O meu ponto de vista no caos na saúde!

Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Não é normal registar uma mortalidade como a que estamos a assistir nesta época do ano. O estranho são os decisores quererem normalizar a morte com base em pontos de vista, apesar dos factos indesejados: este pico era previsível e há mais mortes do que nos anos anteriores. E a mortalidade inesperada está a atingir idades que são improváveis, como os cidadãos acima dos 45 anos (não se trata apenas das faixas etárias acima dos 65 ou 70 anos, como nos querem fazer crer). Não se trata apenas do frio, da baixa taxa de vacinação, das doenças respiratórias, ou de um tipo de gripe mais resistente e com mais sintomas. Pois isto é o previsível nesta corrida às urgências neste período. A gravidade resulta essencialmente da falta de planeamento e organização. Porque é que apenas agora estão a ser ativados planos de crise dos hospitais e dos cuidados de saúde primários? Foi necessário aparecerem nos mass media, imagens de doentes urgentes a esperar 18 horas para serem atendido, no chão de uma sala de espera hospitalar; ou morrerem mais 635 pessoas que o “normal”?  Só que ao ativarem planos de crise, estão a adiar cirurgias e consultas programadas, reforçando as equipas das urgências com profissionais de saúde retirados doutros serviços. Se os doentes já esperavam muitos meses por uma consulta no hospital ou uma cirurgia programada, agora vai ser ainda mais adiada. Provocando um adiamento no tratamento que se irá repercutir no futuro, negativamente na saúde das populações.
A organização podia ser uma justificação mas já há uma comissão executiva na saúde com o respetivo CEO com este objectivo? Portanto não sendo uma questão de organização, podia ser por falta de recursos. Mas não é. Os recursos financeiros e humanos postos à disposição do SNS são enormes, de 2015 a 2023 os orçamentos aumentaram 50% para 14 mM de euros. Só que neste período, as listas de espera para cirurgias aumentaram em cerca de 20%. A percentagem de consultas hospitalares realizadas dentro dos prazos máximos diminuiu 74%. Assim como o número de pessoas que aguarda pela primeira consulta hospitalar aumentou 12% nos últimos 4 anos. Finalmente a inexistência drástica de médicos de família para 1,7 milhões de cidadãos no SNS.
Muito mais dinheiro, um modelo organizativo novo, uma ideologia assente no SNS, mas com muitos piores indicadores e KPIs.
Entende-se porque temos 3.7 milhões de cidadãos com seguros de saúde privados e cerca de 1,3 M de funcionários públicos, forças de segurança e suas famílias, que utilizam subsistemas públicos (como a ADSE). São cerca de 47% dos portugueses (quase metade da população) que recorrem, pagando, ao setor privado. Há aqui uma escala gigantesca de ineficiência da gestão. A esquerda, com a sua ideologia de defesa do SNS, é o melhor promotor da saúde privada. Tem de existir um Sistema de Saúde complementar entre público, privado e social.
Em qualquer país racional, quando metade dos seus cidadãos opta por um modelo privado de assistência, levaria a uma reflexão séria sobre as bases do serviço público de saúde. Não podemos “normalizar” algo como esperar 18 horas numa urgência, 2 anos por uma consulta hospitalar ou morrer numa sala de espera dum hospital.
Falta organizar, integrar e dotar de meios de diagnóstico os cuidados primários, acabando com o modelo hospitalocêntico. Utilizar as autarquias como parceiro fundamental para complementar o modelo. Voltando a utilizar as PPPs onde sejam eficientes. Atrair os profissionais de saúde com modelos meriticraticos, que facilitem a investigação e permitam “work life balance”.
Fechar o atendimento das urgências à noite ou impedir o acesso com o filtro do SNS24  ou do INEM, tornando o acesso condicionado, cria um “bottle neck” propositado na procura de cuidados de saúde. Já não existe “oferta” com qualidade de cuidados de saúde, agora limita-se a “procura” com a redução de acesso às urgências e à não atribuição de médico de família a 1,7 milhões de cidadãos. Utilizando grandes termos para justificar esta decisão, termos que ninguém entende, “como dar resposta a doença aguda não emergente”.
As ULS julgam ser a resposta a esta crise. Mas este modelo já demonstrou, no passado, que tem pior desempenho que o modelo tradicional ou que as PPPs (que este governo quis acabar por questões ideológicas). A generalização das unidades de saúde familiar modelo B (USF-B), com pagamento por desempenho, é uma boa solução. Mas apenas têm o objectivo de poupança pois o desempenho é essencialmente medido por cortes de investimento na saúde por parte dos profissionais de saúde (cortes e tetos na prescrição de meios de diagnóstico, medicamentos ou referenciação hospitalar).
Não me posso conformar com a normalização do caos nem da incapacidade do SNS em responder a uma situação previsível como a pressão nas urgências hospitalares.
Só as soluções de curto e médio prazo podem ser eficazes, que passam pela reforma dos cuidados de saúde primários, integração das autarquias, fomentar a literacia e prevenção, atração de mais médicos para o SNS e utilização da capacidade do setor privado e social como modelo complementar.
“Sou definitivamente contra o definido, porque o definido é o bastante e o bastante não basta” como diria Fernando Pessoa!