Como a sustentabilidade está a transformar o sector financeiro

O tema da sustentabilidade tornou-se incontornável no mundo financeiro actual, o que tem sido claramente atestado pelo aumento crescente de enquadramento e regulação sobre este assunto. «O sector financeiro tem um papel primordial na reorientação do capital dos investidores para investimentos mais sustentáveis e no apoio à transição para uma economia hipocarbónica, como forma de atingir as ambiciosas metas (sobretudo climáticas), impostas pelas autoridades europeias», explica Rina Guerra, Equity Portfolio Manager do Banco Carregosa.

Aliás, um número crescente de instituições financeiras tem integrado critérios de sustentabilidade na tomada de decisões de investimento. «O investimento sustentável caracteriza-se pela tomada de consciência dos investidores na incorporação de factores explícitos relacionados com o ambiente, com o meio social e com a governança nas suas decisões, assim como do seu papel na sociedade, como proprietários ou credores, sempre com vista ao retorno sobre o capital no longo prazo», acrescenta.

Para a responsável, a inteligência artificial, o cloud computing e o data analytics são ferramentas importantes e muito úteis, na promoção da sustentabilidade ao nível global da sociedade. «Por exemplo, com a ajuda de algoritmos baseados em machine learning e análise de dados reais, é possível que a inteligência artificial identifique padrões no uso de energia e que faça recomendações para optimizar o seu consumo. Isto leva a uma redução significativa nos custos com a energia, assim como nas emissões para o ambiente. Aplicando para o caso das cadeias de fornecimento, a análise de dados também permite às empresas identificarem ineficiências e pontos de melhoria nessas cadeias, como, por exemplo, optimizando rotas de distribuição, reduzindo desperdícios e promovendo práticas de sourcing sustentáveis.
O cloud computing tem permitido o trabalho remoto e, com isso, a redução das necessidades de deslocação, o que tem impactos positivos sobre o ambiente e sobre a vida social das pessoas.» Estes são apenas alguns exemplos de como estas tecnologias ajudam o mundo a ser mais sustentável.

A complexidade e a constante evolução da regulação tornam difícil a sua implementação por parte das instituições financeiras. A aplicação de critérios técnicos exige recursos especializados que estas instituições ainda não dispõem. «Por outro lado, a introdução dos riscos ESG no quadro prudencial da Banca exige a necessidade de recolha de informação sobre os seus clientes e sobre as empresas onde têm exposição, o que muitas vezes é muito difícil de obter, já que as próprias empresas podem não ter essa informação tratada e facilmente divulgável. Adicionalmente, os bancos não vão poder financiar apenas investimentos “verdes”, por isso será importante terem conhecimento do grau de alinhamento dos seus clientes, assim como os seus planos de transição, para os poder apoiar no financiamento dessa transição», sublinha Rina Guerra.

Sobre as oportunidades de negócio trazidas pela sustentabilidade, o maior conhecimento dos clientes, através da necessidade de obtenção de mais informação e uma interacção mais próxima, permite uma customização da estratégia comercial. «A oferta dos bancos e das seguradoras poderá adaptar-se às necessidades de transição dos seus clientes, apoiando projectos que visem a mitigação dos riscos ESG dos seus clientes. A aposta na criação de produtos financeiros que possam financiar projectos sustentáveis, como infra-estruturas para as energias renováveis, edifícios energeticamente eficientes ou agricultura sustentável, são alguns exemplos de oportunidades. A possibilidade dos bancos e seguradoras participarem no mercado de carbono, comprando e vendendo créditos de carbono: o investimento em projectos que reduzam as emissões de carbono e a venda dos créditos resultantes a empresas, que queiram neutralizar a sua pegada, é outro exemplo de negócio possível», afirma Rina Guerra, do Banco Carregosa. 

