Ser professor em Portugal!
Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Reconheço que apenas agora entendi os problemas que o país sofre pela falta de uma estratégia eficiente para o ensino. Embora continue a não perceber nada desta área, nunca fui membro de um sindicato (embora respeite muito a missão de alguns sindicatos ditos “tradicionais” na sua missão) ou professor a tempo inteiro na função pública. Só conheço a realidade que me é próxima.
A educação é o fator mais diferenciador de um país, a Irlanda que o diga. Só apresentamos o regime fiscal como “alavanca” do crescimento económico deste país, mas não é verdade. A educação e o talento é o principal factor (mesmo na gestão da imigração este fator é levado em conta); também a proximidade dos decisores políticos às empresas e suas necessidades operacionais; a definição dos clusters estratégicos( farmacêutico, tecnologias de informação, turismo, indústria de máquinas e equipamento) onde o país pretende ter sucesso; a possibilidade de ser o país de ligação entre Europa e Reino Unido e a sua forte ligação aos EUA… não é só pagar menos impostos diretos mas também ter recursos humanos de qualidade elevada e suficientes para “alimentar” as necessidades das empresas. Daí a aposta na educação e ensino.
Voltando à educação, vou contar a experiência de alguém que me é próximo. Não pretendo defender nenhuma posição mas apenas apresentar fatos. Decidam por vocês!
Este professor não está “efectivo” em nenhuma escola e portanto “candidata-se” às escolas com necessidades de professores (falta de candidatos ou ausências), depois da primeira fase de colocação. Escolhe as escolas que preferencialmente têm horários completos disponíveis. Porque se assim não for, não dá para pagar as despesas. Isto acontece apenas em setembro, sendo que até lá fica “em suspenso”. Vive em Viseu e socorre-se do apoio administrativo do sindicato dos professores no preenchimento de toda a burocracia.
Entretanto foi informado a uma 6f que poderia ficar, em regime de contrato anual, colocado em Lagos. Sim, lagos no Algarve a 700 kms de casa. E que teria de se apresentar na 2f seguinte, ou seja 3 dias depois. Dado que não pode pagar um automóvel, foi de autocarro de Viseu a Lagos na 2f com a casa às costas. Foi muito bem recebido na escola e ficou com as turmas da manhã e da noite. Só que não tinha ainda onde ficar, tinha portanto de arranjar um quarto. Setembro ainda é época alta no Algarve, pelo que os quartos custavam, pelo menos, 450€ mensais , sem WC privativo. Como ninguém passa recibo no arrendamento do quarto no Algarve, não podia pedir o apoio municipal para professores deslocados.
Passaria cerca de 12h na escola, pois não tendo dinheiro, não poderia “andar para a frente e para trás”a gastar em transportes. Tinha ainda de comer na escola pois é mais barato (mas tem de pagar mesmo não tendo dinheiro). Para um salário de 1.200€ brutos mensais não dava para alimentação, transportes e quarto. Tinha de optar… A família deu dinheiro para este recomeço. Mas efetivamente não dava pois o custo de vida no Algarve não é compatível com o salário de um professor contratado, de fora da região. Procurou colocação noutra escola e encontrou no concelho de Mafra. Lá foi novamente, de mala às costas (pagando as família as despesas), pois o salário de setembro das aulas dadas em Lagos, só chegaria um mês depois.
Adorou a escola e assinou contrato, rescindindo o de Lagos que ficou sem professor. Faltava o quarto, que procurou durante todo esse dia, mas não havia nada a preço que um professor pudesse pagar. O salário aqui é maior (1.400€ brutos), mas os preços de alimentação e dormida continuam altos. E a família a pagar.
Entretanto fica doente e precisa de um médico. Mas o médico de família está em Viseu pois em 3 dias não consegue mudar de centro de saúde. Para além de ter medo de ficar sem médico de família, como 1,5 milhões de portugueses. Coloca baixa quando volta para Viseu para se tratar. E os alunos ficam sem aulas, o professor sem salário e ainda sem quarto.
Dez dias depois apresenta-se na escola, tendo sido embaraçado pela diretora, que apesar de conhecer a situação, estava (e com razão) insatisfeita pelo facto dos alunos terem perdido 2 semanas de aulas. A outra professora da mesma disciplina está muito perto da reforma e ausenta-se regularmente por motivos de saúde. Teve sorte, encontrou um quarto muito perto da escola, por 350€ com recibo. Entretanto cortou luz e água da casa em Viseu que vai ficar vazia um ano. Sendo uma casa muito antiga, sem condições, não consegue arrendar para ajudar nas despesas.
Aí vai o professor e no primeiro dia de aulas, acreditando no programa de modernização escola digital, espera a entrega do seu computador de trabalho. Mas não há. Nem para o professor, nem para os alunos… o informático da escola reiterou que esse não é um problema dele, mas da direção, quando confrontado pelo professor com a inexistência de suporte informático. Nada! Tem portanto que urgentemente comprar um laptop por 104€ para começar a ensinar. Já gastou mais de metade do salário recebido entretanto de Lagos, em apenas 2 dias: entre quarto, transporte, comida e agora laptop. Sobram 300€ para comer e viver durante um mês. Não chega e portanto lá terá a família de pagar novamente.
Oferece-se probono para dar aulas de recuperação dos alunos, de forma a compensar a ausência de dez dias… é aceite e portanto vai trabalhar de borla para não prejudicar os alunos. É professor de português, uma disciplina fundamental para os alunos e sabe dessa responsabilidade acrescida.
Só vai poder regressar a Viseu e ver a filha em dezembro, pois não tem dinheiro para os transportes.
Entretanto a família já doou mais de 2.500€ em 2 meses, para este docente trabalhar.
Face a isto, compreendo que ninguém queira ser professor. Eu não quereria!
E não se trata apenas de baixos salários, algo transversal ao país. Embora alguém que molda a nossa geração futura deveria ser bem pago para viver com dignidade (assim como quem trata da saúde dos nossos cidadãos). Adiante!
O problema, como dizia, não são só os baixos salários. É a falta de organização do ministério da educação e da colocação dos professores. A ineficiência e falta de apoio na questão da habitação e transporte para os professores de “casa às costas”. A falta de controlo na implementação do programa de modernização digital. A inexistência de carreira meritocrática nesta profissão baseada num sistema de avaliação (SIADAP) que é um pesadelo. A falta de racionalidade na colocação e efetividade por escolas. A inexistência de apoio e tutoria dos professores em escolas novas. A desmotivação de todos que trabalham aí. E estes problemas não são causados pelo ministro. É responsável por eles mas a causa está na ineficiência do estado. De quem trabalha no ministério da educação e deveria ser “accountable” pelo sucesso deste processo. Só que a responsabilidade não é apenas dos políticos (os sindicatos e o corporativismo também têm alguma responsabilidade pois nunca exigem nada mais que salário e recuperação de carreiras).
8 anos de governo já permitiam ter reformado esta área fundamental da sociedade e da economia de um país. Tinha que existir coragem para fazer mudanças estruturais! Mas não há, é mais confortável manter o status quo com umas greves à mistura. Nunca são muitas pois os professores precisam do dinheiro e não podem faltar muito. Quem sofre são os alunos que não têm aulas e os pais que não podem ir trabalhar. Na essência o prejuízo é do futuro do país…
E se não houvesse família para pagar as contas deste docente?