Massachusetts Institute of Technology: Está na altura de dar outra vista de olhos ao blockchain

Agora, uma década e meia depois, essa promessa inicial está a tornar-se manifesta. No seu novo livro, “Enterprise Strategy for Blockchain”, Ravi Sarathy, professor de Estratégia e Negócios Internacionais na D’Amore-McKim School of Business da Northeastern University, argumenta que a tecnologia de registos distribuídos amadureceu ao ponto de permitir uma série de aplicações que podem causar disrupção em sectores tão diversos como a produção, a medicina ou os meios de comunicação.
Sarathy falou com Ted Kinni, editor principal do MIT Sloan Management Review, sobre o estado do blockchain, as aplicações que são agora mais relevantes para as grandes empresas, e como os seus líderes podem aproveitar a tecnologia antes de esta se estabelecer e os novos concorrentes a utilizarem contra eles.

  • O blockchain tem sido lento a ganhar tração em muitas grandes empresas. O que o está a atrasar?

O blockchain é uma tecnologia complexa. É muitas vezes assegurada por um elaborado puzzle matemático que consome muita energia e exige grandes investimentos em computação de alta potência. Isto também limita o volume de transações que podem ser processadas facilmente, tornando difícil a utilização do blockchain num cenário como o processamento de cartões de crédito, que envolve milhares de transações por segundo. A interoperabilidade é outro desafio tecnológico. Existem muitos protocolos diferentes para executar blockchains, por isso, se precisarmos de comunicar com outros blockchains, isso cria pontos frágeis que podem ser pirateados ou falhar.
Para além dos desafios tecnológicos, há a questão do custo e do benefício. O blockchain não é gratuito, e não é uma venda fácil. Requer recursos financeiros e humanos significativos, e isso é um problema porque é difícil convencer os CFO e outros gestores de topo a darem alguns milhões de euros e alguns anos para desenvolver uma aplicação de blockchain quando não existem estimativas claras dos retornos ou benefícios esperados.
Por último, existem desafios organizacionais. Um blockchain pretende ser uma rede transparente e descentralizada em que todos falam uns com os outros sem quaisquer intermediários organizados num mundo de hierarquias. Fazer essa transição pode exigir um longo salto filosófico e cultural para empresas tradicionais habituadas a uma cadeia de comando. A confiança também se torna um problema enorme, principalmente quando se acrescentam empresas independentes a um blockchain.

  • Isto parece bastante assustador. Porque é que os líderes das grandes empresas deveriam estar agora a considerar o blockchain?

Nos últimos 15 anos, os cientistas informáticos têm trabalhado continuamente para melhorar a tecnologia subjacente, e embora esses obstáculos não tenham sido completamente ultrapassados, são certamente muito mais baixos do que quando o blockchain foi introduzido pela primeira vez, e estão a tornar-se ainda mais baixos. O problema do custo-benefício pode ser ultrapassado com um bom processo para projetos-piloto. Os problemas organizacionais dependem da empresa e da sua cultura, mas o próprio blockchain pode servir como motor de confiança. Também assistimos ao desenvolvimento de blockchains autorizados, que permitem às empresas ter mais controlo. Tudo isto são razões pelas quais os líderes que se desiludiram com o blockchain desde o início podem querer dar uma vista de olhos séria agora.

  • O blockchain baseia-se na autoridade distribuída e no controlo descentralizado. A ideia de um blockchain autorizado ou fechado não é uma contradição?

De certa forma, é. A força de um blockchain é que a maioria dos nódulos tem de validar uma transação e que os seus tokens criam um incentivo económico para não se fazer batota. Ao recorrer a um blockchain autorizado, reduz o número de nódulos que participam na aprovação de uma transação. Assim, cria mais risco e pode subverter a confiança no blockchain. Mas isso é um compromisso que os líderes precisam de considerar.
Vitalik Buterin, o programador que é co-fundador do Ethereum, propôs pela primeira vez o “trilémma” do blockchain, perguntando: «Como maximizar simultaneamente velocidade, escalabilidade e segurança?» Atualmente, um tem de ceder para que os outros dois sejam melhorados. Os líderes precisam de descobrir como equilibrar as três qualidades na forma que funciona melhor para as suas organizações.
Como resultado, há diferentes tipos de blockchain – dependendo dos problemas a serem resolvidos e do número de partes que precisam de estar envolvidas na tomada de decisões – e há situações em que um blockchain autorizado pode funcionar bastante bem. Por exemplo, se a Reserva Federal utilizasse o blockchain para gerir transações financeiras, poderia dizer: “Bem, podemos restringir o número de nódulos apenas às instituições financeiras realmente importantes, talvez umas 100.” Ao reduzir o número de nódulos, o blockchain da Fed caracterizar-se-ia por alta velocidade e escalabilidade. E como a Fed teria plena confiança nos bancos que incluiu, a confiança não seria uma questão importante, embora haja sempre o risco de um dos bancos incluídos poder ser comprometido por um elemento mal-intencionado.