ESTRATÉGIAS
A sustentabilidade tornou-se uma grande prioridade para as empresas de todos os sectores, incluindo os serviços financeiros, afirma Sónia Vieira, FSS Industry Leader, da IBM Consulting Portugal.
«Nesse sentido, na minha opinião, nos próximos anos, as empresas de serviços financeiros serão seguramente impactadas pela sustentabilidade, tanto a nível operacional como estratégico.»

Para a responsável, a nível operacional, as empresas de serviços financeiros terão de mudar radicalmente a forma como operam, incorporando práticas sustentáveis nas suas operações, TI e processos de tomada de decisão, de modo a poderem satisfazer as expectativas crescentes dos clientes, reguladores e investidores. «A nível estratégico, dado o seu posicionamento único, os bancos e as seguradoras terão de inovar e transformar o seu portefólio com produtos e serviços mais sustentáveis, tais como o financiamento de projectos de energias renováveis ou o apoio a cadeias de abastecimento sustentáveis, de modo a promoverem práticas mais responsáveis na economia em geral, aproveitando ao mesmo tempo novas oportunidades de crescimento empresarial», explica Sónia Vieira. 

No entanto, para serem bem-sucedidas, as instituições financeiras terão de colaborar e estabelecer parcerias com outras instituições financeiras, fornecedores de tecnologia e serviços (como a IBM), governos e outros stakeholders para desenvolver e implementar standards de indústria, frameworks e soluções partilhadas (começando com a Plataforma de Relatórios ESG) para reduzir as necessidades de investimento e acelerar a adopção de práticas sustentáveis em todo o sector dos serviços financeiros.
«As instituições financeiras bem-sucedidas não só contribuirão para um sistema financeiro mais sustentável, como também irão criar valor para os seus stakeholders a longo prazo e irão melhorar a sua posição competitiva no mercado.»

Os dados, a Inteligência Artificial e a computação em cloud são os principais motores da sustentabilidade no sector dos serviços financeiros. «Estas tecnologias podem ajudar as instituições financeiras a compreender, avaliar e gerir melhor os riscos e oportunidades ESG, bem como a permitir o desenvolvimento de produtos e serviços financeiros sustentáveis inovadores», destaca Sónia Vieira.
A sustentabilidade nos serviços financeiros apresenta várias oportunidades de negócio para bancos, companhias de seguros e outras instituições financeiras. «Ao adoptarem práticas sustentáveis, estas organizações podem explorar novos fluxos de receitas, melhorar a sua reputação e satisfazer as expectativas crescentes dos stakeholders», sublinha Sónia Vieira. Nesse sentido, a responsável deixa alguns exemplos das principais oportunidades de negócio associadas à sustentabilidade nos serviços financeiros: existe uma procura crescente de produtos financeiros sustentáveis, tais como obrigações verdes, obrigações sociais e investimentos de impacto. As instituições financeiras podem tirar partido desta tendência, desenvolvendo e oferecendo produtos inovadores que apoiem iniciativas ambientais e sociais, ou que cumpram critérios de sustentabilidade específicos.

A integração de factores ambientais, sociais e de governança (ESG) nos processos de investimento e de gestão de risco pode ajudar as instituições financeiras a identificar novas oportunidades de investimento, a gerir os riscos de forma mais eficaz e a melhorar o desempenho a longo prazo. Também as instituições financeiras podem desenvolver programas de empréstimos especializados para apoiar projectos amigos do ambiente, como as energias renováveis, os edifícios verdes e a agricultura sustentável. Estes programas de empréstimos podem ajudar as instituições a aceder a novos mercados e contribuir para uma economia mais sustentável.
As companhias de seguros podem desenvolver produtos de seguros inovadores ligados a factores ESG, tais como a cobertura de projectos de energia renovável ou políticas que incentivem práticas sustentáveis. Estes produtos podem ajudar as seguradoras a diferenciar-se no mercado e a satisfazerem a crescente procura de soluções de seguros sustentáveis. As instituições financeiras podem oferecer serviços de consultoria ESG para ajudar os clientes a compreender e a gerirem os seus riscos e oportunidades de sustentabilidade. Isto pode incluir o apoio à elaboração de relatórios ESG, o cumprimento de regulamentos e o desenvolvimento de estratégias de sustentabilidade.

