NATO: Sobrevivência da Aliança discute-se em várias fronteiras, apontam analistas

A próxima cimeira da NATO em Vilnius vai centrar-se na guerra na Ucrânia, mas analistas defendem que a Aliança Atlântica tem desafios de sobrevivência que ultrapassam as fronteiras da Europa.

Quando os membros da NATO assinaram, em 1949, a declaração da Organização do Tratado do Atlântico Norte mostraram-se “determinados em unir esforços para a defesa coletiva e para a preservação da paz e segurança”.

O espírito da NATO mantém a sua essência, na véspera de uma das mais importantes cimeiras da história recente da organização, marcada para Vílnius, em 11 e 12 de julho, onde os 31 membros vão discutir os cenários geopolíticos colocados pela invasão russa da Ucrânia.

Contudo, os analistas avisam para os múltiplos riscos que a Aliança Atlântica enfrenta, quatro anos depois de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter decretado a “morte cerebral” da organização, perante a insatisfação provocada pela liderança do então chefe de Estado norte-americano, Donald Trump.

Para alguns especialistas em Relações Internacionais, a decisão do Presidente russo, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia foi a receita certa para ressuscitar a NATO dessa “morte cerebral”.

“Após os duros anos da administração Trump, em que a NATO parecia fadada à irrelevância, e a tentativa de renascimento com a gestão da pandemia de covid-19, é definitivamente a invasão de 24 de fevereiro de 2022 que relança a NATO em definitivo como ‘player’ geopolítico e geoestratégico”, disse à Lusa Ana Isabel Xavier, professora universitária e investigadora de Relações Internacionais.

Para esta analista, os aliados juntaram-se numa resposta concertada à agressão da Federação Russa, fazendo do Kremlin de Putin o ingrediente unificador que substituiu o Kremlin da União Soviética dos tempos da Guerra Fria.

“É essa união que explica também as duas prorrogações do mandato do secretário-geral, Jens Stoltenberg. O pedido de adesão da Finlândia e da Suécia e a perspetiva de alargamento a leste comprova também que a NATO está ‘alive and kicking’ [“viva e de boa saúde”, em tradução livre]”, explicou Xavier.

Contudo, para outros analistas, a NATO não se pode apenas centrar nas preocupações na frente Leste da Europa, em particular porque a liderança dos EUA empurra a Aliança Atlântica para outras águas e geografias.

James Goldgeier, analista do Conselho de Relações Internacionais, defende que o futuro da NATO passa por múltiplas fronteiras e enfrenta novos desafios, bem diferentes daqueles que formataram a fase inicial da história da organização, nos tempos da Guerra Fria, quando a União Soviética era o principal inimigo.

Para este professor visitante da Universidade de Stanford, para que a NATO se mantenha relevante, precisa de expandir a sua visão de defesa coletiva, um desafio a que tem dado uma resposta efetiva, nomeadamente com a diversificação dos seus palcos de intervenção.

“Cada vez mais, a NATO está treinando outras forças – iraquianas, afegãs, na União Africana – para garantir a sua própria segurança. A Aliança tem parcerias individuais com mais de 40 nações (incluindo mais de 20 membros da Parceria para a Paz)”, lembra Goldgeier, num ensaio sobre o futuro da organização.

Se é verdade que a NATO passou por tempos menos fáceis na última década, os sinais de vitalidade foram visíveis em vários momentos deste século, por exemplo quando os seus membros forneceram mais de 50.000 soldados para o Afeganistão, em dezembro de 2009, após um discurso do então Presidente norte-americano, Barack Obama, sobre a estratégia geopolítica para a região.

Goldgeier lembra ainda que as dissensões entre Washington e os seus aliados europeus – mais acentuadas durante o mandato de Trump e as lideranças francesas e alemãs na segunda metade da segunda década do século – estão a dissipar-se e foram praticamente eliminadas perante a invasão russa da Ucrânia.

“Embora Washington gostasse de ver os europeus a fazer mais, militarmente, as missões da NATO em todo o mundo – incluindo no Afeganistão, no Kosovo, no Mediterrâneo – envolvem mais de 70.000 militares”, disse Goldgeier, para ilustrar a união entre os 31 membros.

Ainda assim, este analista argumenta que, para manter o interesse dos EUA na NATO, os aliados europeus devem mostrar que compreendem bem a complexidade dos desafios de segurança globais, ajudando Washington no seu esforço de conter as ambições chinesas, em termos económicos e em termos militares.

Essa poderá ser a estratégia essencial para manter a unidade: o ingrediente fundamental da NATO ao longo da sua história, que a cimeira de Vílnius vai procurar assegurar.

“Neste momento, os 31 aliados partem para Vílnius com uma unidade ímpar, com o reforço de meios e capacidades e o compromisso renovado no investimento em defesa”, explicou Ana Isabel Xavier.

Contudo, e para além das preocupações noutras geografias, esta analista defende que o grande desafio, sobretudo para os países do sul, é “em que medida a invasão da Ucrânia conseguirá equilibrar os imperativos atuais a leste, com os desafios estruturais do ocidente e sul, não esquecendo que o espaço euro atlântico clássico é o que vai continuar a justificar a razão de ser da NATO”.

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