Acha que consegue sobreviver um dia sem smartphones?

Na sociedade contemporânea, muitas pessoas, principalmente as que têm menos de 30 anos, dependem dos seus smartphones para uma série de actividades importantes, incluindo acordar de manhã, ouvir música, seguir as notícias, encontrar horários de autocarros e comunicar com amigos e família. Um estudo do Pew Research Center realizado em 2015 revelou que 15% dos norte-americanos entre os 18 e os 29 anos estavam “altamente dependentes” dos seus smartphones para aceder à internet. Não há dúvida de que os smartphones tornam a nossa vida mais fácil e interligada. Mas a que custo? Vários estudos já começam a alertar para o facto de o uso excessivo de telemóveis poder afectar as capacidades cognitivas, o sono, a qualidade das interacções sociais e a capacidade de se relacionar no local de trabalho.

Com base nos comportamentos que observamos nas nossas salas de aula e a forma como a tecnologia se está a infiltrar na vida dos jovens, debatemos o que poderíamos fazer para que os nossos alunos tivessem mais consciência dos custos associados ao uso sem restrições de telemóveis e outros equipamentos ligados à internet. Após lermos várias ideias para controlar a dependência dos telemóveis e aparelhos, decidimos iniciar um projecto de um dia, no qual os alunos dos nossos cursos de Comportamento Organizacional e Liderança na Universidade de Bolonha em Itália, e no campus da Kedge Business School em Bordéus, França, teriam de suspender todas as ligações e manter um diário sobre a sua experiência. Este artigo baseia-se nas experiências de 153 alunos que participaram neste projecto entre 2015 e 2017.

Os alunos reagiram à ideia com um misto de incredulidade e cepticismo, embora estas reacções fossem muitas vezes seguidas de uma sensação de entusiasmo. Alguns alunos,principalmente os estrangeiros, hesitaram, mencionando preocupação por os familiares ou parceiros se preocuparem caso ficassem incontactáveis. Nesses casos, sugerimos que os alunos informassem as suas famílias antecipadamente e partilhassem contactos de amigos ou professores em caso de emergência. Vários houve que questionaram a ideia de estarem sequer viciados dos seus equipamentos. Contudo, acabámos por tornar a participação no projecto obrigatória e aconselhámos todos a que informassem as suas famílias de que estariam incontactáveis.

COMO PASSARAM O TEMPO

Muitos alunos notaram que o dia sem telemóvel pareceu mais longo do que um dia normal. Alguns viram isto como algo positivo, já que lhes permitiu terminar projectos que adiavam há semanas. Um aluno alemão disse que, apesar de ter acordado mais tarde do que o habitual (por não ter despertador), teve mais tempo para ler, fazer exercício e preparar uma refeição especial.

Para outros alunos, ter mais tempo no total do dia foi visto como algo negativo, deixando-os com tempos mortos que alguns admitiram não saber preencher. «[Sem o smartphone] o meu pequeno-almoço foi muito pequeno e não sabia o que fazer a seguir», notou um aluno. Outro escreveu sobre a frustração de não poder olhar para o telemóvel durante a viagem de autocarro e comboio; chamou-lhe «o tempo mais longo da minha vida». Não ter um telemóvel para onde olhar fez com que alguns alunos se sentissem expostos. Como um indicou, «senti-me desconfortável, sem a possibilidade de me esconder atrás de um ecrã de telemóvel». Um aluno francês revelou: «Não consegui fazer nada. Passei o tempo todo a pensar no meu telemóvel.» Para minimizar o desconforto, alguns alunos decidiram fazer a experiência num dia em que estivessem ocupados. «Desta forma», escreveu um aluno americano, «estarei distraído e não pensarei no meu telemóvel.»

Muitos alunos fizeram um verdadeiro esforço para abordar o projecto como sendo uma oportunidade de aprendizagem. Alguns notaram que era uma forma de experimentar como era a vida antes da ascensão dos equipamentos móveis (ou, como um disse, ver «como os meus pais comunicavam quando tinham a minha idade»). Relataram passar algum tempo a visitar novas zonas da cidade («Vivo nesta cidade há seis meses e ainda havia muitos sítios que não conhecia, por isso foi um dia fantástico para mim.») «Passeei durante umas horas», revelou um aluno, «e foi tão relaxante.»

Muitos participantes afirmaram que a experiência lhes deu algum tempo para reflectirem sobre a forma como as tecnologias moldam as suas vidas e interacções sociais. Vários indicaram que experimentaram conversas mais profundas, o que os fez sentirem-se «mais próximos e ligados» aos seus amigos. Um aluno escreveu: «Jantei com um amigo e notámos que nos sentimos mais presentes – conseguíamos ouvir realmente o que o outro estava a dizer.»

COMO SE SENTIRAM

Durante o dia em que estiveram desligados, os alunos experimentaram um misto de emoções. Para muitos, a sensação mais forte foi a ansiedade. Os alunos sentiram-se ansiosos por poderem perder algo importante: E se os seus pais precisassem deles? E se um empregador de sonho tentasse contactá-los com uma oferta de emprego? Como poderiam ficar a par de todas as novidades que estavam a perder nas redes sociais? Em antecipação à experiência, certos alunos reportaram dificuldade em dormir. Para se acalmarem, alguns referiram ter usado os smartphones o máximo possível até começar a experiência. (Um escreveu: «Passei os últimos minutos a verificar todas as comunicações e redes sociais.»)

