Tecnologia ajuda a monitorizar a epilepsia pediátrica

José Carlos Ferreira, neuropediatra. Foto: Nuno Carrancho

A epilepsia é uma doença que se caracteriza por uma predisposição duradoura para gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais das mesmas. Há, no entanto, algumas diferenças quando se fala de crises epilépticas e epilepsia. Uma crise epiléptica é a ocorrência transitória de sinais ou sintomas devidos a uma actividade neuronal excessiva ou síncrona no cérebro, com duração variável (geralmente entre alguns segundos a vários minutos) ou seja, é um evento resultante de uma disfunção temporária da actividade eléctrica cerebral. Epilepsia, por seu turno, é uma doença que se expressa através de crises epilépticas recorrentes (duas ou mais, separadas por intervalo superior a 24h ou uma crise única associada a um elevado risco avaliado de repetição), súbitas e imprevisíveis, incontroláveis pelo doente.

José Carlos Ferreira, neuropediatra, explica que «grande parte dos doentes com epilepsia consegue controlar bem as suas crises e viver uma vida praticamente normal. No entanto, há casos em que não é assim. A epilepsia é diferente em cada pessoa e nem todos os fármacos são eficazes para todas as crises».

Quando a epilepsia não pode ser tratada com medicação, estamos perante aquilo a que se chama epilepsia refratária. Segundo José Carlos Ferreira, «os doentes com epilepsia refratária podem ou não ser candidatos a um tratamento cirúrgico à epilepsia. Existem alguns tipos de epilepsia que não podem ser tratados com medicamentos e em que se pode propor um tratamento alternativo que consiste em operar a área do cérebro que é responsável pelas crises».

Neste processo é muito importante registar as crises num electroencefalograma no momento exacto em que elas estão a acontecer e «isto é algo que não acontece em condições normais». Foi devido a esta necessidade que, em 2008, foi desenvolvido um sistema no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO) para a monitorização remota de epilepsia pediátrica no Hospital de São Francisco Xavier e no Hospital de Egas Moniz, em Lisboa, que aumentou o número e a capacidade de sucesso das intervenções cirúrgicas em crianças com epilepsia. Este sistema, financiado e desenvolvido tecnologicamente pela Fundação Vodafone Portugal, foi criado para permitir um acompanhamento mais rápido da situação dos doentes e uma tomada de decisão mais fundamentada e precoce, optimizando o tempo e as condições de diagnóstico, o que leva a uma maior segurança e conforto das crianças seguidas.

José Carlos Ferreira explica que para a tomada de decisão sobre a necessidade ou não de uma cirurgia, «as crianças são internadas e ficamos a aguardar que ocorra uma crise epiléptica. Muitas vezes, durante este internamento, procedemos à redução ou mesmo suspensão da medicação para facilitar a ocorrência de uma crise. Isto só pode ser feito em ambiente de internamento hospitalar». No entanto, com este sistema de monitorização desenvolvido pela Fundação Vodafone, a criança internada já não precisa estar confinada à cama do hospital, visto que a informação recolhida é enviada por wireless para o software de diagnóstico. O sistema veio permitir ao corpo clínico observar à distância os exames a que o doente é submetido. Do mesmo modo, tornou-se possível um acompanhamento mais rápido dos doentes e «uma tomada de decisão mais ágil, mais fundamentada e mais precoce, com optimização do tempo e das condições de diagnóstico».

 

Como é feito o exame de diagnóstico

Tal como foi referido anteriormente, para realizar os exames que poderão levar à decisão por uma cirurgia, as crianças são internadas durante o período de tempo necessário até que ocorra uma crise epiléptica, de forma a ser monitorizada e registada a informação em tempo real, no momento da crise. José Carlos Ferreira explica que «tipicamente o doente é internado numa segunda-feira e pode ficar até ao final da semana. Raramente é necessário ir além desse período de tempo».

No entanto, existem situações especiais em que «em que em vez de haver a tripla aquisição de imagem, som e electroencefalograma com os fios colocados na cabeça, esta monitorização é feita com os fios colocados dentro da cabeça. É feita uma pré-cirurgia para colocar os fios em cima ou dentro do cérebro e ficamos a monitorizar 24 horas por dia até à ocorrência de uma crise. Nestes casos, passe o tempo que passar, o doente não tem alta até ter uma crise».

 

A cirurgia

Além da segurança e conforto que o sistema de monitorização trouxe a estes doentes, «este processo de registo das crises é fundamental, e sem ele não se faz uma cirurgia de epilepsia. Os doentes têm de ser muito bem estudados e tem de ser identificado o local exacto do cérebro que é responsável pelas crises, de forma a que se possa remover o problema sem causar outros danos adicionais àquele que a pessoa já tem. Não podemos fazer uma cirurgia para parar as crises epilépticas e por outro lado, afectar alguma zona do cérebro responsável por funções motoras ou pela linguagem, por exemplo». É por isso que é tão importante dispor de um sistema de monitorização que permita um acompanhamento em tempo real e resultados claros da situação do doente, principalmente durante a ocorrência da crise epiléptica.

