Os diversos perfis dos Líderes Ambidestros

Opinião de Luis Rasquilha, CEO do Ecossistema Inova; Professor convidado da FIA, Fundação Dom Cabral, do HIAE (Hosp. Israelita Albert Einstein) e da ESALQ/USP; Colunista do MIT Sloan Management Review Brasil e da Executive Digest Portugal; Conselheiro da Mercur e da NTT Data Brasil.

O conceito não é novo – ambidestria – mas tem vindo a ser ao longo dos últimos 5 anos mais tratado e considerado no seio da gestão. Já inclusivamente tratei o conceito aqui (pode encontrar o artigo em https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/ambidestria-corporativa-a-jornada-de-transformacao/) sob diversas perspectivas e como ele é de extrema importância para a gestão do presente e do futuro. Também tratei aqui das diferentes visões da sua aplicação disponíveis em https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/as-diferentes-perspectivas-e-visoes-da-ambidestria-corporativa-parte-1/ e em https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/as-diferentes-perspectivas-e-visoes-da-ambidestria-corporativa-parte-2/ . Se não teve oportunidade de se familiarizar com o conceito e suas aplicações convido à leitura dos artigos acima mencionados.

Neste artigo gostaria então de avançar um pouco mais no tema com uma especial atenção para a liderança.

Dos maiores desafios que o empresário e o gestor enfrentam prendem-se com a capacidade de manter as empresas vivas, competitivas, rentáveis, perenes e longevas. Vários estudos têm nos dado informações preocupantes sobre a taxa de sobrevivência das empresas e dos empreendimentos referindo que muito não irão além de 5 anos. Existe inclusivamente um estudo de 2022 da McKinsey que alerta para que em 2030 empresas que durem mais do que 7 anos são consideradas empresas de sucesso. Este fenómeno da mortalidade empresarial está intrinsecamente ligado com as mudanças de contexto, volatilidade crescente, digitalização transformadora e barreiras culturais muito resistentes à mudança.

Neste cenário empresarial em constante evolução, organizações que desejam mais que sobrevivência, precisam se antecipar às mudanças do mercado. No centro desta adaptabilidade está o conceito da ambidestria corporativa, uma ideia que se tornou cada vez mais significativa à medida que negócios e indústrias mudam e se transformam a um ritmo sem precedentes.

O conceito original em inglês é Exploration e Exploitation que usa a mesma palavra com sentidos similares em português. Na sua essência, a ambidestria corporativa refere-se à capacidade de uma organização de procurar simultaneamente a exploração de novos modelos e oportunidades de negócio através da criatividade e da inovação e a maximização (em tradução livre) da realidade existente e atual através da melhoria contínua.

Num estudo realizado pela equipe de research da Inova com empresas brasileiras (o estudo com empresas portuguesas está em processo de realização atualmente) através de entrevistas etnográficas realizadas com C-Level foi identificado como maior desafio à transformação exatamente a forma como as lideranças encaram (ou não encaram) a mudança. E para preparar essas lideranças para esse contexto de presente/futuro é necessária a adoção de jornada de upskilling forte em várias vertentes, permitindo construir empresas dotadas de líderes, ditos, ambidestros.

O estudo (disponível para consulta e download gratuito em https://www.inovaconsulting.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Raio-X-Ambidestria-Coorportativa-Realidade-Brasileira.pdf) mostra claramente que existe uma familiaridade mediana com o termo e, de forma relativamente superficial, o entendimento de sua aplicação e resultados gerados.

Ou seja, o tema já está na agenda dos gestores, embora que superficialmente e com bastantes dúvidas ou dificuldades sobre a sua aplicação e visualização de retorno. E essa realidade fica clara através dos 5 perfis mapeados sobre o tema:

  • Os Aspirantes: São gestores que procuram a ambidestria, mas precisam de uma metodologia clara ou um framework que oriente a prática. Para eles, sem uma estrutura clara capaz de implementar e medir a ambidestria, muitas empresas se perdem no meio de metas imediatas, deixando de lado a visão de longo prazo e, consequentemente a longevidade da organização.
  • Os Céticos: São profissionais experientes que vêm os jargões corporativos como modas passageiras, muitas vezes repaginações de conceitos antigos. Com carreiras longevas, já presenciaram diversas tendências e entendem a necessidade de adaptação em ambientes corporativos, mas são mais resistentes a adoção de metodologias tidas como “novas”.
  • Os Entusiastas: Procuram a ambidestria corporativa como equilíbrio entre práticas tradicionais e métodos ágeis, visando objetivos imediatos e estratégias futuras. Reconhecem a agilidade das startups, mas valorizam a estrutura das grandes corporações. Métricas e frameworks são fundamentais pois ajudam a mensurar impactos e eficácia. Para eles, a ambidestria é uma dança entre o presente e o futuro, influenciada pela cultura organizacional.
  • Os Comprometidos: Já encontram as suas empresas em estágio intermediário a avançado na jornada ambidestra. Acreditam ser vital identificar e promover comportamentos ambidestros na organização. Entendem ser necessário traçar estratégias que contemplem: decisões proativas, intensificar pesquisas sobre tendências, equilibrar inovação com eficiência, e personalizar abordagens conforme as necessidades da empresa. Destacam, que tais práticas exigem métricas específicas e metas coletivas. Possuem uma abertura incessante ao novo e ao desconhecido.
  • Os Desconectados: São indivíduos alheios ou com entendimento raso sobre ambidestria corporativa, mas acreditam na sua futura integração nas organizações. Comparam o conceito a equilibrar vários pratos simultaneamente e sentem-se muitas vezes perdidos diante dele. Reconhecem que algumas empresas já operam de forma ágil e adaptável há tempos. Enfrentam frequentemente pressões de curto prazo, limitações de recursos e direcionamento estratégico. Diferenças entre matrizes e filiais de empresas globais trazem desafios adicionais à prática da ambidestria.

