Quando a santa ignorância toma conta…

Por Manuel Lopes da Costa, Empresário

Se há coisa que me tira do sério é gente ignorante, malformada e nada informada acreditar que, do alto da sua sapiência, ou melhor, da sua não sapiência, pode ter comportamentos ofensivos para quem unicamente quer o bem e trabalha afincadamente em prol dos outros. Vem isto a propósito da notícia “Gouveia e Melo recebido com insultos de manifestantes anti-vacinas. O vice-almirante Gouveia e Melo foi recebido no sábado à noite por algumas dezenas de manifestantes anti-vacinação, que gritavam ‘assassino’”(in dn.pt de 15/08/2021).

Ou seja, um reduzido bando de energúmenos —sinceramente não consigo encontrar outra classificação — insultou quem, nos últimos meses, tem realizado uma obra notável em Portugal e a nossa comunicação social, sempre ávida de peixeirada, deu-lhes palco. Portou-se mal a comunicação social, portaram-se mal essas pessoas e agiu muito mal qualquer grupo de influência que tenha estado por detrás dessas pessoas.

Pergunto: esses “palermas” sabem o que são vacinas? Têm alguma ideia que sem vacinas a raça humana já teria, muito provavelmente, sido dizimada? Sabem que muitos cientistas estudaram toda uma vida unicamente com o intuito de melhorar a nossa saúde pública? Sabem que, antigamente, uma simples gripe matava milhares de seres humanos? Sabem que qualquer doença para a qual temos hoje vacina, sem ela, provocaria a morte de grupos populacionais inteiros? Algum desses manifestantes é engenheiro biológico? Biotecnológico? Especialista em virologia? Médico? Farmacêutico?  Duvido. O que são é arruaceiros, puros e duros. “Genocídio!” como muito gostaram de gritar era exatamente o que teríamos se nada fosse feito e não tivéssemos vacinado a população, a tempo e horas, como só a equipa de Gouveia e Melo soube tão bem fazer e depois do que foi a amostra de desorganização perpetuada pela anterior liderança da task force. Pior, há os que ainda não satisfeitos com simplesmente protestar, se dedicam a vandalizar. “Centro de Vacinação da Azambuja vandalizado durante a noite” (in dn.pt de 16/08/2021).

Criticar é fácil, fazer é mais difícil. Mas, criticar sem estudar os assuntos, sem os analisar e sem conhecimento de facto das matérias é cobarde e intelectualmente desonesto. E é cobarde porque quem o faz parte do princípio que vai ter palco para divulgar meras alarvidades e aproveita-se disso. Infelizmente, este é um modus operandi cada vez mais em voga em Portugal. E, tal como qualquer bêbedo começa a proferir alarvidades após ter ingerido doses insanas de álcool, alguns portugueses limitam a sua pesquisa sobre determinados assuntos unicamente ao que consomem nas redes sociais e na internet para, depois, as tentarem divulgar com estrondo. O que estas pessoas visualizam no Youtube, ou no Facebook, passa a ser verdade e, mesmo quando se deparam com o maior dos disparates — como, por exemplo, que as vacinas matam crianças ­—acreditam que estão credenciadas para ir para a rua proferir as maiores barbaridades que sustentam em fontes de verdade irrefutáveis como o TikTok, o Discord, o Instagram, o Youtube, o Facebook ou ainda outra qualquer fonte similar de verdades absolutas. Convém lembrar que estudar, analisar, discernir e formar uma opinião avalizada é algo complexo e que requer tempo, dedicação e, sobretudo, pensamento, ou seja, requer capacidade intelectual e massa cinzenta. Já, ver filmes e ler posts nas redes sociais, absorvendo informação não filtrada e dando-lhe posteriormente palco — e, por esta via, tornando-a ainda mais credível facilitando desta forma sua disseminação — é bem mais fácil. Mas, no entanto, é também bem mais patético e, o facilitismo que tomou conta das nossas vidas, a isso nos levou. Quem não quer estudar os assuntos é livre de o fazer. Agora, quem não o faz tem que aceitar que quem estuda esses assuntos tem, obviamente, um ponto de vista mais sustentado que merece ser respeitado. Não estudar os assuntos, mas ter a ousadia de refutar toda e qualquer teoria estudada com base no visionamento de três filmes de trinta segundos (por mais que isso também canse e se torne enfadonho…) é algo que vem descrito na teoria do “Monte Estúpido”. Sendo que esta teoria também nos revela que, normalmente, o tom e os decibéis com que alguém defende a sua ideia sobre determinado assunto é inversamente proporcional ao real conhecimento que tem desse mesmo assunto. E, é precisamente esta a razão pela qual vários elementos da nossa sociedade, com acesso fácil aos media, gritam, vociferam e tentam, passando por cima de tudo e de todos, manifestar a suas ideias ruidosamente, enquanto que, quem efetivamente entende das matérias, tende a ficar calado. Trata-se de um silêncio sábio porque, sabendo estas pessoas tanto sobre estas matérias, e assistindo a tanta controvérsia em torno delas, estas tendem, humildemente, a pensar que, eventualmente, o melhor será revisitar as suas conclusões de modo a se assegurarem da veracidade das mesmas. E, é assim que, infelizmente, raros são os momentos em que a população tem a possibilidade de ouvir quem realmente sabe em detrimento de quem nada sabe mas muito fala.

