Que fiscalidade queremos?

Por Maria Rosa Borges, Economista e Professora do ISEG

Os impostos diretos, IRS e IRC, representam uma fatia substancial dos impostos arrecadados pelo estado. As estatísticas da Pordata revelam que esta tipologia de impostos tem subido de forma sustentada ao longo do tempo. Apenas para dar algumas referências temporais, observe-se que de 1994 a 1999 as receitas fiscais provenientes dos impostos diretos quase duplicaram, passando de 5.936,7 milhões de euros para 10.021,5 milhões, refletindo a evolução favorável da economia nestes anos. De 2004 a 2009, estas receitas subiram cerca de 30%, passando de 11.307,9 milhões de euros para 14.763,1 milhões, fruto, entre outros aspetos, da ênfase dada ao aumento da eficiência fiscal. De 2012 para 2013, em resultado do brutal aumento de impostos no contexto da vigência da troika, a fiscalidade direta cresceu cerca de 27%, facto tão mais relevante, quanto se observou que o produto teve uma evolução negativa e que o emprego baixou de forma considerável. Desde aí, tem-se registado uma tendência paulatinamente crescente dos impostos diretos, tendo-se alcançado em 2020 um valor de aproximadamente 19 mil milhões de euros.

As receitas fiscais per capita acompanharam esta evolução, não se tendo manifestado um alargamento substancial da base tributária. Acresce a isto que, no caso do IRS, em 2016, apenas 50% da população pagava impostos. Esta realidade revela os baixos rendimentos dos portugueses, que excluem da tributação cerca de 40% das famílias, o que, juntamente com o facto de cerca de 60% dos agregados familiares auferirem rendimentos até 19.000 euros, evidencia uma fraca contribuição da maioria da população ativa para o valor dos impostos diretos. Daqui resulta, que para atingir os objetivos de captação de receitas constantes nos orçamentos, os impostos sobre as classes médias assumam uma dimensão desproporcionada. As classes médias constituem um importante motor do consumo interno e de dinamização da atividade económica das pequenas e médias empresas, pelo que, a forte carga fiscal que sobre elas se abate impacta negativamente na economia das famílias e, naturalmente, na sobrevivência do tecido empresarial português.

Precisamos de receitas fiscais para financiar as despesas dos orçamentos, disso não temos qualquer dúvida, mas os dados aqui apresentados, embora não reflitam todas as condicionantes, mostram um pouco das dificuldades do processo de geração dessas receitas.

Devemos ter consciência que um dos obstáculos ao desenvolvimento económico são os baixos salários, que limitam o arrecadamento de receitas fiscais, fazem pesar muito a carga fiscal sobre as classes médias, limitam o consumo e o bem-estar das famílias, incentivam a fuga fiscal, em particular nos pequenos negócios e não atraem os melhores jovens para o mercado de trabalho nacional.

Devemos refletir sobre estas questões e não olhar para a política fiscal de forma simplista, reduzindo-a um mero objetivo de maximização dos impostos e à aspiração de um controlo apertado das despesas, porque é necessário conter o crónico déficit orçamental. Pedem-se análises equilibradas que balanceiem os muitos e diversificados aspetos que se congregam numa política fiscal justa e equilibrada. A máquina fiscal tem-se tornado mais eficiente e isso, a par das circunstâncias económicas de cada momento, tem-se traduzido no aumento de impostos, mas o equilíbrio na carga fiscal e a forma como se remunera a força de trabalho carecem de uma análise adicional por parte dos decisores políticos.

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