Uma questão chama a atenção e deve ser levada em conta, independente dos perfis acima traçados: o tempo de vida útil dos principais executivos nos cargos de liderança e gestão. Isso explica o viés do presente tão evidente em muitos executivos. O instinto de sobrevivência fala mais alto e por isso acabam por priorizar resultados imediatos. Ninguém quer comprometer o bónus de agora para uma visão de empresa daqui a 5 anos, 10 anos, que com certeza o executivo sabe que provavelmente não estará mais lá. Esta postura pode levar a decisões apressadas e visões distorcidas.

Nesse sentido quais os maiores desafios que o líder enfrenta:

  • Tendência das empresas na priorização e concentração no curto prazo em vez de pensar no futuro.
  • Dificuldade em identificar e gerir riscos e lidar com a resistência à mudança.
  • Apego à zona de conforto e às fórmulas bem-sucedidas do passado, mas que hoje estão desconectadas do chamado.

Quais deverão ser, ainda segundo o mesmo estudo, as habilidades para se ser um Líder Ambidestro, capaz de garantir o presente e preparar o futuro?

  • Comunicação Eficaz: Capacidade de transmitir informações de maneira clara, dialogar e articular ideias com stakeholders distintos, bem como colaborar com diferentes setores da empresa, promovendo um entendimento mútuo e ação coordenada.
  • Resolução de Problemas Complexos: Habilidade em identificar e estruturar soluções para dilemas complexos que emergem em variadas áreas de negócios. Em outras palavras lidar com situações nas quais as soluções já conhecidas atualmente não se aplicam.
  • Pensamento Estratégico: Desenvolver e executar estratégias voltadas para o longo prazo, antecipando tendências, visando explorar novas oportunidades e mitigar potenciais riscos.
  • Gestão de Riscos: Conduzir a empresa com estabilidade, mesmo em cenários de incerteza, e promover uma abordagem antifrágil frente à resistência às mudanças.
  • Envolvimento e Motivação: Inspirar, motivar e envolver colaboradores em prol dos objetivos organizacionais, os estimulando a pensar fora da caixa e buscar novas soluções. Deve, também, criar um ambiente de trabalho positivo e produtivo.
  • Curiosidade e Orientação para o Futuro: Manter a mente aberta, ter um olhar amplo, criativo e com um apetite para explorar tendências emergentes tecnológicas e proatividade em entender as necessidades futuras da humanidade.
  • Visão Combinada: Capacidade de manter uma visão simultânea de curto e longo prazo, equilibrando as demandas imediatas com planos futuros. Implica na habilidade de utilizar de maneira combinada visão periférica e sistêmica. Visão periférica para lidar com os cenários futuros, buscando enxergar além daquilo que está à sua frente. Visão sistêmica para identificar fatores que podem estar correlacionados aos problemas de curto prazo e que podem contribuir para uma possível solução.
  • Empreendedorismo Inerente: Exibir um espírito empreendedor que conduz à identificação de oportunidades de negócios e a uma tomada de decisão ágil e calculada.
  • Habilidades de Gestão: Conduzir equipes e gerir projetos com destreza, administrando tensões entre exploração de oportunidades e maximização da eficiência garantindo, assim, que os recursos sejam otimizados para que os objetivos sejam alcançados de forma eficaz.
  • Pensamento Criativo e Adaptabilidade: Abordar desafios com um olhar inovador, gerando ideias e soluções originais. Demonstração de uma capacidade única de alterar o curso da situação e adaptar-se às oscilações do mercado e do ambiente interno da empresa.
  • Influência e Empatia: Possuir um nível balanceado de soft skills, preservando a capacidade de se conectar com a equipe, influenciar positivamente e ensinar com paciência.
  • Conhecimento do Negócio e Desenvolvimento Multidisciplinar: Entendimento das necessidades específicas de diferentes áreas de sua empresa e dos desafios contemporâneos inerentes ao seu negócio. Investir em competências diversificadas que combinem habilidades técnicas e interpessoais (soft skills) mantendo o equilíbrio entre ambas, para uma atuação sólida e empática.
  • Habilidade Analítica e Tomada de Decisão: Utilizar dados e informações de forma prospectiva para tomar decisões informadas e conduzir a empresa através de um desempenho otimizado quer seja para o hoje, bem como para o amanhã.

Para terminar, indivíduos ambidestros geralmente apresentam maior flexibilidade cognitiva. Esta flexibilidade pode estar associada a uma distribuição mais equilibrada das funções cognitivas em ambos os hemisférios cerebrais (esquerdo mais pragmático e sistemático e direito mais criativo e inovador), permitindo a um indivíduo a capacidade de mudar sua forma de pensar, de se adaptar e de responder de maneira eficaz a novas situações, a novos estímulos ou a mudanças existentes no ambiente empresarial. Num mundo em constante mudança, ser capaz de se adaptar rapidamente e pensar em diferentes perspectivas é uma habilidade valiosa. Pessoas com uma maior flexibilidade cognitiva geralmente adaptam-se melhor a situações inesperadas, são mais inovadoras e lidam melhor com desafios complexos.

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