Da Altice ao McDonald’s: O que esperam os líderes para as suas empresas em contexto de inflação e guerra na Ucrânia?

Quais as perspetivas das empresas em Portugal perante um cenário marcado por uma inflação elevada e uma guerra na Ucrânia? Ana Figueiredo, Presidente Executiva da Altice Portugal, José Gonçalves, Presidente da Accenture portugal, Nuno Inácio, Responsável de Ride-hailing da Bolt em Portugal, Nelson Pires, Diretor-Geral da Jaba Recordati, Inês Lima, Diretora-Geral da McDonald’s Portugal e Sandra leal Vera Cruz, Managing Director da Mondelez Portugal, partilharam com a ‘Executive Digest’ a sua visão sobre um ambiente incerto e desafiante.

 

Ana Figueiredo, Presidente Executiva da Altice Portugal

“Considero que o verdadeiro desafio do futuro, transversal a todas as organizações, é garantir a sua resiliência estratégica.

Vivemos uma era caracterizada, mais que nunca, pela mudança constante de paradigmas.

As alterações têm origens tão diversas como em pandemias, novas formas de organização do trabalho, questão climática, redesenho do contexto geopolítico, guerra, inflação galopante, recessão económica, disrupção nas cadeias de abastecimento, desafios colocados pela digitalização e envelhecimento das populações, apenas para enumerar as que me parecem mais relevantes.

Por si só, qualquer uma destas circunstâncias levaria à necessidade de implementar planos ambiciosos de análise e gestão do risco inerente.
Para além de assistirmos à concorrência em simultâneo de todas estas alterações, o prazo que as organizações têm para se adaptar é reduzido. Significa isto que há que pensar estratégico, tendo como pano de fundo estas alterações, a caminho de se tornarem estruturais, e porventura outras que se lhes seguirão e das quais podemos ainda não ter a visibilidade desejável.
Pensar estratégico, neste particular, levará necessariamente as organizações a implementar mecanismos que as permitam proteger-se e aos seus negócios das contingências decorrentes.

Não me refiro à capacidade para adaptar a gestão ao risco, mas sim à capacidade para adotar uma estratégia de resiliência. Numa conjuntura que se torna a cada passo mais difícil de controlar, há que ir mais longe por uma questão de sobrevivência.

O desafio que temos pela frente passa por aceitar o risco que o contexto nos traz (contexto em sentido macro) como uma variável permanente na gestão das empresas e, como tal, deve integrar as decisões e o planeamento estratégico nas suas diversas dimensões, e de forma permanente.
Se levarmos em consideração aspetos em que a resiliência é chave, tais como a performance financeira, estruturas e organização do trabalho, digitalização e cibersegurança, e sem esquecer o compromisso com a sustentabilidade, fácil será de concluir que a resposta proativa é que irá determinar quais as organizações em vantagem competitiva nos mercados em que se inserem, e num contexto caracterizado por ‘crises residentes’.
Por último, tornar a organização estruturalmente resiliente, em todas as dimensões, implica uma alteração profunda ao nível da qualificação das equipas de gestão, e dos parâmetros pelos quais o seu mérito é medido.

Rapidez, agilidade, foco, análise, determinação e tomada de decisão são determinantes para fazer face às alterações de paradigma que se nos deparam.

Sobre o contexto inflacionista em concreto, considero que pode acarretar alterações no padrão de comportamentos do cliente, pese embora as telecomunicações, ao nível das classes de consumo individual, não foram as que mais contribuíram para a variação positiva da inflação, em termos homólogos.
Ainda assim, o fenómeno inflacionista e uma eventual recessão em 2023 estão a ser monitorizados pela equipa de gestão da Altice Portugal, com o objetivo não só de mitigar efeitos na estrutura de custos e nas nossas operações, mas também no perfil e comportamento dos nossos clientes.
Por outro lado, a conjuntura geopolítica mundial, cuja definição futura é ainda pouco nítida, pode trazer desafios que hoje ainda não vislumbramos o que, todavia, não deve desviar por si só a rota traçada por cada organização.

Preparar a Altice Portugal para dar continuidade à inovação e liderança, resilientes e sustentáveis, consolidando o seu contributo para o impacto positivo no desenvolvimento económico e social do País, é o foco da nossa atuação estratégica.”

 

José Gonçalves, Presidente da Accenture Portugal

jose gonçalves accenture

“Vivemos um momento sem precedentes, e Portugal, assim como a Europa e o mundo em geral, enfrenta alguns desafios importantes até ao final deste ano/início de 2023. Após termos superado a pandemia, foi visível a retoma da economia e das empresas nacionais, e logo depois, inesperadamente, surgiu a guerra na Ucrânia, que dura já há seis meses e ainda não se vislumbra um desfecho. Associados a este acontecimento, assistimos ao aumento de custos e à disrupção das cadeias de valor, além da subida da inflação, com múltiplas consequências, e criando vários desequilíbrios a nível económico em todo o mundo.

