Liderar a disrupção num negócio estabelecido

Poucos duvidam que algo extraordinário aconteceu na Nvidia, já que o preço das suas acções subiu mais de 8000% na última década. Encontra-se agora no top 10 das empresas mais valiosas a nível mundial, graças à sua transformação de fornecedor líder mundial de processadores gráficos para líder em computação para inteligência artificial e condução autónoma. O seu CEO, Jensen Huang, contradisse a sabedoria convencional de que as empresas estabelecidas não podem reinventar-se a si próprias e às suas indústrias através de uma inovação radical.

A Nvidia não é um caso isolado – pelo contrário, consideramo-la como um dos exemplos mais apelativos da tendência crescente de grandes empresas que lideram a inovação radical. Entre elas está a LexisNexis, que se tornou um dos primeiros líderes em analítica de big data ao criar um negócio multibilionário que é maior do que a empresa de informação jurídica original. Outra, a Deloitte Consulting, está a desafiar o modelo centenário de consultoria de gestão com a Deloitte Pixel, um novo modelo de talento aberto. A Best Buy saiu da área retalho, para criar uma empresa de tecnologia e serviços de saúde para idosos. E a MasterCard passou de um foco no processamento de transacções com cartão de crédito para a criação de novas soluções de pagamento digital.

Um novo quadro de líderes está a liderar empreendimentos disruptivos a partir de grandes empresas. Estes exploradores de empresas são gestores ambiciosos, orientados para objectivos específicos e estão dispostos a agitar criar negócios disruptivoas a partir de organizações estáveis e bem-sucedidas. Eles idealizam, incubam e escalam inovações, tal como um empresário o faz. No entanto, inovar dentro de uma empresa existente é diferente, de formas importantes, do empreendedorismo convencional. Estes líderes precisam de um contexto propício que os autorize e encoraje. É este o papel daquilo a que chamamos ambição estratégica.


DEFINIR UMA AMBIÇÃO

CEO como Jensen Huang da Nvidia, Vincent Roche da Analog Devices, Ajay Banga da MasterCard e Hubert Joly da Best Buy proporcionaram às suas organizações uma ambição estratégica que estimula a ambição e a esperança, e não o medo.

Fundamentalmente, os líderes articulam um propósito emocionalmente mais elevado para as suas empresas – como a aspiração de Hubert Joly de que a Best Buy deve «enriquecer a vida das pessoas através da tecnologia e contribuir para o bem comum». Muitas empresas têm declarações de missão e visão que articulam um compromisso com um propósito superior. Podem dizer-nos qual a posição da empresa em questões sociais importantes como as alterações climáticas e o movimento Black Lives Matter. A declaração da Best Buy faz mais do que isto: contribui para a estratégia de inovação da organização, comprometendo a empresa a aplicar tecnologia para responder a uma necessidade social. Estas aspirações com carga emocional também estabelecem uma escala de ambição igual à ameaça ou oportunidade de disrupção – tal como a visão da General Motors de «vender apenas veículos com zero emissões de escape em 2035». Fornecem a lógica para uma nova estratégia que faz a ponte entre o passado e o futuro. Na Analog Devices, o CEO Vincent Roche contratou os seus engenheiros de semicondutores com a ambição de ir «além do silício» para resolver problemas importantes dos clientes, levando a novas fontes de crescimento, uma vez que combina software e análise de dados com componentes de hardware tradicionais.

A ambição que fala de emoção, lógica e aspiração dá aos líderes termos para definirem novas regras para a tomada de decisões estratégicas. Estas aceleram a inovação, fazendo saber aos gestores que o que a equipa sénior espera que eles façam mudou. Estas regras alastram-se pela organização com o “movimento de liderança”, um agrupamento semiformal de líderes responsáveis pela propagação da mensagem. Isto oferece aos aspirantes a exploradores empresariais uma licença para explorar, ajudando a acelerar inovações que estavam a definhar na organização e estimulando novos empreendimentos com implicações transformadoras. Por fim, uma ambição estratégica eficaz também estabelece limites, ou zonas de caça, para que haja um estreito alinhamento entre a inovação e a estratégia da empresa.