Quando bem-sucedida, explica José Carlos Ferreira, «a cirurgia tem resultados muito positivos na qualidade de vida. Os doentes passam a ter uma vida normal».

Apesar dos benefícios, existem muito mitos e receios no que diz respeito a cirurgias ao cérebro, pelo que muitas vezes os pais apresentam reservas. José Carlos Ferreira esclarece que «todas as cirurgias têm riscos, e por isso os pais, no caso de cirurgia pediátrica, têm de ser devidamente informados da situação, do porquê da cirurgia e dos cenários, bons e maus, envolvidos. Por vezes é muito difícil para os pais aceitar a cirurgia, mas existem casos em que a ocorrência de uma grande frequência de crises epilépticas em idades muito precoces pode mesmo comprometer o desenvolvimento físico e mental da criança. Nesses casos, se a cirurgia for indicada, compensa, sem dúvida, os riscos, no sentido em que vai permitir o crescimento normal. Noutros casos, em crianças mais velhas, a cirurgia tem como benefícios a suspensão das crises e um acréscimo muito significativo da qualidade de vida».

 

Porque é que a epilepsia surge em crianças?

José Carlos Ferreira explica que «qualquer pessoa pode ter uma crise epiléptica e a epilepsia pode aparecer em qualquer idade, mas há dois momentos da vida em que é mais frequente: na idade pediátrica e na terceira idade».

«A genética é uma das explicações» para o surgimento da epilepsia em crianças; já nos adultos a epilepsia pode aparecer como efeito secundário de outras situações, como pequenos AVC ou outras ocorrências que vão acontecendo no cérebro ao longo da idade e que depois se tornam causas de epilepsia.

«Quem tem epilepsia deve ser tratado, seja em que idade for, porque a qualidade de vida muda completamente quando a doença está controlada», afirma José Carlos Ferreira. «Em termos gerais, as pessoas têm uma vida completamente normal, excepto na parte de ocasionalmente terem uma crise epiléptica. Mas a medicação serve precisamente para reduzir a ocorrência das crises e, muitas vezes, suspendê-las. É claro que em casos de epilepsia refratária, em que a medicação não resulta, a doença torna-se mais difícil de controlar e pode tornar-se necessária a cirurgia».

 

O papel da Fundação Vodafone

Em 2008 foi apresentado pela primeira vez o sistema de monitorização remota de epilepsia pediátrica desenvolvido pelos neurologistas e pediatras do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO) e pela Fundação Vodafone Portugal. Este sistema, essencial aos exames que precedem a cirurgia à epilepsia, veio aumentar o número e a capacidade de sucesso das intervenções cirúrgicas em crianças com esta doença.

A epilepsia afecta cinco em cada mil habitantes em Portugal e, nos casos em que a medicação não é solução (epilepsia refratária), pode ser necessário recorrer a intervenções cirúrgicas de remoção de determinadas áreas do cérebro, responsáveis pelas convulsões. Antes da cirurgia são efectuados exames prévios extremamente rigorosos, com o objectivo de detectar com precisão essas áreas susceptíveis de intervenção. Nesses exames é frequentemente necessário suspender o tratamento medicamentoso, no todo ou em parte, facilitando o aparecimento das crises. Assim, torna-se essencial que a criança esteja internada em ambiente pediátrico hospitalar e é necessária a análise rápida dos traçados para minimizar a duração do exame e do período de risco.

Graças ao recurso às comunicações móveis e à implementação de uma aplicação informática específica, o sistema de monitorização implementado veio permitir aos médicos observar estes exames (vídeo-EEG ou vídeo electroencefalograma) num computador ou em mobilidade, mesmo fora do ambiente hospitalar. Este processo de análise dos traçados e das crises, pelo médico electroencefalografista, veio permitir também uma tomada de decisão mais fundamentada e precoce, adaptando as comunicações móveis ao serviço do tratamento da epilepsia.

O sistema foi criado para contribuir para um aumento da oferta de soluções cirúrgicas, sobretudo em crianças. A intervenção precoce permite minimizar os riscos, para o desenvolvimento psicomotor, de uma epilepsia não controlada ou do uso prolongado de medicações anti-epilépticas. Para isso foi criada uma plataforma informática que permite seleccionar as imagens do traçado EEG e da crise epiléptica e enviá-las por Internet ao médico neurofisiologista que será previamente alertado por uma SMS ou chamada telefónica.

Adicionalmente, este sistema não obriga à imobilização das crianças na cama hospitalar durante os períodos de internamento, graças à utilização de comunicações sem fios.

Este projecto, que conta já com 11 anos de funcionamento no Hospital de São Francisco Xavier e no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, resultou de uma parceria entre o CHLO e a Fundação Vodafone Portugal, que desenvolveu a plataforma informática e o sistema de comunicações móveis, garantindo também todos os custos financeiros envolvidos na aquisição dos equipamentos.

 

Paulo Mendonça

(Artigo originalmente publicado na Kids Marketeer nº9)

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