Tudo menos “Teleférias”

Por Clara Raposo, Professora de Finanças e Presidente do ISEG

Esta é a última crónica antes de férias. O sorriso nos lábios quando escrevi esta última frase foi de um tamanho desmesurado. Mas, antes de repetir o sorriso ao desejar uma muito silly season aos leitores Executive Digest e Multinews, deixem-me desabafar. Não imaginam o dia que estou a ter hoje… ou, pior, se calhar até imaginam…

Comecei às 08:00 com uma longa sequência de reuniões zoom com diferentes grupos de responsáveis de uma business school francesa de que sou mentora. Começámos bem cedinho, para me colar ao ecrã do meu laptop e interagirmos non-stop neste modelo 2D. Faço-o do campo, é certo. Estou em teletrabalho nesta segunda metade de julho. Senti que me sugaram 80% da e-energia do dia, logo de manhã, através dum portátil.

Tive direito a uma curta pausa de almoço (cedo demais porque estavam noutro fuso horário e não sabiam) e lá abri uma daquelas saladas surpreendentemente agradáveis e já prontas vindas diretamente do supermercado. E retomei para mais uma dose idêntica até às 14:30. 30 minutos restavam antes da próxima tarefa do dia. 30 minutos para N e-mails a correr, cheios de gralhas, mas “straight to the point” para a minha equipa no ISEG. Parece que está sempre tudo mais ou menos por fazer, embora estejamos sempre a tele-despachar. Respirar fundo.

E chega a terceira dose de tele-reuniões do dia, desta vez no âmbito do júri de uns prémios nacionais que integro. Bom ambiente, grupo simpático, anfitriões inexcedíveis, presidente com tudo bem planeado e apresentações das entidades candidatas. Mais duas horas e meia colada ao meu portátil, este prolongamento das minhas mãos, dos meus dedos, das minhas impressões digitais, do meu olhar, do meu cérebro, talvez. Desta vez fui lá para fora, para sentir o ar renovado. Até porque já não tinha posição para continuar sentada no mesmo sítio. Uma pequena mudança de cenário ajuda sempre, ao fim de 495 dias de tele-trabalho intermitente.

Foram interessantes os “pitches”, como agora se diz. Estive com atenção, para tentar ser o mais justa possível na minha avaliação. Tenho os meus princípios, pois claro. Mas já eram quase 18:00 quando desliguei o zoom. E, entretanto, os mails já exigiam rever documentos, incluindo orçamentos, estatutos e afins. E a coluna da executive digest para escrever, o relatório oficial das reuniões da manhã, e tudo o resto… para além dos modelos das t-shirts novas e de todo o merchandise para o próximo ano letivo no ISEG… Pensei nisto tudo e olhei de novo para este mesmo laptop em quer estou a escrever agora, esta continuação de e-mim.

Baixei-lhe a tampa, levantei-me, fiz um chá, dei uns saltos descontrolados ao som de música enquanto me ri lá fora 10 minutos. Entrei em casa e sentei-me meia hora no sofá a ler “A mão esquerda de Deus”, romance de ficção histórica de um ex-aluno escritor (deixarei isto para outra crónica), que me conseguiu fazer sentir quase recomposta outra vez.

Antes das 19:00, cá estou de novo, estatutos e orçamento revistos, mails enviados. Os relatórios ficam para amanhã. Ao serão vai ser noitada de WhatsApp para merchandise e pela noite fora escreve-se o artigo prometido ao Ricardo Florêncio…

495 dias depois do primeiro confinamento do ISEG e da Universidade de Lisboa (um bocadinho antes do país inteiro), não posso dizer que não me tenha adaptado bem ao trabalho remoto, ao tele-trabalho e a este processo de acelerada digitalização. Tolero, aguento – às vezes até não desgosto. E acho que sou produtiva.

Mas só peço que não inventem as tele-férias… que não me fechem no verão, que me deixem esquecer tudo o que é digital por umas semanas. Venha o vento na cara que me obrigue a fechar os olhos, o sal no cabelo que depois desembaraço para me entreter na praia, o livro nas mãos à sombra de um toldo que não seja lá em casa.

Boas férias (com saúde – e juízo qb) e Até setembro!

 

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