“Passei momentos em que não sabia se sobrevivia”, os testemunhos de doentes covid

Sintomas de febre, cansaço e tosse que se transformaram em meses de internamento em cuidados intensivos e em mais meses de reabilitação pós-infeção por covid-19 traduzem-se em “autoridade moral”: “Projetam-se e cuidem uns dos outros”, pedem os doentes.

“Se eu durar mais 20 anos nunca mais me esqueço desta altura. As pessoas não imaginam o que é esta doença”, diz à agência Lusa Fernando Soares, 67 anos, reformado bancário e residente em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto.

Teve “a tal febre e tosse de que se fala muito”, mas também “alucinações e transtornos psicológicos” que o levaram a “imaginar coisas que nunca existiram”. Após um mês em cuidados intensivos e outro numa enfermaria no Hospital Santos Silva, em Gaia, recupera em regime de ambulatório no Centro de Reabilitação do Norte (CRN).

“Tenho toda a autoridade para pedir a toda a gente que tenha cuidado. Passei momentos em que não sabia se sobrevivia. Em termos físicos e psicológicos, esta doença é uma brutalidade. Eu perdi 18 quilos”, frisa após terminar as sessões de fisioterapia que lhe devolveram a capacidade para estar de pé e fazer “coisas aparentemente banais” como subir escadas sem sentir fadiga.

Esta capacidade ainda não é uma realidade para Rui Ribeiro (53 anos, residente no Porto) que está internado no CRN, mas antes passou por três hospitais, entre os quais o de São João, no Porto, onde esteve ligado “a uma daquelas máquinas que substitui a função dos pulmões e do coração pondo o sangue a correr fora do corpo”, a chamada ECMO, Oxigenação por Membrana Extracorporal.

“Estive quatro meses em coma. Aquela gente salvou-me a vida várias vezes. Agora sei que houve alturas em que nem me mexiam que era para não estragar”, descreve à Lusa.

Sentado numa cadeira de rodas porque ainda não sente as pernas dos joelhos para baixo, Rui multiplica elogios aos profissionais de saúde e faz apelos a quem nega a existência da pandemia: “Projetam-se e cuidem uns dos outros”.

“Uma enfermaria de cuidados intensivos é uma coisa muito agressiva e complicada. Os enfermeiros e os auxiliares trabalham tanto. As pessoas não têm ideia. E ganham tão pouco. É incrível. Eu dava um espirro — em sentido figurado — e tinha três pessoas à minha volta”, descreve.

Rui Ribeiro rejeita a palavra “revolta” para descrever o chamado “negacionismo” que se espelha em movimentos anti-máscara, entre outros, e admite que existe “muita gente desesperada” por causa das dificuldades económicas que medidas como as impostas pelo estado de emergência acarretam, mas também rejeita a ideia de que este “é apenas um viruzinho”.

“Toma-se uma pastilha e fica-se bom, não é? Eu não ando. Há quem diga que só apanha quem não for forte. Eu fui à tropa e apanhei”, refere na mesma sala onde António Rodrigues, de 53 anos, assistente operacional numa escola em Braga, pedala com a ânsia de recuperar tudo o que a covid-19 lhe roubou.

“Não sei onde apanhei [o vírus]. Sei que já não vou a casa desde 26 de março. Revolta-me saber que há quem desvalorize a covid. Usei fralda e tomei banho na cama até agosto. Tomar o primeiro banho de chuveiro [sentado e com ajuda] foi uma alegria”, conclui.