“Há espaço para crescer nas receitas e dimensão dos eventos”, garante o CEO da Altice Arena

Na Altice Arena há um lema transversal a todos os que ali trabalham: o dia começa sempre com a sala vazia e, como em qualquer negócio, é preciso garantir clientes. Sejam eles espectáculos públicos, como os concertos ou outro tipo eventos, ou a chamada ‘meeting industry, que são os congressos, feiras e activações de marca. Em entrevista à Executive Digest, Jorge Vinha da Silva, CEO da Altice Arena, fala sobre os desafios e oportunidades deste espaço, um dos mais concorridos do mundo. 

A Altice Arena está entre as salas de espectáculo com mais visitas a nível mundial, tanto a nível de entretenimento como de realização de congressos e outros eventos internacionais. Quais as perspectivas para o segundo semestre do ano?
Quando o mundo abriu novamente todas as pessoas, empresas e associações internacionais precisaram rapidamente de retomar as suas dinâmicas e de interagir com os stakeholders, parceiros e clientes. Assim, em 2023, a actividade está com grande fulgor e isso também cruza muito com os números do turismo de lazer. Ao nível do entretenimento e de eventos de negócio, o pipeline de eventos está idêntico aos índices pré-pandemia. Para o ano, como trabalhamos com uma grande antecedência, todo o trabalho realizado no pós-pandemia vai produzir efeitos na captação de eventos para Portugal. Por isso, tendo em conta os dados que conhecemos, este ano vai ser muito bom e para o ano esperamos crescer. Isto do ponto de vista da actividade, pois como todos sabemos há desafios no pós-pandemia que não existiam anteriormente. 

Como por exemplo?
No ano passado fizemos um evento extraordinário, a conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que pela primeira vez se realizou fora do edifício da sede em Nova Iorque. Tivemos igualmente a maior Web Summit de sempre e ainda um congresso médico internacional que trouxe a Lisboa 13 mil pessoas. Este ano já realizámos vários congressos internacionais e vamos voltar a receber a Web Summit e outro evento dedicado às tecnologias móveis e sustentabilidade. O mercado das empresas nacionais procura ter o dinamismo que tinha no período pré-pandemia, mas noto que as decisões são agora mais “last minute”. 

E ao nível das receitas, qual a previsão até ao final deste ano?
Como este mix de entretenimento e de eventos, o principal objectivo é estabilizar. No ano passado fechámos o ano com um EBIDTA de oito milhões de euros e, em 2019, de seis milhões. Há um grande investimento na captação de eventos nacionais e internacionais para estabilizar os resutados operacionais da empresa neste nível, com uma facturação que em velocidade cruzeiro está na ordem dos 20 milhões de euros, com uma elevada taxa de transformação em termos de rentabilidade do capital investido. Em 2023, esperamos valores na ordem dos 18 a 20 milhões de euros. Como referi, o nosso objectivo nos últimos anos e para o futuro passa pela estabilização e crescimento sustentado, sendo certo que só temos 365 dias da agenda para gerir. Portanto, isto passa muito pela contínua optimização de realização, dos processos e dos tempos de montagem e desmontagem dos eventos. Há que tirar a máxima rentabilidade do negócio. 

