Drogadas e mantidas em cativeiro: Investigação revela exploração sexual e escravidão na plataforma de conteúdo para adultos OnlyFans

Uma investigação da agência Reuters revelou que a plataforma OnlyFans, conhecida pela venda de conteúdos explícitos, tem sido usada para exploração sexual e tráfico humano. Sobreviventes denunciam que foram coagidas, drogadas e mantidas em cativeiro para produzir conteúdos lucrativos para a plataforma. Os relatos foram corroborados por processos judiciais, queixas policiais e entrevistas com promotores, especialistas em tráfico humano e vítimas.

Um dos casos mais impressionantes relatados é o de uma jovem de 23 anos que, em agosto de 2022, conseguiu escapar de uma casa no estado norte-americano do Wisconsin. Durante quase dois anos, a jovem foi mantida em cativeiro pelo namorado, identificado como Austin Koeckeritz, que a obrigava a gravar vários atos sexuais, com os vídeos a serem depois vendidos em plataformas de conteúdo pornográfico, incluindo o OnlyFans.

A vítima acabou resgatada após conseguir alertar secretamente amigos e familiares e descreve agora o horror que viveu. “Os dois anos lá pareceram décadas, e eu estava a sofrer, sozinha e pronta para morrer”, declarou em entrevista à Reuters. Num bilhete escondido no jardim da frente da casa, para a polícia, escreveu: “Estou basicamente presa neste quarto para continuar a ganhar dinheiro” para o agressor.

O caso culminou numa sentença de 20 anos de prisão para Koeckeritz, que se declarou culpado de tráfico sexual.

A investigação da Reuters revelou outros episódios de tráfico sexual envolvendo a plataforma. Em Ohio, um casal liderava uma operação que abrangia seis estados norte-americanos. O marido usava o OnlyFans para organizar encontros sexuais e vender pornografia que obrigava as mulheres a produzir. Ele aguarda julgamento, enquanto a esposa já admitiu culpa em acusações relacionadas ao caso.

Os métodos dos traficantes incluem violência física, intimidação psicológica e falsas promessas de amor. Registos judiciais indicam que algumas mulheres eram mantidas em cativeiro por meses ou até anos, frequentemente sob vigilância constante. Num caso, o agressor tatuou o seu nome e rosto numa vítima, reforçando o controlo psicológico.

Em outro incidente, uma mulher na Florida foi forçada pelo noivo a produzir conteúdos explícitos num parque de trailers. Ela conseguiu escapar apenas quando o agressor foi preso devido a um mandado não relacionado. Posteriormente, a vítima retratou as alegações por temer perder a custódia do filho, mas afirmou: “O dano é eterno”.

Acusações já não são novidade
O OnlyFans, plataforma amplamente popular pela sua política de remuneração direta aos criadores de conteúdos, tem sido acusada de permitir práticas de exploração. Segundo o seu regulamento, a empresa proíbe explicitamente tráfico humano e prostituição. Contudo, até novembro de 2022, os criadores de conteúdos não eram obrigados a apresentar provas de consentimento antes da publicação de materiais explícitos.

A presidente-executiva do OnlyFans, Keily Blair, afirmou num painel de discussão em março que a empresa prioriza a segurança dos criadores de conteúdos. “A plataforma liderou um foco na segurança para as pessoas no espaço de conteúdos adultos”, disse Blair. Desde então, a empresa passou a exigir comprovativos de consentimento antes da publicação de novos conteúdos.

Apesar dessas medidas, a Reuters identificou 11 casos em que mulheres relataram ter sido forçadas a produzir conteúdos explícitos para o OnlyFans. Especialistas alertam que a verdadeira escala do problema é difícil de determinar devido ao acesso restrito a conteúdos por meio de paywalls e ao silêncio de muitas vítimas.

Desafios legais e impacto psicológico
A exploração sexual digital apresenta desafios significativos para a aplicação da lei. Muitas vítimas, temendo represálias ou julgamentos públicos, evitam denunciar os abusos ou testemunhar em tribunal. Catheline Torres, da National Human Trafficking Hotline, destaca que o modelo de negócios do OnlyFans cria um “nicho exclusivo” para o tráfico sexual, dificultando a identificação e o combate aos crimes.

A relutância das vítimas em denunciar é compreensível, dado o trauma envolvido. “Isso traz de volta todos os sentimentos, as emoções – todas as vezes”, disse uma sobrevivente, que ainda teme pelas repercussões do que viveu.

Além do OnlyFans, outras plataformas também foram mencionadas em casos de tráfico. No entanto, a estrutura do OnlyFans, que atribui 80% dos lucros diretamente aos criadores, torna-a uma plataforma particularmente atraente para os exploradores.

Ações judiciais já em curso
O OnlyFans enfrenta atualmente dois processos judiciais nos Estados Unidos relacionados ao tráfico sexual. Num deles, a empresa é acusada de lucrar com a exploração de duas mulheres em Nevada por um ex-participante de reality show. No outro, uma estudante da Florida alegou que a plataforma permitiu a publicação de um vídeo que documentava o seu alegado estupro.

Embora os advogados do OnlyFans neguem responsabilidade, o caso na Florida levantou questões sobre a proteção legal de plataformas digitais. Um juiz recomendou a exclusão da empresa do processo, citando leis federais de liberdade de expressão. No entanto, os advogados da vítima resistem, argumentando que a plataforma lucrou com a exploração.

Casos como os revelados pela Reuters sublinham a importância de legislações mais rigorosas para responsabilizar plataformas digitais por conteúdos abusivos. Embora algumas leis federais nos Estados Unidos protejam empresas contra responsabilidade direta, o Congresso tem aprovado medidas para limitar essas salvaguardas em casos de exploração sexual.

Enquanto o debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais continua, as sobreviventes enfrentam longas jornadas de recuperação. “Acho que nunca estarei totalmente curada”, disse a jovem de Wisconsin, que conseguiu escapar após dois anos de cativeiro.

O OnlyFans, por sua vez, mantém a sua posição de que os casos de exploração relatados não refletem falhas sistémicas da plataforma. Contudo, especialistas pedem uma análise mais profunda sobre o impacto da popularidade crescente da plataforma no tráfico e exploração sexual global.