Como a censura na China está a ‘reescrever’ a história da Covid-19 a apagar investigação e esconder dados

Desde o início da pandemia da Covid-19, logo aquando dos primeiros casos detetados em Wuhan, na China, que as informações que chegavam do país eram poucas ou nenhumas, o que fez aumentar a desconfiança internacional. As origens reais da doença ainda estão por explicar e, apesar dos esforços internacionais, todas as investigações parecem esbarrar num obstáculo: a censura Chinesa a dados e informações sobre a pandemia.

Uma investigação do New York Times revela os ‘tentáculos’ de toda esta operação de censura, montada logo desde os primeiros momentos da pandemia, que também teve como alvo publicações científicas internacionais e bases de dados. Sob pressão do Governo da China, cientistas chineses retirara investigação publicada, mudaram dados e informações, e os editores e publishers ocidentais permitiram o sucesso destes esforços, concordando em publicar os trabalhos, ou retirá-los, por razões duvidosas.

Num dos casos, um estudo de 2020, no mesmo dia em que a doença passou a ser nomeada ‘Covid-19’, cientistas dos EUA e China juntaram dados que mostravam o quão rápido o vírus se estava a espalhar e quem já estava a morrer. O estudo foi citado em todo o mundo e pareceu um modelo de colaboração internacional nos temos de crise que apenas estavam a começar.

Mas não foi assim. Poucos dias depois, os investigadores retiraram o estudo, deixaram de o disponibilizar e substituíram-no online por uma mensagem a pedir para que a investigação não seja citada. Teve poucos ecos, até porque por essa altura o mundo já estava mais preocupado com a chegada dos efeitos da doença.

O estudo não foi removido por uma falha na investigação, mas sim por determinação das autoridades de saúde da China, lançando uma ‘nuvem’ de pós que até hoje encobre as reais datas dos primeiros casos de Covid.

“Foi muito difícil obter qualquer informação da China. Havia tantos subterfúgios, tantas mentiras e ocultações, tantas coisas escondidas”, lamenta Ira Longini, epidemiologistas e um dos autores do estudo.

A versão original do estudo ainda pode ser encontrada online, mas o mal estava feito, e desencadeou um clima de desconfiança e de ocultação de informações.

Os esforços de censura e desinformação da China continuam, nos obstáculos que têm sido colocados na descoberta às origens do vírus.

Ficou o facto recentemente a vista, quando um grupo de cientistas internacionais, com acesso a dados da China, descobriu que sequências genéticas recolhidas em Wuhan em janeiro de 2020 foram ‘escondidas’ durante três anos.

As sequências genéticas em causa mostravam que cães-guaxinim tinham depositado assinaturas genéticas no mesmo local onde material genético do vírus foi encontrado, o que é consistente com o cenário de o vírus ter passado para humanos a partir de animais ilegalmente vendidos.

“Há uma grande agenda política que está a impactar muito a ciência”, lamenta Edward Holmes, um dos cientistas que analisou as amostras em causa.

Logo depois do estudo ter sido divulgado, os dado e as sequências genéticas em causa desapareceram ‘misteriosamente’ da base de dados global.

Logo em fevereiro de 2020, investigadores confirmaram, depois da morte de Li Wenliang, o médico que avisou para a Covid-19 e acabou punido, que o vírus já estavam amplamente a disseminar-se entre a população, algo que o Governo sempre descartou como uma possibilidade.

Começou aí um esforço redobrado para travar a divulgação de informações potencialmente comprometedoras, e para limitar o conhecimento sobre a situação real do vírus.

O Ministério da Ciência e Tecnologia da China foi instruído para dizer aos cientistas para se preocuparem com o surto em si, não com a publicação de investigações sobre o mesmo e, pouco depois, começou a ser pedido que investigadores retirassem os seus trabalhos já submetidos.

Antes do final desse mês, o Governo já tinha criado uma ‘task force’ responsável por ‘verificar’ toda a investigação que estava a ser feita sobre o coronavírus e, no mês seguinte, foi instituído que todas as instituições de ensino tinham que verificar e submeter os temos para investigação a avaliação do Governo.

Isto foi já depois de sair uma investigação que determinava que o coronavírus parecia estar a sofrer mutações, com base em amostras recolhidas em pacientes de Wuhan em dezembro de 2019. O estudo acabou retirado, e depois novamente reintroduzido, com a data da recolha das amostras mudada para janeiro.

Mesmo com o alívio das medidas pandémicas, o ‘aperto’ da China à Ciência continua.

O laboratório de um cientista que estuda os mercados que vendem espécies exóticas foi recentemente encerrado pelas autoridades chinesas, enquanto investigam alegações de que o investigador poderia estar a estudar as origens da pandemia. Também, a 1 de abril, Pequim limitou o acesso ao portal académico Infraestrutura de Conhecimento Nacional da China, onde são carregados todos os documentos de investigação científica.

Igualmente, os cientistas do Governo chinês já anunciaram que é tempo de investigar “fora da China” para perceber as origens da Covid-19.

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