Desastres programados

Por Pedro Amendoeira, Partner da Expense Reduction Analysts

 

Imaginem dois comboios a alta velocidade, em sentidos opostos da mesma linha. O embate é inevitável, nada o pode impedir. Um cenário de terror, certo? Não no Texas.

Em 1896, uma empresa de caminhos-de-ferro a precisar de receitas e com algumas locomotivas obsoletas teve a ideia de encenar um espetáculo grandioso: o embate programado de dois comboios. Num anfiteatro natural criaram uma cidade temporária, a que chamaram Crush. Escavaram poços, montaram tendas de circo, palcos e bancadas. Anunciaram amplamente o evento e esperaram ter 25 mil espetadores. Apareceram mais de 40 mil.

No dia do evento, a multidão estava tão ansiosa, que a colisão teve de ser adiada uma hora, para que a polícia conseguisse garantir que o perímetro de segurança definido fosse cumprido por todos. Esta distância tinha sido estipulada por uma equipa de peritos.

Com cerca de seis quilómetros de trilha entre elas, as equipas de cada locomotiva arrancaram as suas máquinas, saltando de imediato para fora delas. A meio, no ponto previsto para o impacto, o ruído crescia, à medida que o fumo se aproximava. Uma primeira explosão assinalou o momento do embate. Após um breve silêncio, aconteceu o que os peritos não esperavam: ambas as caldeiras explodiram em simultâneo, disparando mísseis de metal em todas as direções, muito para além do perímetro de segurança. A multidão dispersou em pânico, mas ainda assim alguns foram atingidos. Duas pessoas morreram, seis ficaram feridas com gravidade e um fotógrafo perdeu um olho.

Previamente não tinha parecido possível aos peritos que as caldeiras pudessem explodir. Este pressuposto não foi questionado.

Este acontecimento lembra-me outros, que parecem desenhados para correr mal e provocar danos. Em quase todas as organizações humanas, surgem por vezes ideias que parecem de imediato boas aos dirigentes, e a partir daí são um facto que não é mais discutido ou reequacionado. Assim se começam guerras, se decidem apoios estatais a empresas falidas ou se perdem eleições. As escutas do Watergate, que provocaram a queda de Nixon, foram decididas por um grupo reduzido de pessoas, alheio às evidências, não só dos riscos, como também da sua total inutilidade (Nixon teria quase seguramente ganho as eleições seguintes sem precisar de escutar os rivais). As empresas não são imunes a este fenómeno: más decisões são tomadas com frequência, porque as suas bases não foram amplamente discutidas.

Sendo certo que, por vezes, o segredo é mesmo a alma do negócio, e algumas estratégias disruptivas necessitam de secretismo, a verdade é que também podemos acautelar os danos com ações simples. Uma seria envolver alguém independente, com um olhar externo que confira alguma validade ao plano e seus pressupostos. Outra é fazer uma autópsia prévia ao projeto, que no fundo é perguntar “imaginando que estamos um ano à frente da ocorrência, e a discutir porque falhou o projeto, o que estaríamos a dizer?”. Consoante o que surja, pode-se revogar o plano, rever as suas bases ou mitigar as circunstâncias mais danosas.

No Texas, minutos após a explosão das caldeiras, a multidão voltou, desejosa de recolher lembranças do desastre. Para os organizadores o negócio acabou por correr bem, mesmo com as indemnizações pagas. Para quem perdeu a vida, o preço de pressupostos errados não poderia ter sido mais alto.

Ler Mais