Detecção e combate à fraude fiscal
Por Pedro Oliveira, Compliance Officer da Optimize Investment Partners SGFIM
A fraude fiscal divide-se em fraude fiscal simples, por exemplo quando ocorre uma fuga ao fisco, ou fraude fiscal qualificada, que está associada a actos ilícitos, onde ocorre a participação de funcionários públicos ou outras situações complexas e com penas mais gravosas.
A fraude fiscal tem vindo a ganhar cada vez mais destaque, uma vez que é o erário público, e, consequentemente, os contribuintes cumpridores, os maiores lesados dos crimes fiscais. Isto porque a receita não arrecadada terá que ser compensada, pelos restantes cidadãos, com uma carga fiscal mais elevada, o que acaba por gerar um maior sentimento de condenação e revolta. Como revelado pelo inquérito divulgado em Outubro de 2019 pelo grupo de reflexão Conselho Europeu de Relações fiscalidade Exteriores, 64% dos inquiridos consideram que a corrupção é um problema significativo para Portugal, o que demonstra a percepção da sua vasta dimensão.
Para além de uma preocupação dos cidadãos, o combate à fraude e evasão fiscal é também um desígnio do Governo, uma vez que permite aumentar as receitas fiscais sem onerar ainda mais os contribuintes cumpridores. De acordo com o Relatório sobre o Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras de 2018, «em 2018, a receita fiscal cresceu 4,7%, acima do crescimento do PIB (2,1%). E tal acontece num contexto em que não há nenhum aumento das taxas de imposto». Estes números juntam- se aos 1.731,5 milhões de euros recuperados no âmbito de acções de combate à fraude e evasão fiscais, de acordo com o Relatório de 2017.
Estes números são fruto de uma melhoria contínua da capacidade de actuação da Autoridade Tributária, nomeadamente através do reforço das soluções tecnológicas, bem como das alterações regulamentares, que dão mais poderes e permitem obter mais informação relevante. Dois bons exemplos da troca de informação resultante da cooperação internacional são a regulamentação FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act) e CRS (Common Reporting Standard) – iniciativas de troca de informações fiscais e financeiras entre as Administrações Fiscais de Portugal e congéneres, o que, entre outras iniciativas, fez com que a informação enviada pela Autoridade Tributária a outras administrações fiscais tenha aumentado 378% e a informação recebida aumentado 27% em 2018.
As obrigações regulamentares decorrentes do FATCA e CRS traduzem-se no envio obrigatório de informação por parte das instituições financeiras reportantes sobre saldos de conta e pagamentos recebidos nas contas dos seus clientes que sejam residentes de outras jurisdições participantes. Sendo o FATCA um reporte para os EUA e o CRS para as restantes jurisdições cooperantes, abrange a troca de informação com mais de 100 jurisdições, incluindo países como Brasil, Suíça, França, Alemanha, Irlanda, Luxemburgo ou Reino Unido.
Mais recentemente, foi publicada a obrigatoriedade da comunicação de contas financeiras de residentes nacionais com saldos superiores a 50.000 euros por parte das instituições reportantes, o que permitirá à Autoridade Tributária obter um vasto conhecimento das contas com saldos mais elevados e seus respectivos titulares.
Foi também implementado este ano de 2019 o Registo Central do Beneficiário Efectivo, onde, de forma declarativa, têm de ser identificadas todas as pessoas que controlam uma empresa, fundo ou entidade jurídica de outra natureza.
Toda esta informação, para além da obtida já anteriormente pela Autoridade Tributária, como, por exemplo, a declaração do IRS, informações declaradas pelas empresas e sobre imóveis, cria uma base de dados vasta e riquíssima, que lhe permitirá cruzar informações, possibilitando a comparação dos rendimentos declarados com o património detido, e obter indícios sobre casos concretos de risco elevado, de montantes materiais e potenciais fraudes fiscais, como, por exemplo, rendimentos não declarados ou património no estrangeiro não declarado.
Outro mecanismo interessante de detecção de potenciais fraudes fiscais é o incentivo a programas de whistleblowers (denunciantes), que permitiria não só protegê- los, como recompensá-los com uma pequena percentagem dos impostos arrecadados com base na sua denúncia. Neste âmbito, foi aprovada em Abril a Directiva de Protecção de Whistleblowers pelo Parlamento Europeu, sobre a qual o vice- -presidente da Comissão Europeia, Franz Timmermans, indica: «Devemos proteger os whistleblowers de serem punidos, despedidos, despromovidos ou perseguidos na Justiça por fazerem o que está certo pela sociedade. (…) Isto vai ajudar a combater a fraude, a corrupção, a evasão fiscal nas empresas e danos contra o ambiente e a saúde de todos.» Segundo a Comissão Europeia, só 10 Estados-membros da UE asseguram hoje protecção aos denunciantes, e Portugal não é um deles.