A nova taxa do Banco central Europeu
A taxa entrou em vigor no início de Outubro e irá substituir gradualmente a Eonia (Euro Overnight Index Average), havendo uma coexistência das duas até ao final de 2021. Por agora, esta taxa não deverá ter nenhum efeito visível no crédito das famílias, mas é parte integrante de uma reforma que o Banco Central Europeu (BCE) quer fazer às taxas de juro de referência e que prevê mudanças também nas taxas Euribor, o principal indexante associado ao crédito à habitação em Portugal.
E por que razão foi necessária a criação de uma nova taxa? Na última crise financeira, foram levantadas muitas dúvidas relacionadas com a fixação dos valores das taxas, e a fiabilidade dos modelos praticados até à época começou a ser questionada. A União Europeia chegou mesmo a multar grandes entidades financeiras, tais como o Deutsche Bank, Crédit Agricole, UBS e Citigroup por manipulação da informação.
Nesse sentido, as autoridades europeias aprovaram, em Junho de 2016, um novo regulamento relativo aos índices utilizados como referência para instrumentos e contratos financeiros – em inglês, EU Benchmark Regulation (BMR). A BMR estabelece um quadro comum para assegurar que as taxas de juro de referência na União Europeia (UE) cumprem requisitos que garantem a sua fiabilidade e eficiência e protegem consumidores e investidores. Foi por isso definido um processo global de reforma das taxas de juro de referência da área do euro, destinado a assegurar que estas cumprem as exigências da BMR.
COMO SURGIU A ESTER
No ano seguinte, em 2017, e em linha com as novas regras europeias, o BCE decidiu desenvolver uma nova taxa de juro de referência para a Zona Euro, que fosse calculada de acordo com os novos requisitos europeus.
Segundo o Banco de Portugal, esta nova taxa foi criada para «reflectir o custo que um banco tem de pagar quando obtém fundos pelo prazo de um dia (útil) junto de outros bancos ou de outras entidades financeiras – fundos de mercado monetário, fundos de investimento ou pensões e outros agentes financeiros, incluindo bancos centrais –, sem ter de dar uma garantia para obter esse financiamento». Deste modo, a Ester é mais abrangente do que a taxa que vem substituir. Isto porque a Eonia, a actual taxa de juro da Zona Euro, é calculada apenas com base em operações de cedência de fundos dos bancos a outros bancos pelo prazo de um dia útil.
O Banco de Portugal acrescenta que a Ester «tem por base um maior número de bancos» e é mais abrangente «em termos de operações e contrapartes». Para o regulador, esta maior abrangência vai permitir fornecer uma indicação mais fiável do custo dos empréstimos sem garantia na Zona Euro pelo prazo de um dia.
Apesar da introdução da nova taxa, a Eonia vai continuar a ser publicada e coexistirá com a Ester até ao final de 2021. O cálculo será, no entanto, feito com base no valor da Ester, acrescido de um spread de 8,5 pontos base. Com estas alterações, o BCE pretende que as taxas de referência cumpram requisitos de fiabilidade e referência e sejam à prova de manipulações de preços. A Ester, segundo o BCE, «irá reflectir os custos de empréstimos overnight não garantidos do euro para os bancos da área do euro e complementará as taxas de referência existentes produzidas pelo sector privado, servindo como uma taxa de referência de backstop».
As diferenças entre a Ester e a Eonia começam, desde logo, em quem as administra. A Eonia é administrada pelo sector privado, através do European Money Markets Institute (EMMI), enquanto a Ester é única e exclusivamente administrada pelo BCE. Outra diferença reside no facto da Eonia ser fixada tendo por base os dados entregues voluntariamente pelos 28 bancos do painel, enquanto a Ester irá implicar a apresentação diária de dados dos bancos que reportam, de acordo com o Regulamento do MMSR (Money Market Statistical Reporting, ou, Relatório Estatístico do Mercado Monetário). O objectivo é, para o BCE, ter um maior controlo nas taxas indexantes do mercado do Eurossistema.
E A EURIBOR?
Nesta reforma das taxas de juro de referência por parte do BCE, resta saber o que vai acontecer à Euribor (Euro Interbank Offered Rate), aquela que influencia, de facto, as famílias, dado o seu efeito no crédito à habitação.
Até ao fim do ano poderá surgir alguma novidade relacionada com a Euribor, uma vez que o BCE está a introduzir alterações significativas na sua forma de cálculo. Segundo o Banco de Portugal, a taxa «deverá ser calculada, de forma mais robusta, com base em transacções efectivas de obtenção de fundos no mercado monetário sem garantia do euro, por parte do painel de bancos contribuidores, junto de um conjunto alargado de contrapartes, quando disponíveis».
Esta reforma da Euribor está a ser liderada pelo EMMI, recentemente nomeado pela autoridade de supervisão financeira belga, a Financial Services and Markets Authority (FSMA), como administrador desta taxa de juro de referência. O EMMI prevê que o processo de reforma esteja finalizado no final do ano, e que, a partir desta data, esta taxa seja calculada utilizando exclusivamente a nova metodologia.
À partida, a nova forma de cálculo da Euribor não deverá, pelo menos para já, resultar em perdas para os consumidores, até porque, se isso acontecer, os bancos poderão ser alvo de processos motivados pelo facto dos contratos de crédito não preverem uma mudança de cálculo ou substituição das taxas Euribor.