CRIAR NOVAS REGRAS

As abordagens tradicionais à mudança dependem frequentemente de uma fórmula baseada no medo: a narrativa de uma plataforma em chamas – um problema urgente e existencial que ameaça a empresa. No entanto, o medo faz com que as pessoas evitem riscos. Estabelecer como objectivo da organização criar algo novo e melhorado é muito mais motivador.

Quando Ajay Banga, antigo CEO da Master- Card, definiu a ambição de travar uma «guerra ao dinheiro» em 2010, não só criou um slogan emotivo como também definiu uma nova escala de ambição para a empresa. Mudou o foco de competir com a Visa nas transacções com cartão de crédito para conquistar os 85% das compras a retalho que ainda eram feitas com dinheiro ou cheques. Ajay Banga viu a revolução das fintech chegar e quis posicionar a MasterCard para a impulsionar em vez de permanecer no seu nicho de processamento de pagamentos com cartão de crédito. Isto envolveu as emoções dos colaboradores e forneceu a lógica estratégica a aplicar em novas áreas de crescimento. Em 2020, a MasterCard Labs tinha criado uma carteira de produtos e serviços com potencial de receitas anuais de 1,3 mil milhões de euros, incluindo novos serviços de pagamentos comerciais e uma solução patenteada de blockchain para ajudar a digitalizar as cadeias de fornecimento.


FORMAR UM MOVIMENTO DE LIDERANÇA

Os CEO têm uma influência directa limitada nas decisões que os colaboradores tomam. Se querem que novas regras se mantenham na organização, precisam que outros se lhes juntem para ajudar a criar uma dinâmica de mudança. Felizmente, os humanos são animais sociais: a evolução ensinou-nos que há segurança nos números, por isso somos altamente sensíveis aos sinais de pertença a um grupo. Somos rápidos a notar quando as regras mudam para a adesão a um grupo, e se as novas regras forem suficientemente consistentes, adaptamos o nosso comportamento para pertencermos ao grupo. Um movimento de liderança sinaliza que existem novas regras de pertença a um grupo e que as pessoas com autoridade estão a adoptá-las. Este tipo de movimento social assegura às pessoas de que não há problema em romper com as convenções e adoptar uma nova forma de trabalho – uma mudança cultural.

Na Analog Devices, Vincent Roche sabia que estava a reformular o ADN da empresa para que os líderes de engenharia e de negócios fossem mais propensos a colocar o software, os algoritmos e os negócios digitais no centro das suas capacidades de engenharia e estratégia de negócios. Em vez de decidir como fazer isto sozinho, passou essa responsabilidade aos seus líderes empresariais. Embora muitos estivessem de acordo com a sua visão, muitos mais estavam cépticos. Apresentou aos seus 100 principais líderes dados que mostravam que dependiam de um produto cada vez mais maduro para sustentar o crescimento, e desafiou a sua equipa a aumentar a taxa de inovação empresarial, e não de inovação puramente técnica, na empresa. A equipa pôs mãos à obra criando uma série de “equipas de sprint” – operacionais, de vendas e de desenvolvimento de produtos – cada uma delas focada num aspecto diferente da concretização da ambição.


DAR LICENÇA PARA EXPLORAR

As ambições arrojadas dão aos exploradores empresariais permissão para serem exactamente isso – ousados – e fixarem os seus objectivos em algo mais. Normalmente, os gestores de grandes organizações aprendem a permanecer dentro das suas faixas de rodagem, evitam pisar as fronteiras departamentais, e concentram-se em produzir resultados à escala das suas actuais responsabilidades a curto prazo. Mas com a introdução de uma ambição estratégica, qualquer pessoa que não tenha tido a certeza de apoiar a inovação radical ou que a tenha mesmo bloqueado activamente, pensa duas vezes. Existe agora uma nova prioridade – um novo caminho para o crescimento a longo prazo. A ambição estratégica estimula os inovadores que de outra forma teriam de lutar contra a hierarquia empresarial.