O impacto está já a ser sentido, com os bancos centrais a atuarem com subidas significativas dos juros, os aumentos nos preços dos fertilizantes, do gás natural, do petróleo e praticamente de todas as matérias-primas, estendendo o impacto a quase todos os produtos, a subida recorde de preços dos bens alimentares com grande impacto nos orçamentos familiares, e a perda do poder de compra, com as subidas salariais a não acompanharem o índice de preços de consumo.

Mais do que nunca, deve ser um desígnio nacional, um trabalho conjunto do governo e empresas, transformar Portugal num país que consiga criar e distribuir mais riqueza por cidadão, o que é possível se alinharmos algumas medidas essenciais: 1. Apostar em negócios de maior valor acrescentado, que permitam exportação de serviços e aumento dos salários médios nacionais; 2. Garantir competitividade e reduzir a burocracia de forma a atrair mais capital estrangeiro para investimento em áreas chave como inovação e tecnologia; e 3. Reforçar o talento que temos, através de uma maior qualificação, com medidas concretas de reskilling e upskilling, e atrair mais talento estrangeiro, mais uma vez garantindo uma maior estabilidade fiscal que nos torne ainda mais atrativos enquanto país para trabalhar”.

 

 

Nuno Inácio, Responsável de Ride-hailing da Bolt em Portugal

“A Bolt, a par de muitas empresas e setores a nível europeu, também foi inevitavelmente impactada pelo recente contexto geopolítico e económico. Trabalhando várias áreas de negócio, que vão desde os TVDE à entrega de mercearias em casa, fomos afetados em várias frentes. A título de exemplo, a escalada de preço dos combustíveis afetou diretamente os nossos motoristas; para contrariar isto, implementámos desde logo medidas, como recompensas consoante as distâncias de recolha de passageiros, ou a iniciativa Copa Bolt: uma espécie de torneio em que os motoristas podiam passar um número de fases consoante o número de viagens e obedecendo a critérios rigorosos, onde os vencedores de cada edição receberam até 3.300€. Também por forma a incentivar à transição para veículos elétricos, temos em vigor desde março deste ano a redução em 75%, durante um ano, nas comissões cobradas a todos os motoristas que usem a categoria Gama Elétrica.

Este aumento dos combustíveis teve, obviamente, repercussões indiretas, mas que também se fizeram sentir – as subidas nos custos de logística impactaram sobretudo o nosso setor de micromobilidade. Nessa mesma área de negócio, sentimos também a inflação nos custos das peças necessárias para o fabrico dos nossos veículos de mobilidade suave; por outro lado, o problema da falta de chips tem causado algumas dificuldades na obtenção de novas viaturas para o negócio TVDE. O conflito entre a Rússia e a Ucrânia, com os impactos sabidos no setor alimentar, vieram por sua vez também influenciar o preço das matérias primas dos negócios que trabalham com a nossa aplicação da Bolt Food ou Market, por exemplo.

Apesar de tudo, mantemo-nos otimistas quanto ao futuro da Bolt. O nosso crescimento, sempre feito de maneira sustentável e planeada, tem-nos permitido responder de maneira eficiente aos recentes cenários que o panorama global tem colocado. Estamos confiantes, também, que serão implementadas as medidas adequadas pelos órgãos responsáveis para contornar este período mais desafiante para a economia europeia.”

 

Nelson Pires, Diretor-Geral da Jaba Recordati

“A blocalização matou a globalização e criou uma disrupção macroeconómica imprevisível. Mas julgo que não traz boas notícias, infelizmente. Começou com o covid, lockdowns, problemas logísticos, aumento do custo das matérias primas e nalguns casos ruturas e abastecimento insuficiente, enormes aumentos dos custos energéticos, uma enorme revolução laboral que gerou um desequilíbrio na atração de talento, o Brexit, a guerra na Ucrânia, a tensão na Ásia-pacífico, o crescimento dos movimentos de direita no mundo, a inflação galopante e agora aumento das taxas de juro. Ou seja o mundo está diferente. Infelizmente para os cidadãos normais e para o tecido empresarial típico do português (micro, pequenas e médias empresas endividadas e descapitalizadas), julgo que para pior. As maiores dificuldades que temos são o aumento brutal dos custos das matérias primas e dos transportes que nos levam a pensar em retirar alguns medicamentos do mercado, pois os medicamentos em Portugal não podem aumentar o preço. A alta fiscalidade sobre as empresas e a imprevisibilidade da mesma é outro dos motivos de preocupação. Assim como a perda real de poder de compra dos cidadãos por causa da inflação e baixos salários, que mesmo tratando-se de medicamentos, que salvam vidas, têm que optar e não comprar alguns dos que precisam. Mas o factor que realmente me preocupa é o modelo de governance mundial a partir de agora, que acredito vá acontecer em blocos e não de forma global como até aqui conhecemos. Aumentando substancialmente os custos de contexto e as dificuldades do comércio mundial.