O investimento vai aumentar?
Aproveitámos desde a pandemia até ao momento para continuamente investir e modernizar. Temos um plano de eficiência energética, que é um investimento acumulado ao longo de cinco anos na ordem dos três milhões de euros, fizemos a reformulação completa do sistema de gestão centralizada do edifício e vamos instalar na cobertura da sala Tejo painéis solares. A nível técnico temos investido nos últimos anos em tudo o que são as melhorias acústicas da sala e todas as intervenções que fazemos têm essa preocupação. É importante referir que a Altice Arena concluiu uma série de melhorias no seu espaço para torná-lo cada vez mais acessível a pessoas com deficiência. Em conjunto com a Acess Lab, a Altice Arena desenvolveu o projecto Acessibilidade, que pretende tornar a cultura acessível para todos. O projecto AAA – Access All Areas tem um posicionamento de inclusão para se aproximar de pessoas com deficiência e surdas marcando o panorama nacional e internacional pela promoção da inovação social e tecnológica. Gostaria de referir que foram feitos vários investimentos: ao nível do edifício, para facilitar ainda mais a entrada de pessoas com mobilidade condicionada; no bar, para oferecer um serviço de bar com melhor acesso a quem está em cadeira de rodas; perto dos palcos, uma plataforma ao nível da arena para que, em alguns eventos, as pessoas de mobilidade condicionada possam escolher para que local querem adquirir o seu bilhete. Além disso, também no site, que responde agora de uma forma mais optimizada a vários níveis de deficiência e conta com uma página – Acessibilidade – onde se pode encontrar todas as informações pertinentes para esta comunidade. Finalmente, ao nível de experiências em concertos, com testes pilotos de audiodescrição, para pessoas com deficiência visual, e coletes sensoriais para pessoas surdas. Por exemplo, a estreia da audiodescrição aconteceu a 13 de Novembro de 2022, com um concerto de André Rieu. Tratou-se de uma forma de narração utilizada para fornecer informações sobre elementos visuais chave. Ou seja, traduz imagens por palavras e é essencial para pessoas com deficiência visual, intelectual, dislexia e idosos. O audiodescritor está num espaço próprio a descrever em directo para o auricular que os deficientes visuais terão. A 28 de Janeiro deste ano, num concerto de Michael Bublé, estreamos uma tecnologia sensorial inclusiva, feita pela primeira vez em Portugal. Foram convidados surdos que estrearam coletes sensoriais que permitem sentir a vibração da música. Em simultâneo, as músicas foram interpretadas por duas intérpretes de Língua Gestual Portuguesa. Temos feito todas as melhorias para tornar a Altice Arena mais acessível para todos. 

Tendo em conta a enorme concorrência internacional, quais são as principais estratégias para captar eventos?
Há muitos anos que temos uma estratégia definida e é isso que implementamos. Além da presença em eventos internacionais, estamos presentes em grandes eventos, onde se reúnem todos os operadores. Temos contacto directo com potenciais clientes, marcamos reuniões e vamos ao país de origem. Somos parte da Associação Europeia de Arenas e do ponto de vista do evento de negócios somos membros da ICCA. Temos a trabalhar na Altice Arena de forma continuada 30 pessoas, mas depois temos uma base de pessoas que colabora regularmente nos eventos. 

Quais são os pontos fortes quando tenta vender o Altice Arena?
Se estivermos a falar do mercado internacional concorremos com todos os destinos. Há espaço para crescer nas receitas e dimensão dos eventos. Temos um plano para a Altice Arena, que está em fase de licenciamento na CML e queremos adicionar 20 mil metros quadrados muito direccionados para os eventos de negócios. Tudo isso faz parte da estratégia de crescimento. Estamos a celebrar 25 anos da Expo 98, 10 anos deste projecto pós privatização e estamos a pensar o que queremos fazer e alcançar durante a próxima década. Temos um plano de negócios a cinco anos e depois vamos actualizando porque vivemos num mundo que está constantemente em mudança. A actividade está de facto a retomar mas continuam a existir desafios enormes. No período pós pandemia (e não é um fenómeno exclusivo de Portugal) contactámos através das Associações com parceiros do mundo todo. Existiu uma grande deslocação de mão de obra de uns sectores que foram mais afectados na pandemia para outros sectores que não foram tão afectados. E a área do turismo e dos eventos foi uma das que sofreu esse fenómeno. Além disso,  há uma pressão muito forte do ponto de vista de recrutamento de recursos humanos e isso aliado a este ambiente de inflação, insegurança, aumento das matérias-primas, do custo da energia, gera pressão sobre as margens dos negócios porque não é possível repassar todo esse incremento de custos da noite para o  dia para todo o ecossistema. 

