A Rússia depois de Putin: Se o Presidente morrer sem deixar sucessor, pode emergir um regime “mais violento, belicista e repressivo”
A “morte anunciada” de Vladimir Putin tem ganhado impulso nos últimos meses, com cada vez mais notícias a apontar para uma saúde fragilizada, para algum tipo de cancro ou doença degenerativa. Acumulam-se as incertezas sobre se o Chefe de Estado russo continuará por muito mais tempo na liderança do país.
Para Tatiana Stanovaya, investigadora do instituto Carnegie Endowment for International Peace, a saída de Putin é hoje uma questão de “quando” e não tanto uma questão de “se”. Num artigo de opinião publicado no ‘The Moscow Times’, a especialista diz que, sejam verdadeiros ou não, os rumores da saúde debilitada do Presidente russo têm levado muitos a devotar cada vez mais atenção ao que poderá ser uma Rússia pós-putin.
“A oposição tende a acreditar que se Putin partir, o seu regime irá com ele e haverá uma oportunidade para uma ‘nova perestroika’. Os conservadores pensam que esse momento será uma oportunidade para limar arestas”, escreve Stanovaya. Ela sugere que, para os conservadores leais a Putin, a saída do líder do Kremlin não significaria necessariamente a saída do putinismo, mas poderia dar azo a uma consolidação do regime autocrático.
A pergunta, então, impõe-se: quem sucederá a Putin no cargo mais poderoso da Rússia? Stanovaya explica que a Constituição russa não especifica quem assume a Presidência se o Chefe de Estado morrer enquanto estiver no cargo, mas sugere que o procedimento deverá ser o mesmo que se segue em caso de abdicação: ou seja, será o Primeiro-Ministro a assumir temporariamente a Presidência, neste caso, Mikhail Mishustin.
“Na atual situação, a questão da preparação é chave: a partida de Putin será repentina e inesperada, ou ele terá tempo para ungir um sucessor?”, pergunta Stanovaya, explicando que “se o apoio a Putin se mantiver relativamente estável [na altura da sua morte], Putin e o seu sucessor terão ao seu dispor um considerável capital político – o que podemos chamar de ‘a ideologia do Putinismo’”.
No entanto, a especialista argumenta que se Putin deixar o cargo inesperadamente, sem que tenha havido tempo suficiente para preparar o sucessor, “tudo fica muito mais imprevisível”. Nesse caso, a elite política da Rússia terá uma margem de manobra maior para poder conquistar o poder, na ausência de um claro herdeiro putinista.
Estando o Primeiro-Ministro no primeiro lugar da sucessão, a investigadora acredita que o primeiro sinal de que uma sucessão está em curso será a nomeação de um novo líder do governo. A investigadora não crê que Putin veja em Mishustin um sucessor adequado, pelo que o primeiro será substituí-lo.
Se o atual líder russo morrer repentinamente e o Primeiro-Ministro subir ao cargo de Presidente interino, o Conselho da Federação, a câmara alta do parlamento russo, terá 14 dias para convocar novas eleições presidenciais.
Se Putin morrer sem um claro sucessor, pode esperar-se uma corrida feroz ao poder, diz Stanovaya, antevendo uma “luta intensa” entre a elite política, como membros do setor empresarial, dos serviços de segurança, dos líderes do partido dominante Rússia Unida, e elementos do círculo interno de Putin.
A especialista não afasta a possibilidade da ascensão a poder das forças políticas mais conservadoras, “o que significaria que o regime subsequente seria mais violento, mais belicista, mais repressivo, e ainda mais radicalmente intransigente”, e esclarece que essa visão “está mais em linha com a opinião pública russa no momento do que uma agenda modernizadora ou reformista”.
“Posto de forma simples, tendo em conta o atual clima político na Rússia, quando mais cedo Putin morrer, maiores serão as probabilidades de uma ‘revanche’ conservadora”, prevê Stanovaya.
Mas, como seria de esperar, o Kremlin tem desmentido todos os rumores que apontam para que Putin esteja seriamente doente. Ainda durante o Fórum Económico Mundial que aconteceu na semana passada em São Petersburgo, Putin citou, ainda que erradamente, o escritor Mark Twain para garantir que “Os rumores sobre a minha morte foram muito exagerados” e afastar ideias de que poderá padecer de alguma doença.