A surdez da justiça!

Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Um parágrafo faz demitir um Primeiro Ministro e o seu governo. Mas a magistratura continua a dizer que a decisão de demissão é política. Não, não é! É o sistema de justiça a pressionar o sistema político, a funcionar mas a funcionar mal. Imagine-se o PM no parlamento a apresentar qualquer uma medida, mas sob suspeita? Que credibilidade teria? Era uma “festa” para a oposição… Bem sei que o PM “se colocou a jeito” por não conseguir controlar o “frenesim” dos casos e casinhos do governo da maioria absoluta…

A investigação e a acusação não podem ser avaliadas portanto podem não ser legítimas ou fundadas, mas ninguém pode as pode (ou quer) impedir!

Era possível esconder que havia referência ao PM nas provas recolhidas? Não, nem era aconselhável para a democracia e independência de poderes, escondê-lo. Mas fazê-lo -lo daquela forma enigmática, quase acusadora em forma de parágrafo é que não. Bastava referir que o “nome do PM surgiu nas escutas mas não existia prova de nada, que portanto se iria investigar garantindo-se a presunção da inocência”. Como se veio a verificar quando agora com a decisão do tribunal da relação, que de forma indireta, destrói a acusação e quase inocenta os ditos “arguidos desta investigação. Destrói de forma quase arrasadora a acusação feita. Da justiça, nem uma palavra ou resposta. Devem estar escondidos no “bunker da indiferença” sobre os comuns mortais como nós, que não temos capacidade de entender os caminhos difíceis da magistratura, imagino.

A justiça não está habituada, não quer ser avaliada nem é auto-crítica. Escuda-se na independência e pasme-se, “nos tempos da justiça”. Não são esses “tempos” que devem ser considerados, os procuradores não são super mulheres ou homens. São “os tempos da lei” que devem ser levados em conta. Que o digam o Dr Miguel Macedo e o Dr Azeredo Lopes. Acusados na justiça, na praça pública e absolvidos pelos tribunais. Algum magistrado veio redimir-se? Foi avaliado por esta vergonha? Provavelmente não! 

Felizmente a justiça é feita nos tribunais e não nalguns “justiceiros magistrados”. Defendem-se alguns magistrados do Ministério público que por vezes (ouvi isto na rádio observador à alguns dias), que “bastava morrer uma testemunha e o processo cairia”. Mas que diabo, no século XXI ainda temos uma justiça do século XIX? Não há sistemas de gravação digital, depoimentos, registos ou seja lá o que for? É preciso alguém morrer, às vezes 20 anos depois do facto originador, para se arquivar o caso?

Outros magistrados referem que as taxas de condenação são elevadas. E portanto o escrutínio da investigação é positivo. Não é o que diz o DN sobre crimes de corrupção. Em Outubro de 2021, noticiava que em 10 anos de corrupção (2010-2019) existiram 4806 investigações, mas apenas 609 condenados. Neste período – que atravessou mandatos de três procuradores-gerais da República, foram constituídos 1167 arguidos, dos quais foram condenados 609 (52%). Mas em números brutos, estamos a falar de um total de 60 condenados a prisão efetiva em dez anos, apenas 9,8% em relação ao total de condenados e 5,2% face a 1167 arguidos. As penas suspensas continuaram a ser, ainda assim, a principal escolha dos tribunais. O que significa que os tribunais, consideraram o dolo e a gravidade do crime (assim como do risco da sua repetição), da forma menos gravosa. E esta “surdez” social desta entidade reflete-se em toda a hierarquia do ministério público, que do “alto da sua torre de marfim”, entende que tudo pode, sem nada ter que explicar. Sem explicar a falta de celeridade. A incompetência na investigação. As fugas do segredo de justiça. A ineficiência nas condenações… São os “intocáveis”! Pois se fazem isto a um Primeiro Ministro imaginem o que pode acontecer a um cidadão comum?

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