A licença para explorar de Vincent Roche deu vida a uma inovação que usa software em vez de circuitos de silício nos transmissores das estações base de telemóveis, uma inovação essencial que permitiu o nascimento das redes 5G. Inspirou um vice-presidente da Analog Devices a efectuar um conjunto de experiências empresariais em torno de oportunidades na internet das coisas – uma iniciativa que levou a um aparelho de detecção remota ligado à internet para motores eléctricos apoiado numa analítica que apoia a manutenção preditiva. Outro gestor liderou a criação de um dispositivo, agora em ensaios, que detecta quando um paciente vai sofrer uma insuficiência cardíaca congestiva. Estes negócios nascentes utilizam a tecnologia de base da Analog Devices e depois completam a solução com hardware, software e serviços, tal como a ambição de Vincent Roche previa.


DEFINIR ZONAS DE CAÇA

Uma licença para explorar também precisa de limites. As zonas de caça descrevem onde uma empresa vê as melhores perspectivas potenciais para realizar a sua ambição de crescimento e ajudam a reduzir o foco da exploração. Quando Jensen Huang definiu a sua ambição de colocar a Nvidia no centro da IA, convidou a sua equipa a pensar de forma criativa: “Em que somos grandes e o que adoramos fazer” e “O que não existe hoje, mas o mundo adoraria se o criássemos”? No entanto, não foi uma exploração em aberto: Jensen Huang definiu limites. Ele tinha uma forte noçãos dos sectores que seriam provavelmente os primeiros a adoptar a IA e desafiou a sua equipa a procurar problemas que fossem resolvidos em quatro zonas de caça específicas: jogos, veículos autónomos, computação empresarial e computação científica. Estes eram novos mercados finais para a empresa, que anteriormente vendia processadores a fabricantes de computadores e outros dispositivos electrónicos. A IA e os veículos autónomos são agora áreas óbvias de crescimento para uma empresa tecnológica, mas há 10 anos pareciam uma fantasia para muitos colegas da indústria de semicondutores de Jensen Huang.

As empresas identificam zonas de caça pela aplicação de uma lente simples: encontrar uma megatendência com problemas de alto valor para os clientes que possam resolver com bens que tenham ou possam adquirir, e aplicá-los nos segmentos de mercado mais atractivos. Por exemplo, sob a liderança de Hubert Joly, a Best Buy executou uma estratégia audaciosa de crescimento no cuidado de idosos. A empresa identificou a megatendência de uma população envelhecida e analisou as vantagens que tinha como marca de confiança com alcance nacional e o exército de pessoas de apoio técnico da Geek Squad. Identificou as principais preocupações dos clientes – como a forte vontade dos idosos de envelhecerem em casa e o desejo dos seus filhos adultos de saberem que estão seguros. Isto levou a Best Buy para novas áreas de produtos e serviços, bem como algumas aquisições, com o intuito de desenvolver ofertas para os segmentos de mercado mais atractivos. Definir assim uma zona de caça ajuda a alinhar a energia dos exploradores empresariais com o local onde o negócio está pronto a investir.


RESPONDER AO GRANDE “PORQUÊ”

Liderar a inovação em empresas estabelecidas é um trabalho árduo. As grandes empresas são vítimas de disrupção porque não a vêem chegar: a Kodak tinha todos os recursos de fotografia digital de que precisava, a Nokia tinha o mesmo para o smartphone, a Blockbuster não quis adquirir a Netflix, e a Barnes & Noble podia ter adquirido a Amazon. O problema é que a atracção gravitacional do negócio tradicional torna intensamente difícil justificar investimentos que parecem servir uma agenda diferente. Quando ameaçados, nós, humanos, procuramos segurança naquilo que sabemos: as competências, capacidades e rotinas que nos fizeram ter sucesso. Isto torna ainda mais difícil a mudança para novas áreas de oportunidade.

A ambição estratégica proporciona uma aspiração emocionalmente envolvente que cria uma ponte lógica entre o passado e o futuro. Responde à grande pergunta “porquê?” que diz aos exploradores empresariais nascentes que não há problema em arriscar levar o negócio para o desconhecido. E fornece o contexto para os exploradores empresariais idealizarem e incubarem a inovação e novos modelos de negócio e eventualmente escalarem alguns deles.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 192 de Março de 2022

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