Randstad Insight: “Ser” e “deve ser”

Por José Miguel Leonardo | CEO Randstad Portugal

Liderança não é um estatuto é uma competência. não está directamente relacionada com um cargo, mas cada vez mais se exige em todas as funções.

O número de livros  que aborda a liderança tornam esta competência complexa de teorizar, mas é talvez das mais claras de sempre.

O escritor Derek Sivers dá um bom exemplo do conceito de liderança no seu TED “How to start a movement” ao mostrar um vídeo num evento de música em que uma pessoa se levantava e começava a dançar de forma frenética. Todas as pessoas à volta comentavam e não tiravam os olhos. Até que uma se levanta e junta-se a ele levando a que rapidamente, de uma forma quase viral, todas as pessoas começassem a dançar. A questão, aqui, era se o líder era o primeiro indivíduo que tinha tido a coragem de ser diferente ou o segundo que acompanhou essa diferença e teve o efeito viral? A resposta parece óbvia, é o segundo, porque o líder motiva, inspira e é um exemplo. Tem a coragem, o momento e a capacidade de ser contagioso com o “walk the talk”. Provavelmente o crédito do movimento viral ficará para quem começou a dançar, mas foi o primeiro seguidor que inspirou os restantes, que liderou o grupo.

Se num vídeo parece simples compreender onde está a liderança, nas organizações esse desafio é maior. Há o “ser” e o “deve ser” e a partir daí o que se vai fazer para potenciar. No “ser” encontramos os indivíduos que se levantam e são contagiosos. Não são necessariamente directores mas têm a capacidade de propagação das mensagens e de influência. Estes “advocates”, ou embaixadores, têm de estar alinhados com a administração, permitindo contaminações positivas e funcionando de forma activa em momentos críticos. Os “deve ser” são os que ocupam funções de topo, onde a liderança deve ser parte integrante das suas competências. Poderia, de forma simplista, dizer que este “deve ser” é assegurado com a meritocracia ou assessments em processos de recrutamento e selecção. Mas sabemos que a velocidade das empresas e a realidade do mercado não é assim. As decisões muitas das vezes têm urgência ou ramificações noutras justificações, muitas vezes de cariz comercial, que não permitem o foco exclusivo na liderança. O que isto quer dizer é que em todas as empresas temos cargos de direcção que não são ocupados por líderes. E com isto não quero dizer que sejam incompetentes, têm com toda a certeza outras valências mas não lideram…

Mas será a liderança assim tão importante? Sabemos que os investidores, os accionistas, e os stakeholders quando se reúnem no dia D o que querem saber é dos números, não vão perguntar sobre a motivação, a inspiração ou a transpiração. Foquemo-nos nos números… Sim, foquemo-nos nos números mas vamos cada vez mais fundi-los com as acções estratégicas e motivacionais, mas vamos fundi-los com este qualitativo, sem o esquecer ou retirar importância. Ignorar a liderança, a felicidade ou a motivação é ignorar a produtividade. É como pedir resultados a uma máquina sem qualquer algoritmo ou inteligência. Pessoas motivadas e ligadas ao propósito da empresa são mais criativas, produtivas e conseguem ultrapassar os seus limites e muitas vezes ir além da ambição proposta pelo líder. Reconhecer o fator humano das organizações é identificar o que está e o que devia estar, as emoções, a inteligência emocional e o que os guia para perceber de que forma podemos juntos atingir um fim. E este exercício deve ser transversal à organização, envolvendo o CEO, que muitas vezes apesar de ter sido preparado para a função, sente-se longe, sozinho e pressionado pelos números.

Dividido entre as pessoas que vê todos os dias e aquele dia em que os números vão ditar a sua performance, a sua mcontinuidade. Algum CEO sobrevive a dois trimestres de maus resultados? Provavelmente não, ou talvez sim, mas a pressão vai aumentar, à semelhança do que acontece com o treinador de futebol que não consegue chegar aos resultados. A confiança, a ligação ao elemento humano e a humildade para que ele seja treinado e guiado no deu desenvolvimento de competências vai ser fundamental para que o CEO consiga transformar os números. E só vai conseguir fazê-lo com as pessoas, com os seus talentos, nunca sozinha ou através de processos criados e implementados, mas muitas das vezes não cumpridos. E para isso o CEO tem de ser um líder, não pode deixar de o ser.

A liderança passou a ser uma palavra banal mas isso não a esvaziou ou muito menos lhe retirou a importância.

A liderança é fundamental e deve ser cada vez mais transversal, garantindo a redução do gap entre o “ser” e o “deve ser”…

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 146 de Maio de 2018.

 

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