«O tempo irá dar-me razão», diz Alexandre Fonseca sobre a venda da Media Capital

Quando chegou ao 11.º andar do edifício da então PT, hoje Altice, em Picoas, Lisboa, Alexandre Fonseca começou logo a imprimir o seu modelo de gestão. Redecorou o gabinete a seu gosto, rodeou-se de equipas em quem confia, desenhou estratégia para conseguir o turnaround que se impunha e “foi à guerra”. Ou não tivesse Jack Welch como uma referência e não seguisse uma das suas máximas: “Buy or bury the competition”. Alexandre Fonseca não é gestor de formação, mas tem alma de quem sabe o que é estar no terreno e de quem traça linhas certas para vencer. Mais, tanto gosta de humanizar internamente e unir equipas, como de dar passos ousados para afirmar a empresa que hoje lidera, como foi a OPA que lançou à Media Capital. O negócio não chegou a acontecer e, hoje, apesar de garantir não ter pedras no sapato – mas reconhece que a decisão que mais lhe custou foi ter que ter dito “já chega” face ao adiar da Autoridade da Concorrência em relação ao negócio da Media Capital –, também não deixa de sublinhar uma e outra vez que o tempo ainda lhe vai dar razão e de tecer duras críticas ao Governo: «Custa-me que o nosso País, acabado de sair de uma profunda crise, se tenha pura e simplesmente dado ao luxo de descartar um negócio de 440 milhões de euros por incapacidade das entidades competentes se pronunciarem em tempo e de compreenderem que existia um projecto fundamental para a Economia e o sector do Media que iria ser desenvolvido a partir de Portugal,que tinha um business plan e que um caminho para colocar Portugal no mapa dos conteúdos internacionais.»

No entretanto, confessa estar a pôr investimento e inovação ao serviço do crescimento e já ter conseguido «liderar em todas as quotas de mercado, à excepção da Tv». Além, claro, de estar a caminhar para novos negócios como os serviços financeiros.

Quando esta equipa assumiu funções a 21 de Novembro de 2017 sabia que tinha que fazer um turnaround do ponto de vista do negócio. Tendo em conta os mais recentes resultados, pode-se dizer que já o conseguiu?

O turnaround era um dos objectivos que esta equipa de gestão tinha e nunca o esquecemos. A transformação em Portugal derivou também de uma alteração da própria estratégia do Grupo Altice em vários países, entre os quais Portugal. Passados 20 meses, podemos afirmar que o turnaround foi já conseguido, o que não significa que já está tudo feito. Significa, sim, que nos vectores que identificámos – resultados financeiros, quotas de mercado e estabilização dos recursos humanos – o panorama inverteu-se positivamente.

Os resultados relativos ao primeiro semestre do ano mostram que a receita cresceu mais de 1% face ao período homólogo do ano passado e o EBITDA cerca de 0,5%. É uma novidade numa década. Se juntarmos a isto o crescimento sustentado ao longo dos trimestres anteriores, isso mostra que não foi um acaso.

O que é que mais tem impactado estes resultados que refere?

O somatório dos cinco pilares da nossa estratégia: investimento, inovação, qualidade de serviço, proximidade e intervenção social. Mas diria que o investimento, com enfoque na fibra óptica, a inovação – com todo o dinamismo que voltamos a ter, aliás, parece-me evidente que voltamos a liderar o panorama das telecomunicações e, em particular, dos conteúdos e televisão em Portugal – e a proximidade. O facto de termos accionistas portugueses, uma equipa de gestão portuguesa e ADN nacional fez-nos perceber que temos que trabalhar para todos os portugueses sem excepção. É uma lacuna de algumas grandes empresas e, em particular do sector das telecomunicações, com excepção da Altice, a proximidade às pessoas.

Portugal é um país pequeno mas com realidades muito distintas. É um País que exporta engenheiros e cria unicórnios mas que tem meio milhão de analfabetos. E não é a partir do 11.º andar de Picoas que se compreende esta realidade. É preciso ir aos locais…

É por isso que faz questão de ir pessoalmente a várias zonas do País?

É por isso que vamos e sabemos que isso contribuiu também para os resultados apresentados. Há um retorno de irmos e apoiarmos.

O legado que herdou era negativo do ponto de vista de imagem da companhia. Mas era ou não positivo em termos de estruturas, como a rede…?

A maior rede que de facto tínhamos era cobre. Mas que hoje é uma rede quase obsoleta. Por isso não era um activo relevante. Se excluirmos essa, a maior rede à data, do País, era cabo e era de um dos nossos principais concorrentes (com 3600 milhões de casas). A nossa fibra óptica rondava 1,5 milhões de casas. De 2015 até agora fomos capazes de construir uma rede que chega a 4,8 milhões de lares, com investimento próprio, e que é hoje a maior do País. E não só investimos para construir uma rede de fibra como a construímos quase 100% made in Portugal, fruto da Altice Labs (ex-PT Inovação).

