Randstad Insight: O paradigma acabou com a guerra

Por José Miguel Leonardo | CEO da Randstad Portugal

A guerra do talento, a guerra do volume… Prefiro chamar a este novo campo de batalha a mudança de paradigma, o resultado da revolução 4.0 que como em todas teve um impacto enorem na história da humanidade.

Mas, afinal, do que é que se trata?

A massificação do acesso à Internet, as redes sociais e os dispositivos cada vez mais móveis mudaram comportamentos e criaram fontes “infinitas” de “informação”. Real ou não, o universo dos comentários nunca foi tão viral. Entre blogs, vlogs, youtubers e digital influencers com perfis de redes sociais que têm milhões de seguidores, os dados, os factos, as criações, as verdades ou as não verdades nunca proliferaram tanto. E não se trata de um fenómeno geracional se considerarmos que hoje comunicamos até como tio que vive nas pastagens do Alentejo via WhatsApp e que o Facebook cada vez mais junta gerações 65+.

Este fantástico mundo novo, que pode ter coisas menos fantásticas, veio também mudar o paradigma do emprego. A forma como as empresas se relacionavam com os trabalhadores ganhou novas ferramentas mas também uma comunicação mais directa, um equilíbrio de relação. Se as pessoas sempre precisaram de currículo para contar a sua história, hoje as organizações também têm de ter a sua história, têm de ter essa capacidade de demonstrar quem são, os seus valores, o que oferecem e o caminho que querem seguir. E não basta uma declaração de intenções. Entre promotores, detractores e indiferentes, a empresa tem de fazer o seu processo de autoconhecimento e, de forma constante, tem de compreender o que os outros à sua volta acham de si. A estratégia infantil de fechar os olhos e de achar que ninguém nos vê não vai funcionar e quando abrirmos os olhos, o caminho a percorrer pode ser demasiado longo.

Num mundo onde as pessoas têm cada vez mais voz, onde existe uma democracia no acesso aos canais de comunicação, as empresas têm de perceber como chegar a elas. Já não basta estar sentada em cima de uma marca forte e redigir contratos de 20 alíneas dizendo tudo o que o trabalhador terá de dar. Temos de equilibrar esta troca e mostrar mais o que somos. Nesta mudança de paradigma muitas das vezes vemos o factor talento ser introduzido como elemento-chave. O chamado “missmatch” de competências ou, numa visão mais económica, a desadequação da oferta à procura. É verdade, se as pessoas fossem batatas era disso mesmo que se tratava, existia uma procura de batatas superior ao número de batatas disponíveis no mercado e isso levava ao aumento do preço e ao crescimento do investimento nas plantações. Mas se nas batatas, cenouras e afins esta é a estratégia, nas pessoas não se pode aplicar por completo esta regra básica da Economia. Porque ao contrário de uma batata que não se transforma em cenoura por muita manipulação que possa ser feita (pelo menos do que temos conhecimento hoje), as pessoas têm um potencial enorme para se adaptarem e aprenderem. Na verdade é o que nos tem distinguido como espécie e o que vai continuar a ser o nosso maior diferencial. Somos capazes de aprender, reaprender, criar, imaginar e fazer acontecer. Por isso, nesta desadequação, mais do que olharmos para o princípio do processo de aprendizagem e acharmos que todos têm agora que ser programadores, temos de reconhecer o potencial da oferta que existe no mercado e adaptar às necessidades das empresas. É interessante verificar que no Randstad Talent Trends Report de 2018 que apenas 11% dos gestores de talento e de negócio de 17 países diferentes reconhecem como uma tendência a formação ou reconversão para desenvolvimento de competências que respondam às necessidades da empresa nos próximos 12 meses. Este desacreditar de quem gere pessoas é preocupante se considerarmos o fenómeno demográfico actual e previsional ou mesmo se mapearmos a realidade das competências no mundo face às necessidades de hoje.

Incluir a variável do talento nesta guerra ou melhor no paradigma não é mais do que usar um sinónimo de talentos. Pessoas são exactamente isso, talentos, espécies com capacidade de aprender. Por isso, nesta mudança de paradigma existe uma responsabilidade estratégica das empresas de compreender o seu caminho, um caminho que não se faz apenas de tecnologia mas que equilibra estes dois elementos, considerando sempre que o valor acrescentado está nas pessoas, por esse potencial  desconhecido mas que faz parte do seu ADN.

Deixemos a guerra e trabalhemos reconhecendo a mudança dos papéis e até aplaudindo esta alteração que vai, com toda a certeza, destacar empresas com mais valores e valor a acrescentar ao mundo.

Estudo publicado na Revista Executive Digest n.º 144 de Março de 2018.

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