Os desafios da Barbie para conquistar os pais milenares

Antes do Dia de Acção de Graças do ano passado, a Barbie teve o seu momento mais moderno: no canal oficial do Instagram, surgiu numa série de fotografias ao lado de outra boneca, Aimee, com uma t-shirt com a frase “O amor vence”, o slogan do movimento pela igualdade no casamento.

Todas as mensagens publicadas tinham como cenário imagens “domésticas”.

A relação de Aimee e Barbie não estava explícita, mas rapidamente se tirava conclusões. Não tardou até que o feed do Instagram da Barbie se enchesse de críticas, com pessoas a acusarem a Mattel de promover a homossexualidade junto das jovens. As fotografias de “O amor vence” fazem parte de uma tendência mais generalizada da Barbie. Em Setembro, a conta de Instagram BarbieStyle incluiu uma imagem da boneca com uma t-shirt a dizer “As pessoas são pessoas”, feita por Christian Siriano, como protesto contra a lei de imigração. A Mattel lançou também a primeira Barbie com hijab, a partir da esgrimista norte-americana Ibtihaj Muhammad.

A BARBIE E OS PAIS MILENARES

Criar controvérsia é uma jogada arriscada para a Barbie, uma marca de 58 anos que tem sido frequente entre as prendas para raparigas desde há três gerações. Nos EUA, as suas posições liberais foram particularmente surpreendentes numa altura em que a administração Trump se tem esforçado para inverter os direitos da comunidade LGBT e para impedir que pessoas de países muçulmanos obtenham vistos.

Este esforço para transformar a Barbie num ícone progressivo parece ser uma decisão estratégica calculada da Mattel para conquistar os pais milenares. Embora a Barbie continue a ser uma força no mercado dos brinquedos, gerando vendas de 800 milhões de euros em 2016, os pais mais jovens têm demonstrado menos vontade em comprar a boneca para as filhas do que o que acontecia nas gerações anteriores. Desde 2009 que as vendas têm descido, e só entre 2012 e 2014 diminuíram 20%. Parte do declínio deve-se ao facto de as crianças cada vez mais brincarem com ecrãs de toque e brinquedos electrónicos e menos com bonecas. Mas alguns analistas também atribuíram ao facto de a Mattel não ser capaz de afastar o estigma de que a marca é uma má influência nas raparigas porque promove o sexismo.

«Os pais milenares são muito diferentes das gerações anteriores», afirma Christia Spears Brown, professora de Psicologia e escritora que estuda os estereótipos de género nas crianças. «Querem gastar o seu dinheiro segundo os seus valores e vemos a tendência de pais muito sensíveis aos estereótipos de género que se encontram nos brinquedos.»

Segundo o Pew Social Trends, os milenares são mais diversos etnicamente, mais progressivos e tolerantes do que as gerações mais velhas. Têm mais tendência para se identificarem como democratas liberais, o que talvez seja a razão por que a Mattel se sente confortável a fazer com que a Barbie tenha posições anti-Trump. Agora entre os 20 e os 36 anos, estão a começar famílias e querem apresentar às crianças os seus valores progressivos.

Sim, há mais do que provas de que a Barbie ensina as raparigas a serem magras, bonitas e atraentes. Pesquisas mostram que as raparigas entre os cinco e os oito anos, que estão expostas a imagens da Barbie, têm uma auto-estima corporal mais baixa e um maior desejo de serem magras do que as que não o são. E há algumas provas de que brincar com Barbies pode limitar a capacidade de uma rapariga de imaginar o que poderá ser em adulta. Outro estudo chegou à conclusão que as raparigas entre os quatro e os sete anos, que brincam com a Barbie, vêem menos opções profissionais para si próprias do que para os meninos.

A Mattel compreende que precisa de mudar a percepção da marca Barbie. No início de 2016, a empresa fez pressão para tornar a Barbie mais inclusiva ao criar uma gama maior de formatos corporais. Durante décadas, todas as Barbies tiveram o mesmo formato, constituído por grandes seios, cintura fina e pernas longas e magras. Muitos referiram que se essas características fossem traduzidas numa mulher real, esta teria meio fígado, pouquíssimo intestino e estaria sempre a cair por ter uma parte superior demasiado pesada. No ano passado, a Mattel lançou três novos formatos – curvilínea, pequena e alta – que saíram com sete tons de pele, 22 cores de olhos e 24 tipos de cabelo.

