Os verdadeiros heróis do inútil

Por Nuno España, Gestor

He·rói (latim heros, -ois) – nome masculino; 1. Pessoa de grande coragem ou autora de grandes feitos. 2. Personagem nascida de um ser divino e de outro mortal. 3. Pessoa ou personagem de ficção que tem atributos físicos ou morais muito positivos.

I·nú·til  – adjectivo de dois géneros; 1. Não útil; baldado. 2. Infrutuoso; vão; desnecessário.

O que é afinal um herói do inútil? Desde novo que oiço a minha Mãe chamar-me herói do inútil, seja por partir a aventura, seja pela vontade constante de me pôr à prova, seja pela necessidade de estabelecer objectivos que entendo que muitos não entendam. Desde novo que tento estar à altura deste super título. Afinal de contas herói significa muita coisa (e eu sou dos que acredita que há muitos heróis terrenos) e o útil é um conceito tão subjectivo que será eternamente tema de discórdia entre pessoas cujas ambições e expectativas são tão diferentes (e ainda bem que assim o é!). Assim, todos os dias defino que tipo de herói quero ser e qual é a utilidade que lhe quero dar. Cada um pode construir o seu próprio herói do inútil.

Sem saber bem porquê, sempre gostei das pessoas que se superam. Os meus ídolos não são os profissionais ou as lendas, apesar de os respeitar, pelo talento e dedicação às suas carreiras. Admiram-me sim os que, com excesso de peso, acordam bem cedo pela manhã, todos os dias, e km após km conseguem ir perdendo os kgs que foram acumulando; os que se aventuram em novas experiências, independentemente da idade ou condição física; os que, contra tudo e contra todos, não abdicam dos seus sonhos mais loucos e mais ambiciosos. O burro nunca será velho demais para aprender novas línguas. A auto-superação tem a vantagem de não se reger por classificações ou salários. Qualquer um pode ficar a ganhar se for mais longe que no dia anterior. A experiência, essa ninguém a tira!

E ainda bem que os heróis do inútil têm Mães. A minha sempre foi a que mais suporte nos deu. Não entendendo grande parte das nossas aventuras (talvez porque o seu útil não era o meu e o meu não era o seu), à sua maneira, sempre nos apoiou. É conhecida pelas suas super coronárias, resistentes a ultra-maratronas e ironmans ou provas de preparação rumo ao Dakar. Apesar de todos os riscos, a verdade é que estas aventuras nos enchem de orgulho e acabam por ser parte do que somos.

Hoje falo-vos de dois grandes heróis do inútil – os irmãos Miguel e Pedro Ferreira Pinto.

O Miguel tem 34 anos e pratica triatlo.  Se as provas de longa distância já são duras sozinho, para o Miguel não eram o suficiente. Tinha de levar consigo o Pedro, de 32 anos, que, para além de transbordar alegria e boa disposição, tem paralisia cerebral. Há cerca de dois anos, surgiram os IronBrothers – dois heróis que lançaram um movimento nacional de apoio à Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa (a segunda casa do Pedro), angariando donativos para que esta possa comprar equipamento como carinhas de transporte, cadeiras e gruas e apoiado o awareness para o tema.

Depois de vários testes, uns que correram bem, outros nem por isso (tal como a vida!), conseguiram no fim de semana passado fazer o seu primeiro Ironman completo em Coimbra. Foram mais de 16 horas de prova, de sangue, suor, lagrimas e muitos vomitos, mas sobretudo foram muitas horas em que transbordaram esforço, dedicação, esperança, entrega e uma fé inabalável. Tudo se consegue quando se quer muito.

São Paulo estava certo – “somos fortes, onde somos fracos”. Apesar das limitações e fragilidades, é muito clara a forma como o Pedro é feliz a fazer coisas simples e é uma bênção para todos.  Na simbiose perfeita, é difícil saber se é o Pedro que precisa mais do Miguel ou o contrário. Provavelmente é mútuo e é isso que torna tudo tão especial. Um dá o físico e a cabeça e outro o coração, a paixão e a vontade de querer viver intensamente.

Venham mais aventuras e provas de superação, porque o mundo precisa (desesperadamente) de Migueis e Pedros e de todas as “mães, pais, mulheres, maridos, filhas, filhos, irmãos e irmãs” dos heróis do inútil. Todos podemos ser heróis para alguém e sobretudo para nós mesmos.

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