Somos aquilo a que costumo chamar de ex-incumbente. Porque, na realidade, em televisão – que é hoje o serviço âncora – nunca fomos incumbente. O serviço MEO tem 10 anos. A Tv por cabo em Portugal tem mais do dobro. E o nosso mérito foi que, quando esta equipa tomou posse, estávamos 7 p.p atrás do incumbente de Tv e hoje, pelos nossos cálculos, estamos a cerca de 1 p.p de diferença.

Isto é pôr investimento e inovação ao serviço do crescimento e já conseguimos liderar em todas as quotas de mercado, à excepção da Tv. Somos líderes nos pacotes convergentes, na rede móvel, na voz fixa e internet…

A diversificação de portefólio já é uma realidade. É expectável a entrada em novas áreas?

Já dissemos que temos planos concretos e também já anunciámos alguns deles. Quem me vai conhecendo sabe que o meu perfil não é de apresentar apenas e só as estratégias mas, sim, de fazer. Apresentámos recentemente o novo pacote MEO de filmes e séries, há um ano lançámos novas formas de ver televisão… Essa é uma área em que temos vindo a trabalhar mas também temos vindo a investir em outras áreas de serviço. Hoje, no segmento empresarial, mais de metade da nossa receita já não vem de telecomunicações. No consumo, queremos também ir por esse caminho. É por isso que estamos a trabalhar em outras áreas, como os serviços financeiros, os conteúdos e o entretenimento…

… mas também já disse que a Altice não estaria muito interessada em entrar nos serviços financeiros.

Disse que a ideia do Grupo em criar um banco Altice foi posta de lado. Não excluí, antes pelo contrário – e há trabalho feito – estabelecer parcerias para apresentar serviços financeiros aos nossos clientes.

Também quando falo em conteúdo não deixo de incluir aqui entretenimento. Temos duas das maiores salas de espectáculos do País – o Altice Arena e o Altice Forum Braga –, alguns dos maiores festivais de Verão também têm a nossa marca, são casos de negócios conexos às telecomunicações em que temos vindo a trabalhar. Assim como estamos a trabalhar em videovigilância e segurança a nível empresarial e queremos transpor esta experiência para o consumo. As utilities, energia, serão uma possibilidade…

Há vários caminhos em que estamos a trabalhar no sentido de nos tornarmos um operador de telecomunicações moderno e que a Altice seja esse operador, que oferece serviços e, não, infra-estruturas.

No fundo, estamos a falar de um universo de oferta alargado! Não teme vir a perder o foco?

Não, porque o meu foco não é infra-estruturas de telecomunicações e redes. Esse era o foco na década de 90. Estamos quase em 2020, os operadores querem-se modernos e a palavra de ordem chama-se serviço. Quero dar ao meu cliente uma experiência única, quero dar-lhe conveniência. Não quero que o meu cliente escolha MEO apenas por ser o operador mais económico ou inovador mas porque é o operador que lhe dá mais conveniência. Porque só assim é que criamos relações, duradouras. É isso que um operador tem que fazer para não se tornar uma commodity, num mercado altamente concorrencial.

Quando me perguntam por que é que vendemos as torres, por que é que podemos vender a fibra, respondo que este já não é o nosso core business. Hoje, vendo serviço e para isso não preciso de ter infra-estruturas. Por isso, a palavra de ordem é serviço.

Que lhe permite também recuperar clientes perdidos para outros operadores!

Permite continuar a recuperar. Porque, apesar da Anacom ter deixado de publicar resultados desde o final de 2018, o que temos como evidência face aos dados a que temos acesso é que estamos a crescer em quotas de mercados em todos os segmentos – no fixo, móvel, no empresarial e consumo.

Há outros players que dizem o mesmo!

Um dos meus concorrentes pode dizer que está a crescer. Mas eu cresço mais do que ele. Já outro não o pode dizer… Mas os meus concorrentes não são o que me preocupa. O que me preocupa é uma estratégia de crescimento da nossa base de clientes. Quero crescer mais que os outros, mas ainda que isso não aconteça, já há um paradigma diferente porque há dois anos perdíamos clientes e agora estamos a crescer. Aliás, os relatórios da Anacom de 2018 mostram que quase 2/3 da aquisição de novos clientes foram feitos pelo MEO.

Foi fundamental ter mantido a marca? Chegou-se mesmo a especular sobre a sua extinção…

Foi um tema mais do mercado do que interno. Sempre disse que a marca MEO é um activo, como o são outras que temos.