Mas isso não chegou. Apesar de a Mattel ter visto uma ligeira melhoria nas vendas, com um crescimento de 11% no primeiro trimestre de 2016, depois disso caíram todos os trimestres. Num inquérito da YouGov, apenas 35% dos consumidores tinham uma impressão positiva da marca antes de as bonecas mais inclusivas terem sido lançadas, e esse número subiu só para 41% após o lançamento dos novos produtos. É possível que a marca não tenha feito o suficiente pelas bonecas: as curvilíneas, por exemplo, não são proeminentes nos feeds de Instagram da Barbie. Na altura do lançamento, as bonecas no website da Barbie incluíam uma versão baseada na modelo Gigi Hadid e um conjunto de bonecas magras em vestidos vermelhos.

UMA HISTÓRIA DE CONTROVÉRSIA

Embora as Barbies curvilíneas, amigas da comunidade LGBT ou com hijabs pareçam ser uma reviravolta na imagem da marca, na realidade a Barbie tem gerado controvérsia ao longo dos seus 58 anos. Michelle Chidoni, VP de Comunicações da Mattel, refere que a marca sempre procurou formas de captar a imaginação de cada geração de raparigas e dos seus pais ao aproveitar tendências culturais importantes – e por vezes controversas. «À medida que a marca continua a desenvolver-se ao longo dos últimos 60 anos, uma das maneiras de manter a relevância é ser um reflexo do seu tempo», explica Michelle Chidoni.

A Mattel lançou a Barbie em 1959. Custava três dólares, o equivalente, hoje, a 20 euros, e era descrita como uma modelo de moda adolescente, uma carreira que dava uma boa desculpa para se vender aos pais diversas peças de roupa individuais que custavam entre sete e 35 euros. Desde o início, a boneca foi vista como escandalosa porque os consumidores nos anos 50 consideravam-na demasiado sexy para as raparigas brincarem com ela. A verdade é que Ruth Handler criou a Barbie a partir de uma boneca sexual alemã chamada Lili, cujo público-alvo era homens e não crianças.

Mas apesar deste revés, a Barbie prosperou. Numa altura em que a maioria das raparigas tinha apenas bonecas de papel, uma boneca tridimensional a um preço acessível revelou-se um conceito vencedor. A Mattel vendeu 351 mil Barbies no seu primeiro ano, um recorde de vendas no sector dos brinquedos, e esse sucesso perduraria nas décadas seguintes. Foram vendidas quase mil milhões de Barbies em todo o mundo, e houve uma altura em que 92% das raparigas norte-americanas tinham uma Barbie. O facto de as bonecas ainda serem populares ao fim de quase seis décadas é um feito, já que a maioria dos brinquedos tem um ciclo de vida de quatro anos, segundo Michelle Chidoni.

As primeiras reforçaram muitos dos estereótipos das mulheres no início dos anos 60: a boneca tinha as versões de noiva, hospedeira e convidada na passadeira vermelha. Mas pouco tempo depois, a Mattel começou a levar a Barbie ainda mais longe. A empresa criou uma Barbie astronauta em 1965, quatro anos antes de a missão à Lua da NASA e quase duas décadas antes de a primeira norte-americana chegar ao espaço. Em 1969, criou a Christie, uma boneca negra concebida para ser amiga da Barbie, logo após os confrontos raciais nos EUA no rescaldo do assassinato de Martin Luther King Jr. (as bonecas asiáticas e latinas só viriam a surgir nos anos 80), e lança uma candidata presidencial Barbie em quase todos os anos de eleição desde 1992, nem mais nem menos que 24 anos antes de Hillary Clinton concorrer à presidência.