Tirar partido das tecnologias digitais, como a IA, Blockchain e computação em cloud, pode ajudar as instituições financeiras a melhorar seu desempenho de sustentabilidade e a desenvolver novos produtos e serviços. Por exemplo, a IA pode ser usada para analisar dados ESG e identificar tendências, enquanto a tecnologia Blockchain pode ajudar a rastrear e verificar as credenciais de sustentabilidade dos investimentos.
As instituições financeiras podem formar parcerias estratégicas com fornecedores de tecnologia, ONG, governos e outros stakeholders para desenvolver e implementar iniciativas financeiras sustentáveis. Estas colaborações podem levar ao desenvolvimento de normas da indústria, melhores práticas e soluções inovadoras (como as plataformas da indústria ESG) que impulsionam o crescimento sustentável no sector financeiro. 

Desafios
A sustentabilidade coloca vários desafios aos bancos e às companhias de seguros, que procuram integrar factores ambientais, sociais e de governança (ESG) nos seus modelos de negócio e processos de tomada de decisão. De acordo com Sónia Vieira, FSS Industry Leader da IBM Consulting Portugal, alguns dos principais desafios incluem:
Acesso a dados ESG de qualidade. A disponibilidade de dados ESG fiáveis, precisos e consistentes é um grande desafio para os bancos e companhias de seguros. Além disso, não existem normas universalmente aceites para a comunicação de dados ESG, o que conduz a incoerências e discrepâncias nos dados. Este facto torna difícil para as instituições financeiras avaliar e comparar o desempenho ESG de diferentes empresas e investimentos.
Integração de factores ESG. A incorporação de factores ESG nos processos de tomada de decisão existentes, tais como avaliações de risco de crédito, gestão de carteiras de investimento e subscrição, pode ser complexa. As instituições financeiras precisam de desenvolver novas metodologias e modelos para ter em conta os riscos e oportunidades ESG, o que pode exigir investimentos significativos em tecnologia, análise de dados e capital humano.

Conformidade regulamentar e relatórios. O panorama regulamentar em rápida evolução, com novos regulamentos relacionados com a sustentabilidade e requisitos de reporting, coloca desafios aos bancos e companhias de seguros. O cumprimento destes regulamentos, tais como a Taxonomia da UE e o SFDR, exige um esforço significativo em termos de recolha de dados, relatórios e divulgação, bem como ajustes nos processos e sistemas internos.
Talento e experiência. Há uma procura crescente de profissionais com conhecimentos especializados em sustentabilidade, análise ESG e finanças sustentáveis. Os bancos e as companhias de seguros precisam de investir na criação de competências internas e podem enfrentar desafios para atrair e reter profissionais qualificados nesta área.
Desenvolvimento de produtos financeiros sustentáveis. As instituições financeiras têm de inovar e desenvolver novos produtos e serviços financeiros sustentáveis, tais como obrigações verdes, investimentos de impacto e apólices de seguro ligadas a ESG. Para tal, é necessário investir em investigação e desenvolvimento, bem como colaborar com stakeholders, tais como fornecedores de tecnologia, governos e ONG.

Equilíbrio entre os objectivos de curto e longo prazo. Os bancos e as companhias de seguros são frequentemente pressionados a apresentar resultados financeiros a curto prazo e, ao mesmo tempo, a cumprir objectivos de sustentabilidade a longo prazo. Esta situação pode criar tensões e requer uma abordagem estratégica para equilibrar os interesses das várias partes envolvidas, incluindo accionistas, clientes, reguladores e funcionários.
Mudança das expectativas dos clientes. A crescente sensibilização dos clientes para as questões da sustentabilidade está a impulsionar a procura de produtos e serviços financeiros mais sustentáveis. As instituições financeiras precisam de se adaptar a estas expectativas em mudança e de se diferenciar no mercado, oferecendo soluções inovadoras e sustentáveis.

 

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