“Nunca penso que o meu objetivo é ter todas as ideias” Miguel Teixeira, CEO da NTT Data Américas

Miguel Teixeira é licenciado em Engenharia Informática e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico, tendo completado a sua formação académica com pós-graduações em Inovação, Empreendedorismo e Gestão de Projectos da Universidade Católica Portuguesa. Acumula mais de 25 anos de experiência em gestão de empresas, equipas e projectos de transformação digital e no sector das tecnologias de informação. A primeira vez que assumiu a função de CEO foi em Portugal, com cerca de mil pessoas sob sua responsabilidade. Depois, no Chile, para onde foi em plena pandemia, encontrou uma equipa de 1800, e agora, como CEO da NTT Data Américas, o número aumentou para 18 mil pessoas, distribuídas entre Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Estados Unidos. O gestor tem como missão consolidar a posição de liderança da empresa na região, enquanto parceira de inovação de organizações dos sectores de Banca, Seguros, Indústria, Saúde, Sector Público, Utilities e Telecom.

O que diz MIGUEL…
A sua principal função para além das decisões estratégicas de investimento,  é a criação de uma cultura de companhia

Como surgiu o desafio de trabalhar para a NTT DATA Americas?
Estou na empresa há 16 anos, e um dos princípios mais fortes da empresa e do nosso modelo, é a aposta primordial no talento interno para novas oportunidades de evolução de carreira, versus recrutar do mercado. Isto quer dizer que, a cada oportunidade que surge olhamos primeiro para as pessoas da própria organização.  Entrei na companhia já com experiência como mais um para ajudar com o meu conhecimento, e, ao longo do tempo, fui sendo promovido, assumindo responsabilidades diferentes e de maior complexidade, até que me chegou o convite para assumir a responsabilidade como CEO da operação em Portugal, posição que ocupei durante seis anos. Assumir a posição nas Americas foi um processo. Antes de me tornar CEO Regional, fiquei responsável pela operação Chile. Com a operação em Portugal a correr bem, a oportunidade de assumir uma posição internacional, somada ao desejo da minha família de ter uma experiência fora de Portugal foi crucial para que aceitasse o desafio de conduzir a operação naquele país.
E foi uma experiência super enriquecedora e única: a operação do Chile tinha o dobro do tamanho da operação de Portugal – quase duas mil pessoas, e o escritório passava por desafios importantes não somente relacionados com resultados, mas especialmente de projecto de cultura de companhia. O principal desafio foi conduzir um projecto de transformação cultural no meio de uma pandemia, com todos a trabalhar remotamente durante 6 meses. No final de dois anos fizeram-se avanços significativos no Modelo de companhia, nos NPS de atracção e retenção de talento, na nossa oferta de valor e na saúde do nosso negócio. Assim que depois de dois anos, fui convidado para assumir a posição de CEO da Região Américas.

Aceitou de imediato? Por quê?
Como disse, foi um processo. Antes de aceitar ir para a América Latina, recusei algumas oportunidades, não porque tivesse algum tipo de receio de desafios, mas sim por achar que ainda havia trabalho a ser feito em Portugal, e porque tinha muito para evoluir no nosso país.  Na NTT DATA, também cremos que este tipo de oportunidades deve ser aceite por quem possa deixar um negócio estável, e/ou equipas capacitadas para que também tenham oportunidade de crescer e que possam ocupar a posição que estamos a deixar, mas com menor disrupção possivel no negócio. É preciso deixar um legado, para que que as pessoas e a companhia continuem a avançar e que o processo de desenvolvimento não se paralise com uma saída. 

Quais as suas principais funções?
Na prática é a condução do nosso negócio – NTT Data na região Américas, que é composta pelas operações da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru, bem como pela operação internacional dos Estados Unidos. São um total de 16 mil pessoas. A minha principal função para além das decisões estratégicas de investimento, e estratégia de oferta para a região, é a criação de uma cultura de companhia que possamos recrutar os melhores talentos, dar-lhes oportunidades e criar-lhes um clima de companhia saudável, mas exigente, que lhes permita aportar todo o seu valor e conhecimento aos nossos clientes. Tornar coerente uma companhia que se diz “people Based” e ser realmente diferencial é por si só um grande desafio. 

