Os Gigantes também caem

Por Nuno España, Gestor

 

Teve uma infância típica de qualquer criança e ainda numa fase precoce, depois de uma vasta bateria de exames, foi diagnosticada com fibrose quística. Uma doença genética, que afeta geralmente os pulmões. Apesar dos progressos e com 60.000 doentes em todo o mundo, os prognósticos não são fantásticos e a esperança média de vida ronda os 40 anos.

Após a notícia, toda a família ficou em choque mas a Constança decidiu pôr a doença para trás das costas e proibiu que a sentença fosse partilhada com o mundo. A garra de viver veio ao de cima e decidiu criar as suas condições para viver de forma plena. Não sabia o que seria o futuro, mas sabia que não queria ser conotada com algo que a fragilizasse perante todos aqueles com quem vivia e convivia e, no fundo, faziam parte da realidade da sua vida.

A Constança cresceu, estudou e começou a trabalhar em tudo o que havia, porque o importante era fazer-se à vida. Infelizmente há dois anos, a doença cismou em pregar das suas e o estado de saúde da Constança piorou muito.

O antigo campeão do mundo de Ironman, Chris McCormack, considerava que os grandes desafios da vida se superam melhor quando cada um fosse capaz de “embrace the suck”. A Constança levou este conselho a sério e foi em busca de uma solução que passava por um medicamento extremamente caro e não comparticipado. Nesta altura, decide contar aos amigos, expor a situação ao mundo e partilhar a solução. Chamava-se simplesmente Kaftrio.

Numa fase em que não havia tempo a perder, lutou com tudo o que tinha. A Constança juntou-se ao mundo e o mundo juntou-se à Constança. Conseguiu angariar milhares de euros e, em paralelo, conseguiu o acesso ao medicamento para os próximos anos, por via do Infarmed.

A fragilidade da vida tornou-a ainda mais humana e forte. A saúde começou a melhorar a olhos vistos e decidiu passar a ajudar também aqueles que,  com a mesma doença, precisam da nova medicação.

Infelizmente e de forma inesperada, a doença voltou em força e apesar de todos os esforços da Constança e das equipas do hospital de Santa Maria que a acompanhavam, na semana passada, a Constança partiu, mostrando que os gigantes também caem.

A forma como a Constança lutou é emocionante e subtilmente convida todos a lutar da mesma forma, porque ninguém ganha uma batalha sozinho e de braços cruzados. Os exemplos inspiram e a luta de um rapidamente se tornou a de milhares de nós, que de alguma forma, lutamos ao seu lado.

É verdade que existirão sempre mais necessidades que recursos disponíveis, e na saúde isso é claro, apesar de difícil e, muitas vezes, complexo de entender. Mas a energia que se gerou e os benefícios científicos associados a esta medicação, levaram as entidades a torná-lo rapidamente e pelo menos para já, uma realidade para vários doentes que padecem desta mesma doença.

Da minha parte, curvo-me e continuarei a curvar-me perante a postura de pessoas como a Constança, que não tendo nada a ganhar, lutam como quem não tem nada a perder. Se eu tivesse de descrever o testemunho da Constança, escolheria grandeza mas também alguma inveja, pela forma como encarou a vida e como eu próprio gostaria de a encarar perante as adversidades, felizmente bem menores que esta que viveu.

 

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