  • Muitas das startups estão a construir negócios em torno do blockchain. Será que isso representa uma ameaça estratégica para as empresas em atividade?

Sim, porque toda a ideia por detrás do blockchain é acabar com os intermediários. Isto cria um grande risco para empresas de media como a Spotify, e para empresas de classificação de consumidores como a Experian. O que acontecerá ao modelo de negócio da Spotify se os músicos puderem interagir diretamente com os fãs, ou à Experian se os consumidores puderem controlar a sua própria informação de crédito e determinar quando, como e a quem irão fornecer acesso, e em que termos? Os intermediários incumbentes precisam de começar já a aprender a utilizar o blockchain. Eles não podem esperar e dizer: “Vamos ver se isto acontece.”

  • Como poderia uma empresa como a Spotify responder a uma ameaça dessas?

Os seus líderes podem ter de começar a pensar mais nas necessidades dos músicos e como a empresa pode ajudá-los a criar conteúdo e a estabelecer-se, porque as margens associadas às suas taxas de transação são suscetíveis de cair abruptamente. A Spotify também pode decidir entrar no negócio da produção, o que já começou a fazer com podcasts. A propósito, a empresa já explora formas de racionalizar e reforçar o seu negócio através da utilização de blockchain combinada com NFT [tokens não fungíveis] para aumentar as receitas dos músicos, enquanto as identidades verificadas pelo blockchain podem reduzir os seus problemas com aproveitadores.

  • Quais são, neste momento, as aplicações de blockchain mais promissoras para os músicos em atividade?

Uma delas são as cadeias de abastecimento. A Maersk e a IBM uniram-se para criar a TradeLens, uma plataforma baseada no blockchain e concebida para criar uma única fonte de verdade para envios internacionais. A expedição é um processo que tem sido difícil, demorado e sujeito a fraude. Há erros que causam disputas, e documentos perdidos que causam paragens na alfândega e noutros locais. Todas as partes envolvidas podem obter total visibilidade de uma remessa na TradeLens. Os dados da transação são constantemente atualizados para que todos saibam exatamente onde se encontra a remessa e por que fases passou. Pode até anexar- -lhe informações de embarque eletrónicos ou cartas de crédito para que os bancos façam parte do blockchain e libertem o pagamento quando todos os termos do contrato tiverem sido cumpridos.
Outra aplicação promissora é a co-inovação e o crowdsourcing. A Ubisoft está a fazer experiências com o blockchain para facilitar o desenvolvimento descentralizado de videojogos. No seu jogo “Axie Infinity”, o estúdio de jogos Sky Mavis permite aos jogadores construírem novos ambientes e monstros, criando assim novos desafios, e depois cobrarem a outros jogadores uma taxa para aceder-lhes. Os ativos de videojogos criados por utilizadores podem ser negociados como NFT, ganhando tokens que podem ser convertidos em trocas digitais em criptomoeda ou dinheiro “fiat”.

  • Onde devem os líderes que estão apenas a começar com o blockchain concentrar a sua atenção e os seus esforços?

Penso que é uma boa ideia começar com um blockchain intra-organizacional – em oposição a uma cadeia interorganizacional que inclui parceiros externos. As aplicações internas são o fruto do blockchain, porque os dados de que vai precisar são mais acessíveis e há uma maior capacidade de exigir a participação e manter o controlo do blockchain. Pense em auditorias internas. As empresas precisam de auditorias porque têm de verificar dados, mas o blockchain, ao fornecer um rasto de auditoria e assegurar a proveniência, pode assegurar que os bens que supostamente existem estão realmente lá. A função de auditoria interna provavelmente não desaparecerá por completo, porque pode haver algumas áreas em que não se pode confiar completamente no blockchain, mas tornará as auditorias mais rápidas e reduzirá os seus custos. Por falar em acabar com intermediários, considere as ramificações disso para grandes empresas de auditoria como a PwC e a Deloitte, que desenvolveram aplicações de blockchain como a Halo e a Coinia para explorarem as capacidades do blockchain nas auditorias.
Os HR seriam uma excelente área para a aplicação interna do blockchain. Todas as empresas precisam de conseguir monitorizar os indivíduos, do recrutamento à reforma – e por vezes para além desta. Porque é que esta pessoa foi recrutada? O que lhe foi prometido, em que prazo? Quais os seus objetivos, e foram alcançados? Quem a irá supervisionar, e como são as suas avaliações? As respostas a estas perguntas podem ser registadas dentro do blockchain, mesmo quando o estatuto da pessoa muda constantemente com base no seu desempenho, avaliações e recompensas. É seguro, e pode criar níveis de acesso para que certas pessoas possam ver certas coisas em certos períodos. É expansível a milhares ou dezenas de milhares de pessoas. Pode obter uma imagem muito completa de um colaborador num único local sempre que quiser, e pode ser um blockchain completamente autorizado, porque é interno à empresa.

  • Mencionou o desafio custo-benefício e a necessidade de um bom processo. Como devem as grandes empresas abordar o blockchain?