A mudança da antiga Portugal Telecom para Altice Portugal foi rápida e eficaz. Hoje, todos os colaboradores dizem “trabalho na Altice”. Mas não podíamos escamotear o facto de as nossas marcas comerciais serem extremamente fortes. MEO não é apenas a marca mais reconhecida em Portugal, em telecomunicações, mas uma marca com notoriedade internacional. É como o Sapo, que no próximo ano vai celebrar 25 anos. São activos que não têm preço.

A estratégia que apresentámos no dia 13 de Março de 2018 foi “Somos Altice Portugal, mantemos orgulhosamente as nossas marcas e vamos trabalhá-las”.

A comunicação teve um papel determinante neste trabalho de recuperação de clientes e quota de mercado?

Jack Welch, que é uma referência para mim, tinha uma máxima que dizia “Number 1, cash is king; number 2, communicate; number 3, buy or bury the competition”. Focando no ponto dois, temos que ser capazes de comunicar efectivamente para fora e dentro. Estamos a falar de mais de 20 mil pessoas no universo Altice Portugal, que são os nossos principais embaixadores. Os nossos colaboradores não podem ficar a saber pelo jornal qual é a estratégia da empresa. Esta é uma das formas de trabalhar a nossa comunicação interna para que sintam orgulho.

Claro que a comunicação externa foi fundamental e um dos erros crassos da gestão anterior – é a minha visão – foi não saber comunicar. A Altice tinha um track record difícil. Era muito importante comunicar as coisas positivas que fizemos e foi um erro de gestão que cometemos quando entrámos na PT. Não comunicámos efectivamente ao mercado. Nos últimos dois anos, um dos trabalhos notáveis foi precisamente termos conseguido aumentar os nossos níveis de comunicação, passar a mensagem, vincar as nossas opiniões, dar um murro na mesa quando é preciso e mostrar aos nossos colaboradores internos e ao mercado que esta é uma das maiores empresas do País e motor económico e social. Por isso temos uma palavra a dizer e têm que nos ouvir também, porque empregamos mais de 20 mil pessoas e somos responsáveis por mais de dois mil milhões de euros de facturação, em Portugal. Diria que a capacidade de comunicar é hoje dos factores diferenciadores de qualquer líder e de uma equipa de gestão.

Referiu a aposta nos conteúdos e entretenimento. O negócio da TVI é uma pedra no sapato?

Na minha vida sempre tentei não ter pedras no sapato…

O processo Media Capital é um momento negativo, por três motivos: primeiro porque não conseguimos atingir o objectivo que era legítimo e fazia parte da nossa estratégia. Enquanto gestor foi um momento negativo, mas que não me deixa marcas. Fomos capazes de continuar a crescer, mantemos as nossas ideias muito claras sobre o mercado de conteúdos e estou certo que o tempo nos vai dar razão.

Depois, foi um momento negativo enquanto português, porque me custa que o nosso País, acabado de sair de uma profunda crise, se tenha pura e simplesmente dado ao luxo de descartar um negócio de 440 milhões de euros por incapacidade das entidades competentes se pronunciarem em tempo e de compreenderem que existia um projecto fundamental para a Economia e o sector do Media que iria ser desenvolvido a partir de Portugal, que tinha um business plan e um caminho para colocar Portugal no mapa dos conteúdos internacionais. Por último, é um momento negativo porque vejo que um ano e uns meses mais tarde, e depois de por várias vezes já ter partilhado a minha preocupação com o estado dos Media em Portugal, que é de profunda descapitalização, há novos movimentos.

O negócio recentemente falado [com Paulo Fernandes, principal accionista da Cofina] não o tranquiliza?

Não tenho dados suficientes para poder falar sobre o negócio. Há rumores. A seu tempo, e se acharmos relevante, daremos a nossa opinião.

O que sei é que estou ainda mais preocupado. Porquê? Porque passou mais um ano e o que vemos é grupos de Media com resultados complexos do ponto de vista financeiro, níveis de endividamento elevadíssimos, falta de investimento… Vejo um sector profundamente descapitalizado.

Choca-me profundamente que algo tão estratégico para um País e uma democracia não tenha hoje um master plan. Olhamos para os EUA e todos os meses assistimos a operações de concentração e investimento.

Aliás, diz-se um defensor da concentração dos media e das telco. Isso significa que, a prazo, pode voltar às compras ou só lhe faria sentido um Grupo alargado como a Media Capital?

Temos um ADN de Fusões e Aquisições, pelo que compras é algo que fazemos recorrente-mente quando as condições são favoráveis.