O que mais o fascina na indústria em que trabalha?
Por formação, sou engenheiro de computadores, assim que em parte é a tecnologia que me fascina, e as possibilidades que nos abre no impacto na sociedade onde vivemos, especialmente quando a associamos ao negócio de cada cliente, sector ou área de um país. É-nos de facto possível através da capacidade do nosso talento e do uso da tecnologia melhorar a vida das pessoas. Assim, o colocar a tecnologia ao serviço do indivíduo e da sociedade, seja aprimorando o atendimento de saúde, os serviços de transporte, justiça, alimentos, captação de valor para os nossos clientes, ajudá-los a ser mais eficientes,… os exemplos estão por todo o lado.
Por outro lado, o estar com pessoas, aprender com elas e deixar-lhes alguma coisa na sua evolução profissional e pessoal é um privilégio.Há quem diga que lidar com pessoas é uma tarefa complexa, eu encontro-a fascinante. Fascina-me ver um conjunto de profissionais a trabalhar em conjunto, e todos com um objectivo comum a trabalhar em equipa, vivendo momentos juntos, mesmo que eles sejam algumas vezes desafiantes. Essencialmente a celebrar juntos o processo e o sucesso. No fundo, vivenciar a melhor parte das características humanas – a partilha e a colaboração com um propósito comum.
São essas coisas que me fazem levantar todos os dias pela manhã. Como disse anteriormente, trata-se de deixar um legado. E para mim, legado significa deixar algo diferente que aporte real valor para os nossos clientes, mas também para a sociedade e, por outro lado, deixar um grupo de pessoas melhores do que eram antes, ou, no mínimo entregar-lhes as mesmas oportunidades que tive e continuo a ter.

Como é o seu dia-a-dia de trabalho?
A minha maior preocupação é a de manter coerente uma cultura de companhia que possa aproveitar o melhor das pessoas. Não há valor para clientes nem para accionistas sem este primeiro factor. O papel do líder, e os seus princípios de liderança na NTT DATA, são criar uma estratégia de colaboração, criar um ambiente para que as pessoas tomem decisões, e empurrá-las para terem curiosidade em aprenderem todos os dias, e com pessoas diferentes de si mesmas. Achamos que é isso que cria o melhor ambiente para inovar e criar valor. Nunca penso que o meu objectivo é ter as todas as ideias (que nem teria capacidade para o fazer), mas é antes que outros as possam ter, e aproveitar as melhores de cada um.
A minha rotina de trabalho começa normalmente entre 8 e as 9 da manhã, mas tanto o início como o final do dia podem variar um pouco de acordo com o fuso horário ou o país onde estou em determinada data.  Normalmente preparo a minha semana aos domingos ao fim do dia, com detalhe para a semana seguinte e algumas vezes com visibilidade para duas ou três semanas. Não passo dois dias sem fazer desporto todas as manhãs enquanto escuto um livro da minha área, ou um podcast de negócio ou tecnologia. Infelizmente, a minha função obriga-me a viajar duas semanas por mês pela região… e de novo, com a prioridade em estar com as equipas, e depois clientes e parceiros. 

Ao preparar a agenda, a minha principal preocupação é sobre onde estou a investir o meu tempo e priorizá-lo. Os clientes são muito importantes, mas se passar 100% do meu tempo com eles, as restantes lideres interpretarão que essa é minha prioridade… e não creio que esse seja o caminho para o Sucesso. A Ordem para mim é clara… ter as melhores pessoas, no melhor ambiente, focadas em valor, para depois o aportarem aos nossos clientes que finalmente nos devolvem todo este trabalho com mais possibilidades de negócio.
Outra parte que creio ser fundamental é a diferenciação e o nivel de exigência. A NTT Data é a 6ª maior companhia de IT a nivel Mundial, e uma das lideres da região. Estes resultados fazem-se com um ambiente saudável, compensador, mas também de elevada exigência… A minha agenda que é a imagem do que priorizo também tem que mostrar isso.
Outra parte fundamental do meu trabalho e que dedico bastantes horas, é garantir que a nossa oferta de valor é partilhada entre pessoas e países de forma eficaz; trabalhamos juntos para manter a coesão, resolver problemas e minimizar as incoerências, sempre orientados para o progresso constante e para oportunidades de crescimento para todos… Essa é a base para um negócio de valor, rentável e sustentável.