Nesta altura, a Barbie já teve todas as carreiras possíveis, incluindo cirurgiã, atleta olímpica, apresentadora de telejornal, piloto da Força Aérea, rapper, mergulhadora, engenheira informática, empresária e veterinária. Mas a Mattel também errou o alvo algumas vezes, lançando umas que reforçavam ideias sexistas sobre a inteligência e a competência das mulheres. Uma Barbie baby-sitter, em 1966, incluía um livro para ler enquanto o bebé dormia; infelizmente, era um livro sobre dietas com uma instrução simples: “Não comas.” Em 1992, lançou uma “Barbie Adolescente” que dizia coisas como “A Matemática é difícil” e “Vamos planear o nosso casamento de sonho” quando se carregava num botão. E, em 2010, a empresa criou a Barbie informática, acompanhada de um livro no qual a boneca estraga constantemente o seu computador e pede a ajuda dos seus amigos Brian e Steven.

POUCO MODERNA

Embora a Mattel tenha tentado expandir o leque, a grande maioria das bonecas vendidas continua a ser as de oito euros, afirma Michelle Chidoni: «Esta boneca é a chave do sistema de brincadeiras, porque é precisa para criar histórias e estimular a imaginação. Mudar as suas roupas muda o seu papel e direcção.»

Christia Spears Brown acredita que as crianças – e os seus pais – ainda vêem as bonecas de moda como a face da marca porque estas são muito dominantes na imagem da Barbie e nas prateleiras dos brinquedos. Actualmente, quando temos bonecas como a Lottie e a GoldieBox a ensinar às raparigas a base da Engenharia, a obsessão da Barbie por roupa parece estar desalinhada com a cultura. «A Barbie, na realidade, não se actualizou de forma significativa», explica Christia Spears Brown. «A empresa lança algumas bonecas especiais de vez em quando, mas a marca em si não mudou.»

É provável que a Mattel não tenha estimulado as linhas da Barbie profissional ou da Barbie realista porque estas não vendem tão bem. Ainda que a não revele as vendas por linha, Christia Spears Brown afirma que as crianças provavelmente não respondem bem, ao início, a Barbies que não são semelhantes à figura magra e obcecada pela moda que conhecem. «As crianças gostam do que lhes é mais confortável», explica Christia Spears Brown, referindo: «Sentem-se confortáveis com a imagem que as empresas de brinquedos comercializaram.»

Por outras palavras, a Barbie está presa: a Mattel precisa de vender aos pais versões mais progressivas da boneca, mas podem ser precisos anos de marketing até que esta nova versão da Barbie se torne suficientemente familiar e empolgante para que as crianças a aceitem. «É preciso mais do que oferecer uma destas bonecas curvilíneas ou profissionais ao virar da esquina», assevera Christia Spears Brown. «É o problema da galinha e do ovo: se oferecerem bonecas destas, ao longo do tempo, assim que as crianças se habituam a elas começam a pedi-las. Depois as bonecas tornam-se rentáveis e a produção aumenta.»

A marca reflecte a mudança cultural a acontecer nos EUA. A Barbie foi inventada antes da revolução feminista, quando era aceitável dizer que o objectivo de uma jovem era arranjar um marido e mantê-lo feliz permanecendo atraente. A boneca foi feita para ser bonita e estilosa e, de certa forma, estes valores estão incutidos no ADN da marca. No grande esquema da história da Mattel, as barbies progressivas e profissionais são aberrações, e não a norma.

Tudo isto parece retrógrado em 2018. Numa altura em que escândalos de assédio sexual destroem produtores de filmes e políticos, e em que cinco milhões de mulheres em todo o mundo marcharam há um ano pela defesa dos direitos humanos, muitos pais não estão dispostos a tolerar uma boneca que tenha um resquício de sexismo. «Estamos no meio de uma guerra cultural entre os progressivos interessados na mudança social e os que sentem nostalgia por um tempo passado», diz Christia Spears Brown. «As empresas de brinquedos colocam-se numa dessas facções, e quando continuamos a criar uma Barbie princesa, então o lado está escolhido. Será interessante ver se a Barbie continuará por perto daqui a 10 anos.»

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