Na área dos conteúdos temos uma visão e um projecto que faz parte da nossa estratégia. Estamos, por enquanto, a tomar medidas que são tácticas. Mas acho que é preciso um master plan para se perceber o que é que Portugal quer fazer no que diz respeito à comunicação social, no que toca ao conteúdo, aos over the top. Vêm aí os Facebook, Google e Amazon da vida e vão chegar a um País como Portugal onde o over the top é completamente desregulado – até porque a UE tem estado a olhar para o lado. Nessa altura, o que é que um grupo de media estritamente português pode fazer contra um gigante como o Google ou Facebook?

Por que é que sou um acérrimo defensor desta convergência? Porque tenho aquilo que faz falta aos Media, capital para investir, e os Media têm o que me faz falta, conteúdo.

Nós investimos dois mil milhões de euros nos últimos anos em Portugal. E é esse capital que é fundamental para os Media crescerem, para apostarem em novos formatos.

Tenho um projecto e nunca o escondi. Que é, a partir de Portugal, poder criar um conceito de produção de conteúdos em língua portuguesa e noutras. Como sou um optimista, digo que este é um projecto adiado.

Colocando então de lado a Media Capital, com que grupo gostava de fechar sinergias? Qual é que faria mais sentido para a Altice Portugal?

Estamos a assumir que tenho que fazer sinergias com um Grupo… Acredito que estamos perante um episódio de algo mais longo. Independentemente de os mais recentes movimentos chegarem a bom porto, não acredito que sem uma profunda reestruturação do sector do Media – que só uma entidade com capacidade financeira forte o pode fazer – passemos do “baralhar e dar de novo”. Acredito que o tempo me vai dar razão. Em todas as restantes geografias onde estamos já temos activos de media. Por que é que Portugal tem de ser diferente?

Acho que houve muito preconceito na análise que foi feita, houve muita incapacidade técnica. Acredito que o tempo vai-nos dar possibilidade de implementar este nosso projecto.

Se tivesse a pasta da Comunicação Social, que medida implementaria então para fomentar essa “revolução” que defende como sendo fundamental?

A pasta dos Media não deve estar dependente de qualquer Governo, porque deve manter a sua equidistância. O que acho que deve existir é, ao nível da Economia, um conjunto de medidas que estimulem a que negócios como este, que foi chumbado, aconteçam em Portugal. Porque são estes que fazem grandes investidores internacionais olhar para o País e dizerem que é onde vão apostar.

Na sequência da retirada da proposta por parte da Altice para a não aquisição da Media Capital, fui contactado por dois ou três dos maiores fundos mundiais que queriam perceber o que se estava a passar em Portugal, como é que o Governo poderia estar a interferir num negócio entre empresas privadas… E Portugal vive hoje muito do investimento estrangeiro e do privado, até porque o público tem estado curto!

Desde que assumiu funções que tem a liderança como objectivo. Mas que liderança é essa? Em serviços, como já referiu, por quotas…

A liderança tem dois temas distintos: no negócio, sendo líderes em todos os segmentos e sermos os mais inovadores, e na essência, ou seja, na capacidade de sermos nós a ditar as tendências e os caminhos. Ser líder é ser uma referência para o mercado, nomeadamente na nova liderança empresarial em Portugal. Somos provavelmente mais jovens na maioria dos membros da nossa Comissão Executiva do que a média das grandes empresas nacionais, tentamos ser mais irreverentes, somos diferentes, vamos ao terreno… Quero que a população em geral olhe para a liderança da Altice Portugal e perceba que é diferente, que somos gestores felizes porque gostamos do que fazemos e vemos resultados do nosso trabalho.

Nos últimos anos, a Altice Portugal já investiu mais de 500 milhões de euros em modernização, expansão e fortalecimento de infra-estruturas fixas e móveis de nova geração. Que investimento até final do ano? E para que áreas, em particular?

A fibra óptica continua a ser o grande componente de investimento.

A ambição da Altice é de, até 2020 ter 5,3 milhões de casas com cobertura de fibra óptica. A um ano de distância, acredita que o vai conseguir?

Estamos à frente do calendário, o que nem é normal para uma obra desta dimensão em Portugal.

Depois disso, vamos continuar a investir na rede móvel – falta-nos saber o que se espera do 5G para Portugal –, assim como na área de conteúdos que continua a ser relevante para nós.

Além disso, temos novos negócios que em breve iremos anunciar, e onde temos vindo a investir não só ao nível financeiro mas também do nosso Capital Intelectual para sermos líderes também aqui. A inovação é sempre parte integrante e chapéu de tudo isto, de tudo o que fazemos. Somos a empresa portuguesa que mais investe em inovação, com 86 milhões de euros investidos o ano passado, mais de 200 milhões nos últimos três anos, e continuaremos a fazê-lo.

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