Viver em sociedade implica respeitar todos os seus elementos, implica perceber que há temas que, para poderem ser devidamente discutidos, exigem a quem o faz licenciaturas, mestrados e até mesmo doutoramentos antes de se poder ter a ousadia de partilhar uma opinião. Mas, infelizmente, todos os dias as nossas televisões se enchem de comentadores que, de concreto, nada sabem, mas que muito gostam de opinar sobre tudo. Trata-se de gente a quem é dado palco e que se pronuncia sobre qualquer matéria com ares professorais. Do futebol à física nuclear passando pela pintura rupestre ou ainda o ballet clássico, estes comentadores opinam sobre tudo sem o mínimo de substância que não seja a de ter visto umas coisas nas redes sociais e em outras fontes similares ou, pior ainda, ter lido um post de outro semelhante seu estrangeiro e, simplesmente, fazer plágio descarado dessas inverdades. É necessário começar a valorizar mais quem sabe, dar mais palco a quem nos pode realmente instruir e afastar todos os que, sinceramente, só nos brindam com ideias preconcebidas, não sustentadas, e de fraca qualidade científica. Já estou a contar o número de especialistas em infetologia e virologia que só nesta semana passaram a especialistas em Afeganistão.

Deixem-me ser claro: as redes sociais são uma coisa fantástica; são divertidas, ajudam muita gente a superar a solidão e facilitam a comunicação entre todos, tal como o fizeram, a seu tempo, o telex, o fax e o telefone. Mas, o que as redes sociais não podem, o que não devem, é querer substituir-se ao ensino, ao conhecimento e, muito menos, passar a ser a única fonte de conhecimento a que a generalidade das pessoas recorre.

Urge facilitar o acesso às fontes de informação credíveis. Temos que ter todos referências de seriedade e de credibilidade irrefutáveis na internet. Urge repensar numa forma de curadoria da informação que permita separar o trigo do joio. Se nada for feito para travar o estado atual das coisas, atitudes imbecis como a que ocorreu em Odivelas continuarão a servir como prenúncio daquilo que poderá vir a ser o nosso dia a dia. Ou seja, um quotidiano onde a verdade e a mentira se misturam sem que tenhamos qualquer possibilidade de conseguir destrinçar uma da outra. Espero, sinceramente, estar ainda muito longe desse dia mas, infelizmente, vejo-o a chegar cada vez mais depressa.

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