Um sentimento transversal foi de que o telemóvel oferece «uma noção de segurança». Mesmo desligado, alguns alunos indicaram andar com o telemóvel em modo avião para o caso de haver uma emergência. Muitos notaram sentir mais ansiedade ao final do dia, por não receberem chamadas há várias horas. Uma aluna italiana falou do medo de perder o contacto com as pessoas e ficar excluída: «Não recebo mensagens, fotografias, emails, likes, comentários, etc. Sinto que ninguém quer interagir comigo, pensar em mim. Estou sozinha!»

Os alunos também apontaram a sensação de culpa por não conseguirem responder a mensagens recebidas nos chats das suas aulas. Ficaram preocupados por estarem a prejudicar os colegas na conclusão dos seus projectos e com as repercussões que este em particular poderia ter na sua imagem e vida social. Uma aluna russa a estudar em Bolonha escreveu: «Estar em silêncio mais de três horas é considerado anormal, exigindo explicações mais tarde. Ser rápido nas respostas é obrigatório para se fazer parte da vida social.» Quando o período de 24 horas terminou, muitos alunos demonstraram alívio. (Como um aluno escreveu: «Felizmente este desafio durou apenas um dia.») Alguns até decidiram inserir imagens dos seus relatórios para documentarem o número de chamadas, emails e notificações de redes sociais perdidos.

O QUE APRENDERAM

uitos alunos acabaram por compreender que a tecnologia tem as suas vantagens e desvantagens. A maior parte concluiu que a tecnologia é essencial e que viver sem um telemóvel «seria impossível». Por exemplo, reconheceram que as tecnologias melhoraram as suas vidas e criaram oportunidades (como a capacidade de interagir com pessoas de outras partes do mundo) que antigamente eram mais difíceis de obter. Contudo, viver desligado – mesmo que apenas por um dia – levou muitos a verem que é importante haver controlo e moderação. Como escreveu um aluno da Turquia: «Tenho noção da tecnologia e da conveniência nas nossas vidas. Mas tecnologia a mais pode ser prejudicial.»

Os alunos desenvolveram uma consciência maior dos seus próprios hábitos. Como um aluno espanhol em Bolonha notou, a experiência «foi um exercício surpreendente e revelador que me fez ter noção de que o meu dia começa e acaba com um smartphone nas mãos». Até os alunos que não se consideravam demasiado subordinados aos seus equipamentos perceberam como estavam dependentes para coisas tão simples como encontrar uma receita ou o tempo de cozedura de um alimento. Os alunos ganharam também mais noção de até que ponto são influenciados pelos seus pares. Como um deles escreveu: «Como estão todos agarrados ao smartphone, eu também estou.»

Por fim, alguns afirmaram que ao observarem outras pessoas em cafés ou comboios totalmente imersas nos seus telemóveis, tornaram-se mais conscientes de que estar ao telemóvel em frente a outros pode parecer uma falta de respeito. Um aluno escreveu: «O meu amigo verificou o telemóvel quatro vezes durante um encontro de 10 minutos! Isto fez-me perceber como as nossas relações contemporâneas se estão a tornar superficiais.» Inspirados pelo projecto, vários alunos começaram a definir períodos de pausa em que prometem estar desligados. «Não consigo abandonar totalmente todos os meus aparelhos, mas gostaria de estar desligado com alguma regularidade», escreveu um aluno chinês em Kedge. Uma italiana a estudar em Bolonha notou: «No final do dia, não senti a falta das redes sociais ou de estar ligada. Fiquei feliz pela oportunidade de desafiar os meus hábitos pouco saudáveis, porque isto deu-me a oportunidade de descobrir uma forma mais lenta e consciente.»

IMPLICAÇÕES PARA OS GESTORES

Descobrimos que os jovens são mais abertos a ajustarem os seus hábitos tecnológicos do que esperávamos. Em vez de estarem totalmente fixos na sua forma de vida, os millennials estão surpreendentemente receptivos a descobrir o valor de novas tarefas e deveres.

Durante o tempo em que estiveram afastados dos seus smartphones, muitos alunos redescobriram o valor de outras formas de colaboração. Descobriram novas maneiras de se coordenarem com colegas para reuniões e partilha de material das aulas, projectos, etc. Essa flexibilidade e engenho pode dar às organizações ideias sobre como abordar as suas estratégias digitais e que tipo de limites deve ser imposto à ligação à internet. Por exemplo, as organizações podem considerar útil limitar o uso de equipamentos durante reuniões, refeições ou interacções com colegas, e talvez estabelecer directrizes sobre o envio de emails não urgentes fora do horário de expediente como uma forma de ajudar a vida privada e familiar dos colaboradores. Embora as mensagens de texto sejam certamente fáceis e rápidas, as empresas podem encorajar a comunicação frente a frente sempre que possível.

Trabalhar sem aparelhos durante períodos limitados pode aumentar oportunidades para melhorar o autoconhecimento e o autocontrolo, elementos fundamentais da inteligência emocional. Depois da experiência, notámos que muitos alunos adoptaram voluntariamente regras comportamentais que limitam a utilização de equipamentos móveis quando interagem com outros, como sinal de respeito e de atenção. Um aluno alemão reportou que começou a esconder o telemóvel ou a mantê-lo «longe da vista» durante interacções sociais para controlar o seu hábito enraizado de verificar o telemóvel ou mexer nele enquanto está a falar com outros. Tendo em conta a omnipresença dos aparelhos ligados à internet nas organizações contemporâneas, esperamos que esta experiência possa ser uma inspiração para as organizações – e principalmente para os seus líderes – à medida que tentam criar a abordagem certa para a utilização das tecnologias móveis no trabalho.

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