Em relação aos pontos neutrais, Como não temos endividamento externo ao grupo Recordati, as taxas de juro não nos preocupam directamente, excepto na redução do poder de compra dos cidadãos. Assim como a manutenção do talento não é um assunto difícil pois a nossa é uma indústria bastante atractiva para os recursos humanos.

Finalmente a guerra na Ucrânia que está a afectar a minha companhia que está presente em todos estes mercados, mas em que o maior impacto é a tragédia humana que vemos todos os dias por uma ambição desmedida de um cleptocrata que quer reavivar a URSS. Não que os EUA sejam um exemplo de respeito pelo equilíbrio internacional e não pensem sempre primeiro nos seus interesses. Mas esta guerra demonstra que os blocos económicos (Europa) têm de ser auto-suficientes e não depender de outros blocos ou estados que não respeitem direitos humanos básicos e princípios ESG. E isso vai redesenhar o mapa geoestratégico mundial sem que consigamos antecipar o seu formato final, ou sequer a posição da China, Índia, Brasil, Irão, UAE, Turquia e de alguns países africanos.

Em suma estamos numa fase de transição em que a única certeza é que tudo vai mudar. A inovação será o único factor diferenciador na economia entre blocos. A autonomia vai-se conquistar de forma inovadora, com uma economia circular, a reindustrialização da Europa, a utilização de energias renováveis, um modelo de agricultura alimentar sustentável e programada, assim como a descoberta de novos recursos e novas utilizações para os existentes. A Europa tem tudo para ser o “driver” desta mudança e na “crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços de papel”!”

 

Inês Lima, Diretora-Geral da McDonald’s Portugal

2O setor da restauração tem sido fortemente impactado pela realidade incerta que atravessamos desde 2020. A McDonald’s Portugal não é exceção e, mais uma vez, a resiliência e capacidade de adaptação de Franquiados e equipas dos restaurantes em todo o país permitiram fazer face aos desafios que se sucedem. Todas as soluções encontradas visam travar as consequências a que estamos sujeitos, assim como antecipar, tanto quanto possível, desafios futuros.

Após o impacto da pandemia, em todas as esferas da vida de forma transversal, e na Economia em particular, testemunhamos hoje uma crise humanitária na Europa. A posição de apoio da McDonald’s foi clara desde início, com Franquiados e equipas em Portugal e no Mundo a acolherem quem procurava sair do cenário de guerra.

As disrupções na cadeia de abastecimento de matérias-primas, que se fizeram sentir pesadamente no contexto pandémico, têm vindo a agravar-se, pela situação do atual conflito no leste europeu, o que se desdobra num inevitável aumento dos custos para as empresas. Adicionalmente, a transição para um futuro mais sustentável e mais digital, complexifica-se ainda mais, com o cada vez maior agravamento da inflação e as dificuldades de aprovisionamento.

O esforço conjunto – McDonald’s, Franquiados e Fornecedores – concentra-se agora em atenuar ao máximo a inflação e o impacto do aumento das matérias-primas para o consumidor, sem abdicar da responsabilidade de liderar os desafios estratégicos do setor. Pretendemos manter uma oferta de valor apelativa para as famílias, disponibilizando as soluções de acessibilidade habituais, e continuaremos a trabalhar para ir ao encontro das novas expetativas dos consumidores.”

 

Sandra Leal Vera Cruz, Managing Director da Mondelez Portugal

“O contexto atual é bastante desafiante, desde logo pela escassez de algumas matérias-primas e no consequente aumento do seu preço, passando pelo incremento dos custos de produção com o impacto da crise energética, bem como as dificuldades logísticas. Estes fatores levam a um aumento dos custos e a consequente inflação com que nos deparamos. Adicionalmente, a guerra na Ucrânia ainda deteriora mais esta situação. Por exemplo, a Ucrânia era um dos nossos maiores fornecedores de óleo de girassol, portanto tivemos de racionar os nossos stocks existentes e tomámos a decisão temporária de utilizar alternativas como a soja, colza, e óleo de palma de origem responsável e certificado. Voltaremos ao óleo de girassol assim que for restabelecido um abastecimento sustentável na região.

A inflação afeta os consumidores, mas também afeta em larga escala as empresas. Uma das soluções para a indústria passa pela redução dos intermediários na cadeia de abastecimento. Quem tem produção própria, fábricas, logística, consegue reduzir um pouco o impacto da inflação. A digitalização e o planeamento antecipado também permitem um maior controlo sobre as despesas, sobre as necessidades e stocks. Na Mondelez temos trabalhado continuamente neste sentido, e também em rever os produtos para podermos tomar as medidas adequadas e continuar a fornecer os nossos clientes e consumidores. Estamos a combinar estratégias para garantir que os consumidores continuam a desfrutar das suas marcas favoritas, sem alteração da qualidade. A procura de soluções envolve a Mondelez e também os seus parceiros, numa relação de proximidade, como por exemplo os retalhistas, definindo ações e promoções atrativas.”

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