que temos pessoas nas nossas equipas de limpeza há mais de sete anos. Mesmo assim, sei que ainda há um longo caminho a percorrer, principalmente com a dificuldade no aumento de preços da habitação e as dificuldades recorrentes ao nível dos transportes.
A solução passa sempre por melhores condições de acesso e do local de trabalho, confiança e mérito. Muitas vezes não é dada a importância devida a estas funções, que são essenciais neste tipo de operações. 

O Time Out Lisboa tem cerca de 50 espaços de comida e bebida. Cada espaço é uma marca, que faz a sua própria gestão. Como é conciliar 50 maneiras – necessariamente com diferenças – de gerir? Há consensos que são encontrados? Há reuniões regulares?
Temos 50 espaços e grande parte são dedicados a comida e bebida (até uma discoteca) mas temos também uma sala de espetáculos, um cowork e algumas lojas de retalho.
A única forma é mesmo explicar o conceito no início da proposta comercial e explicar que nada será diferente do conceito que foi pensado. Não há excepções, hesitações, pressões ou preferências. Todos os lojistas que integram um Time Out Market são especiais na sua área e, por isso, todos iguais. Não há lojas âncora e lojas menos boas. Todos pagam o mesmo e todos são tratados exactamente da mesma forma. Torna o processo comercial muito democrático e fácil. Reunimos duas vezes por ano e são reuniões de grande respeito mútuo. Trabalhar com os melhores traz também uma enorme confiança entre todos.
A nós cabe-nos dar-lhes sempre a visão do conjunto e do todo, isso faz com que até os lojistas mudem muitas vezes as suas perspectivas naturalmente individualizadas. O facto de trabalharmos com conceitos mais de nicho e diferenciadores traz muita noção da necessidade do trabalho conjunto.

Além da restauração, há uma sala de espectáculos e para conferências, uma academia com workshops de cozinha. Qual o impacto destes negócios?
O impacto é total: é uma parte da nossa ligação à cidade, às pessoas da cidade, já que os nossos eventos fazem parte e fortalecem a agenda de espectáculos de Lisboa.  Além disso, os workshops, todos leccionados em português na academia, permitem uma experiência sem igual em Lisboa, muito diferenciadora. O lado cultural da Time Out é que nos trouxe onde estamos hoje, não tenho dúvidas disso. Veja bem, o estúdio Time Out teve mais de 15 mil espectadores da peça “Todas as coisas maravilhosas”, um monólogo interpretado por Ivo Canelas, que esteve sempre esgotado. Do nosso movimento anual, 30% é local, o que nos remete para praticamente toda a cidade de Lisboa. Há um foco constante nas pessoas da cidade, só assim continuaremos a mostrar o melhor de nós. Dito isto, o impacto destes negócios para o nosso posicionamento e sucesso é vital. 

A caminho de dez anos de existência, vai haver novidades no Time Out Market de Lisboa?
Existem sempre novidades no Time Out Market Lisboa. Começámos por ser uma empresa de media que fazia revistas diferentes todas as semanas. Criar conteúdos diferentes num espaço como o nosso não é nada difícil comparado com isso. Estruturalmente, o espaço em que nos encontramos é um símbolo da cidade que respeitamos acima de tudo e ao qual não mudaríamos nada. Somos, de certa forma, o guarda diurno do bairro e auxiliamos o mercado tradicional o mais que podemos para que continue vibrante. Estamos em todos os programas de sustentabilidade e aplicamos regras muito duras para que a nossa política exigente seja sempre cumprida. São dez anos cheios de desafios e enormes conquistas. Adoramos as pessoas da região de Lisboa, que nos visitam várias vezes no mesmo mês e que têm orgulho no que mostramos ao mundo. A novidade é o “k” da nossa equação de negócio, mas para que o resultado continue a ser exactamente como foi até aqui: o melhor da cidade debaixo do mesmo tecto.   

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