Quais as principais diferenças em nível de metodologia de trabalho que encontrou ao mudar-se para Américas?
Há diferenças na maneira de trabalhar, mas também há um conjunto de ideias pré-concebidas que não são verdadeiras. Por exemplo, há uma ideia preconcebida de que em algumas regiões do mundo as pessoas são menos preparadas e qualificadas do que em outras. E isso, sendo parte verdade, quando falamos da América Latina de forma generalizada, está longe de ser assim. Quando cheguei à Região o que vi só comprovou uma visão que já tinha dos meus anos de companhia multinacional: a América Latina tem muitas pessoas talentosas, tem universidades tão bem classificadas como as Europeias, profissionais altamente qualificados e é um celeiro de inovação para tecnologia de ponta. A grande diferença, do meu ponto de vista, é que os países da região têm muito mais desigualdade social, o que acaba por gerar comportamentos diferentes dos profissionais de outras regiões. Quando as necessidades mais básicas não estão resolvidas para uma pessoa ou para a sua familia, isso acaba por levar a situações, como por exemplo, uma maior rotatividade de pessoas nas empresas. A inexistência de protecção Social, faz as pessoas terem comportamentos de mais curto prazo, e serem mais transacionais, mas a preparação e o valor que têm não são assim tão diferentes de continente para continente.  

O que aprendi essencialmente é que pessoas são pessoas, independentemente de onde estejam. Algumas das coisas que mais nos orgulhamos nos últimos dois anos, num ambiente de alta procura de talento, foi termos conseguido reduzir a rotatividade em 50%… e termos dos melhores NPS de clima laboral da empresa a nivel Mundial.  Isso significa que se cuidarmos das pessoas, oferecermos oportunidades e as ouvirmos, o ambiente for de exigência e tivermos uma liderança que actua com coerência e de acordo com os princípios da companhia, as pessoas respondem positivamente e os resultados surgem como consequencia.
Outro tema importante é o respeito cultural. Ainda que os princípios possam ser semelhantes, a forma nem sempre é a mesma, e há que respeitar as diferentes culturas de cada país e dar a liberdade a cada país de ter os seus comportamentos e formas. Mesmo entre países das Américas é assim que deve ser. 

O que é que as Américas lhe têm ensinado sobre Gestão de Pessoas?
Se há uma coisa que aprendi nestes anos a trabalhar na região, é que, provavelmente por questões relacionadas com a cultura e construção de sociedade do passado, as pessoas aqui têm um pouco mais de dificuldade de falar abertamente o que pensam. Na Europa é mais comum as pessoas se atreverem a aportar sempre, inclusivé com opiniões divergentes. Aqui a cultura geral é um mais hierárquica e as pessoas têm um pouco mais de dificuldade, num primeiro momento, em dizer que não estão de acordo com algo. Isso significa que os líderes aqui precisam de se esforçar mais para ganhar a confiança das pessoas e manter um ambiente que deixe todos confortáveis para se expressaram. Quando isso não sucede, perdemos como companhia muito valor e eficiência. O ouvir, conhecer ideias e visões distintas, dar espaço ao contraditório e criar um ambiente de confiança são aqui mais desafiantes, mas quando conseguimos muito mais diferenciadores.

Estando a viver longe de Portugal, como é que “mata saudades” do nosso País?
Essa é a pergunta mais difícil de responder. Porque acho que nunca consigo não ter saudades. A minha família, os meus amigos, os meus hábitos ligados ao desporto, as minhas raízes estão em Portugal, assim que é impossível não sentir a sua falta. Felizmente, no dia-a-dia convivo em ambiente profissional com um grupo de pessoas, realmente boas pessoas, o que ajuda a atenuar essa distância.
Além disso, existem hoje as facilidades da tecnologia que, mesmo não sendo igual, me permitem manter a ligação com as pessoas que me são queridas e actualizar-me com o que se vai passando em Portugal.
Por outro lado, tento ir a Portugal em todas as oportunidades possíveis, aproveitando algumas viagens de trabalho na Europa. Fico parte das minhas férias em Portugal, tento ir todos os Natais, Páscoa, aniversários, etc.  É claro que não é a mesma coisa, mas fazer o que gosto, saber que posso, de certa maneira, contribuir mesmo que um pequena parte para um futuro melhor de muita gente, e a evolução de uma região, é muito gratificante e faz todo o esforço valer a pena. Por último, cada dia estou sempre mais próximo de voltar… e terei comigo uma grande experiência.  

 

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