O ponto de partida é compreender onde se pode aproveitar melhor as características do blockchain. Criar uma lista de atributos do blockchain e determinar se existe um bom alinhamento entre essas características e a utilização que está a considerar. Por exemplo, o blockchain é normalmente ideal para situações em que é necessário ter muita confiança em dados que mudam frequentemente.
Um processo de utilização em que é preciso conseguir localizar, partilhar e validar dados – e em que se alguém tentar adulterar os dados, é altamente evidente – é um bom alinhamento. Um processo de utilização que beneficiaria de um contrato inteligente é outro exemplo. Se tiver ações que exigem uma certa sequência baseada em eventos que são efetivamente realizados, ou desencadeados por um determinado evento ou informação, o blockchain pode ser um bom alinhamento. Portanto, comece por perguntar: “O meu processo de utilização precisa das capacidades únicas do blockchain?”

  • Ao ter um processo de utilização promissor, o que se segue?

Uma vez obtida a aprovação, é preciso correr um piloto. Isso significa escolher um protocolo e criar o blockchain. É aqui que se aprende sobre todas as etapas que fazem parte do blockchain. Talvez contrate um consultor para ajudar com a estrutura, mas não terá de reinventar a roda. Há software já pronto a usar ou muito software de código aberto em locais como o GitHub. É claro que existem alguns problemas de segurança em torno da troca de dados entre os vários módulos.
Depois vem uma parte realmente interessante: conseguir a adesão das pessoas. São necessários utilizadores, e isso exige uma certa quantidade de educação e formação, porque as pessoas vão ter medo de mudar para algo novo. Precisa de ter gestores do topo a dizer: “Ei, nós apoiamos isto, e queremos realmente que estejam a bordo.” Também devem gerir o blockchain em paralelo com o sistema antigo durante algum tempo, porque ninguém é suficientemente corajoso ou imprudente para dizer: “Vou passar diretamente do antigo para o blockchain.”
Após ter o piloto a funcionar, é altura de fazer um balanço. Qual é o feedback do utilizador? Está a realizar os objetivos do piloto, e podemos estimar o retorno do investimento? Tem de voltar à administração e à gestão de topo e apresentar resultados. Por vezes, os resultados podem não ser encorajadores devido a erros de execução, e é preciso fazer uma análise.

  • Se um piloto de um blockchain for bem-sucedido, qual poderá ser o caminho a seguir?

As organizações devem provavelmente planear passar por fases com o blockchain. Assim que tiver uma aplicação interna bem-sucedida, poderá começar a pensar em expandir-se para uma aplicação externa, o que é um pouco mais complicado. Isso significa pensar em coisas como a interoperabilidade.
No fundo, vejo a construção de uma capacidade organizacional para o blockchain como um ciclo iterativo que pode levar dois a três anos à medida que se passa por dois ou três pilotos que são gradualmente mais complexos e se ganha confiança e menor resistência à mudança. Lembre-se, vai precisar de pessoas com competências, como programadores de blockchain que conheçam linguagens especializadas, gestores de projeto que tenham experiência com blockchain, e CIO que deem prioridade e escolham entre múltiplas propostas de blockchain concorrentes. É preciso construir e alimentar a capacidade.

  • Será que o blockchain acaba por se tornar uma ferramenta na caixa de ferramentas de gestão?

É uma ferramenta, mas é também uma nova forma de gerir um negócio. O blockchain permite-lhe dar mais autonomia às pessoas e criar uma organização mais descentralizada.
O blockchain pode ser utilizado para incentivar o comportamento. Em vez de ter de gerir e persuadir as pessoas, pode usar o mecanismo de incentivos de tokens dentro do blockchain para encorajar os comportamentos e ações dos colaboradores que deseja. A teoria do jogo debruça-se sobre como os humanos se comportam, a que tipo de incentivos respondem, e como os incentivos podem ser programados para o jogo. Mas os economistas sempre falaram da teoria do jogo de uma forma muito teórica. O blockchain permite trazer a teoria dos jogos para a realidade e para a equipa comercial. Pode motivar e alinhar os colaboradores.

  • Como é que algo assim pode funcionar?

As empresas têm orçamentos e objetivos, e os gestores têm de avaliar o desempenho dos colaboradores em relação a eles e colocá-lo numa avaliação. Depois, alguém liga essa avaliação a uma pontuação numa avaliação de desempenho, e com base nisso, um colaborador recebe uma recompensa ou uma advertência. Um incentivo com base num token insere essa ideia num contrato inteligente num blockchain. Dependendo do desempenho de alguém, os prémios em tokens podem ser automaticamente maiores ou menores, e podem ser atribuídos entre equipas. O contrato inteligente define o valor dos tokens, e estes são trocados por um aumento, uma promoção ou tempo livre. Essas aplicações do blockchain podem alterar fundamentalmente como as pessoas são geridas.
Penso que as empresas acabarão por lançar um enxame de inovações de blockchain, tentarão trilhar o seu caminho através de várias ideias, e testá-las em pilotos, reduzindo-se gradualmente às aplicações mais promissoras.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 202 de Janeiro de 2023

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