Covid-19: “Esmagadora maioria” da população já não tem anticorpos. Carmo Gomes apela à vacinação e avisa para agravamento em novembro que vai pressionar SNS

Entre 29 de setembro e esta semana, o número de pessoas vacinadas contra a gripe e contra a Covid-19 em Portugal é mais do dobro do registado no mesmo período da campanha de vacinação do ano passado. Manuel Carmo Gomes, epidemiologista, explica à Executive Digest que a vacinação “está a correr bem” e a ultrapassar as expectativas, mas assinala que a população ainda não se habituou à ideia de ter de criar uma ‘rotina’ de vacinação contra o SARS-CoV-2 todos os anos, como já tem com a gripe, o que poderá explicar que o número de vacinados na campanha deste ano contra a Covid-19 seja inferior a quem recebeu a inoculação da gripe.

Sobre o aumento do número de vacinados, face ao ano passado, o especialista aponta que, provavelmente, o crescimento está associado ao facto de as farmácias terem passado a integrar a rede de espaços de vacinação. “Há uma proximidade maior e também uma maior diversidade de escolha para as pessoas, pelo que é natural que esteja a verificar-se a um ritmo mais rápido do que no outono de 2022”, considera Manuel Carmo Gomes, em entrevista à Executive Digest, assinalando que “globalmente as coisas estão a correr bem”.

Os dados do último relatório semanal da Direção-Geral da Saúde sobre a campanha de vacinação sazonal indicam que já 556.503 pessoas receberam a vacina contra a gripe (427.194 em farmácias) e 457.911 foram vacinadas contra a Covid-19 (341.518 em farmácias). Os números revelam uma diferença de mais de 98 mil pessoas entre quem se vacinou contra a gripe e quem se vacinou contra a Covid-19.

O professor universitário, também membro da Comissão Técnica de Vacinação, indica que há três possíveis razões que explicam porque mais portugueses se vacinaram até agora contra a gripe do que contra a Covid-19.

“Há muitas pessoas que foram infetadas que não podem tomar a vacina da Covid já – há um intervalo mínimo de 3 meses [entre infeção e vacina], eu até recomendaria 4 ou 5 meses, a menos que se exponha muito aos vírus. Há quem esteja a adiar devido a isso. Outra razão é que, em relação à gripe, existe já o habito há muitos anos de vacinar contra a doença nesta altura, enquanto a Covid-19 é uma coisa nova. É verdade que o vírus não se vai embora, de maneira nenhuma, e vamos ter que nos habituar a ele. E se continuar a evoluir como tem estado a evoluir, vamos ter que continuar a proceder desta maneira nos próximos outonos. As pessoas é que ainda não se habituaram a isso”, indica

Ainda, “é possível que haja pessoas que, em relação à vacina contra a Covid-19, achem que é ‘mais do mesmo'”. “Não é!”, alerta Manuel Carmo Gomes.

“A vacina da Covid-19 foi completamente alterada para se adaptar as variantes que estão a dominar em Portugal e no mundo. Em relação à gripe já se sabe que a vacina muda, o vírus muda e as pessoas compreendem que têm de renovar a vacinação. Em relação à Covid acontece a mesma coisa, no respeito às mudanças, mas talvez as pessoas ainda não tenham interiorizado isso” clarifica.

Também “pode haver pessoas que receiam tomar as vacinas simultaneamente no mesmo dia”, considera o epidemiologista, mas não há qualquer justificação que sustente esta decisão. “Não há razões de segurança que desaconselhem isso, dadas as características da formulação destas vacinas, já que não são vacinas vivas atenuadas”, alerta o especialista.

Vírus a “evoluir” e novas variantes escapam a anticorpos, que estão em baixa na população

Esta quinta-feira a Organização Mundial da Saúde (OMS), alertou que os casos de hospitalização e morte associados à Covid-19 estão a subir, apelando à vacinação para evitar pressão sobre os sistemas de saúde.

“Neste momento ainda não vejo isso nos números portugueses, mas isso não quer dizer nada! Às vezes os números sobem na Europa e em Portugal não, e vice-versa: veja-se a pequena onda de casos que tivemos no nosso País em agosto, e que foi uma coisa mais característica nossa”, aponta Manuel Carmo Gomes.

O epidemiologista avisa que o o vírus da Covid-19 “está a evoluir” e indica que o que agora está em circulação “são descendentes da variante XBB, a subvariante recombinante que domina o planeta”. “A XBB teve muito sucesso com a XBB.1.5, e que é a que foi usada para fazer a vacina, mas que já teve outras descendentes como a XBB.1.9, que deu a EG.2 (a Eris), ou a XBB.1.16, que está também muito presente em Portugal”.

“O que caracteriza todas estas novas versões do vírus, é a capacidade de escape aos nosso anticorpos. A esmagadora maioria das pessoas atualmente já quase não tem anticorpos detetáveis, porque foram infetadas há mais de quatro ou cinco meses, ou então foram vacinadas o ano passado. Passados 4 ou 5 meses, a concentração de anticorpos fica muito pequena, e para além disso estas novas versões fogem a esses anticorpos, por isso está-se mesmo a ver: se entrar em contacto com o vírus fica infetado”, sumariza Manuel Carmo Gomes, reforçando que é também por este motivo que se deve aderir à vacinação.

“Isto vai agravar-se com a chegada do tempo frio, porque as pessoas passam mais tempo em espaços fechados e mal arejados”, continua Manuel Carmo Gomes, indicando estes três fatores que levará a um expectável aumento do número de casos de Covid-19, “tal como acontece nesta altura quanto a outros vírus respiratórios”.

“É evidente que, como nos outonos e invernos anteriores, esperamos um aumento do número de casos. É uma questão de duas ou três semanas. Acho que em Portugal a subida deverá começar a verificar-se em novembro. Mas não que tenha uma bola de cristal: apenas porque foi isso que aconteceu nos dois anos anteriores”, indica à Executive Digest, esperando uma “subida pronunciada”.

O epidemiologistas alerta que “é expectável que haja um aumento da pressão no SNS” com a subida dos casos de Covid, mas “nada semelhante ao verificado em 2021 ou 2022”. Manuel Carmo Gomes recomenda que a população, quando tem sintomas de infeções respiratórias, deve ligar para a linha SNS 24, e se tem sintomas ligeiros, “deve aguardar, ficar em casa, isolar-se, hidratar-se, alimentar-se e repousar fisicamente durante alguns dias”.

“Recomendo fortemente que não atrasem a vacinação! Não há razão para isso, tomem em simultâneo com a gripe, a não ser que tenham sido infetados há menos de três meses”, apela o especialista.

“Há uma garantia: com as versões do vírus que estão a circular, esta vacina protege contra infeção durante alguns meses, que depois irá decair, e reforça a proteção contra doença grave, essa que não decai tão rapidamente”, reforça Manuel Carmo Gomes, afirmando que os portugueses sevem continuar a adotar as medidas de proteção e etiqueta respiratória aprendidas durante a pandemia.

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