Como caracteriza o panorama do seu sector?
Eu sou um optimista por natureza e prefiro sempre olhar para o lado positivo das coisas. Sou um adepto incondicional do associativismo, porque entendo que é a melhor ferramenta que temos para o desenvolvimento de uma indústria. E quando o conseguimos projectar a nível internacional através destas associações, a indústria como um todo só pode ter benefícios. Mas isso também exige responsabilidade dos actores a nível nacional se juntarem e aproveitarem esses canais de excelência para potenciarem os seus negócios. Por exemplo, o Capítulo Ibérico da ICCA – a nível mundial está dividida em nove capítulos e cinco são na Europa. Portugal e Espanha têm a sorte, é assim que gosto de olhar, de ter um Capítulo só para os dois países. E isso também tem uma explicação, é que no tal ranking de cidades, temos três cidades no top 6. Lisboa ocupa a posíção numero dois. 

E não há uma rivalidade entre os dois países?
Não. Existe uma cooperação absoluta porque entendemos que assim mais forte será o Capítulo. Diria que a Web Summit e mais alguns exemplos são casos quase únicos, em que um evento define um destino ou cidade como a sua base. Mas nos eventos associativos existe uma lógica de rotação porque o público é muito recorrente. E, portanto, pode existir cooperação entre países – nós podemos colaborar com as cidades espanholas e vice-versa,  interagindo igualmente com os outros Capítulos a nível europeu. Mas obviamente que há sempre concorrência entre cidades para captar os eventos. Na ICCA temos uma iniciativa com bastante sucesso que é o business exchange, que é juntar pessoas de países diferentes e fazer esse intercâmbio. 

Como é que podemos inovar nesta indústria?
É sempre possível inovar e isso passa por criar melhores condições para acolher os nossos eventos. Do ponto de vista das grandes conferências e dos congressos internacionais investimos mais de meio milhão de euros em estruturas que criámos com a nossa equipa de engenharia e com um parceiro para construir auditório insonorizados, muitos simples de montar e com estruturas amovíveis. Hoje em dia temos a capacidade, como fizemos por exemplo na Cimeira dos Oceanos das Nações Unidas, em construir um auditório insonorizado na sala principal e, imediatamente atrás, fizemos um segundo auditório para mais de mil pessoas, com esse equipamento insonorizado e com as duas salas dentro da Altice Arena a funcionar em simultâneo. Temos essa versatilidade e em outros congressos internacionais já tivemos de construir seis ou sete auditórios mais pequenos para tratar das diferentes temáticas. Do ponto de vista do entretenimento, vamos lançar a nova app da Altice Arena para permitir uma maior interacção com o público, onde as pessoas podem guardar os seus bilhetes, comprar merchandising ou produtos nas concessões de bares e de comida. A inovação passa sempre por tentar aumentar as condições para recebermos as pessoas que nos visitam. 

Qual a sua filosofia de Gestão e o que se exige de um líder empresarial no actual contexto?
É uma temática que me interessa bastante. Eu oiço muitas vezes dizer que as empresas são as pessoas. Eu gosto dessa frase e acredito nela. Mas mais do que gostar é preciso colocar em prática. Eu acredito muito no estilo de liderança que passa pelo desenvolvimento do ponto de vista positivo das relações entre as pessoas. Ninguém faz nada sozinho, as coisas são fruto de uma vasta equipa. Quando estamos a olhar para trás e recordamos projectos como a Eurovisão, a Cimeira dos Oceanos das Nações Unidos, a Web Summit, grandes concertos e grandes congressos internacionais estamos a falar do trabalho de muitas centenas de pessoas. E esses projectos são planeados a muita distância durante muito tempo. Acredito que o sucesso das organizações passa pela gestão correcta dessas relações interpessoais e de criar ressonância positiva nas pessoas. É fundamental que as pessoas percebam o papel da sua função e o contributo para o todo. Esta indústria dos eventos é muito exigente e nós aqui também temos essa cultura de exigência e de querer fazer bem. 

Em relação ao entretenimento, quem gostaria de trazer a Altice Arena?
Tenho pena que os Rolling Stones ainda não tenham actuado cá, porque já tivemos centenas e centenas de grandes nomes. 

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