Os “estados abutres” da blocalização

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

Como sempre disse, 3 blocos se estão a tornar: no continente americano (essencialmente no norte do continente com o Reino Unido), o europeu que inclui alguns países do Norte de África e claro o bloco Ásiatico (Coreia do sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia, entre outros). A China só não é um monobloco porque depende das exportações para Europa e EUA, apesar de 20% da classe média mundial estar neste país. Os países sem bloco como a China e Índia vão gerir as oportunidades que saírem desta nova geoestratégia mundial. Agora compram o petróleo à Rússia que os europeus não querem comprar, a preços de saldo. A China já compra mais petróleo à Rússia do que à Arábia Saudita, o maior produtor mundial. Já o mesmo oportunismo tinha acontecido com a pandemia de covid, com a China (onde surgiu o vírus covid), que foi das poucas economias a crescer em 2020, mesmo apesar dos lockdowns e fecho das economias. Aproveitou para vender máscaras, dispositivos médicos e álcool como nunca. Diria que em “tempos de crise muitos choram e outros vendem lenços de papel”, algo que a China e Índia fazem muito bem. É uma “faca de dois legumes” como disse um treinador de futebol há algum tempo. Portanto para as sanções europeias terem impacto, têm de penalizar não apenas a Rússia e os seus oligarcas, mas os “estados abutre” que continuam a negociar com a Europa e também com a Rússia, lucrando de ambos os lados. Têm de optar: ou exportar para a Europa e América do Norte ou importar da Rússia. Se não sancionarem, a guerra Russa está a ser financiada indirectamente pelos países do ocidente que continuam a importar produtos da China e Índia, produzindo-os com a energia vinda da Rússia. E esta pode ainda afirmar em tom jocoso que as sanções prejudicam mais o ocidente que a Rússia, podendo esta continuar a ameaçar que no inverno vai cortar o fornecimento de gás à Europa, provocando um cenário algo assustador.  

Trata-se portanto de uma nova ordem internacional com base em blocos soberanos e autónomos a actuar em paralelo com nações “proscritas” e sem bloco. O suporte multibloco virá do G7 na área de redistribuição e reequilibro mundial de bens comuns, assim como pela NATO ao nível da arquitetura da defesa comum multibloco. Não vai haver a blocalização entre autocracias e democracias  inicialmente estimulada pelos EUA, mas sim blocalização geográfica assente em fluxos logísticos “near shoring” e em valores civilizacionais. 

Naturalmente que a Rússia vai tentar criar o seu bloco com a chechenia, Bielorrússia e outros países de proximidade política como alguns regimes de leste, africanos ou asiáticos, interessados na energia e alimentos oriundos da novo muro de fumo e antiga cortina de ferro. Mas a criação deste bloco russo sai prejudicado pelo fluxo “off shoring” consequente, algo que os blocos querem evitar. Assim como pelo isolacionismo a que estará sujeito pelas sanções existentes. 

Temos aqui uma reedição adaptada e trágica de “LilliPutin” (da ilha fictícia de Lilliput, das “viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift). Blefuscu e Liliput são ilhas fictícias, inimigas mas sátiras, respectivamente, da França e da Inglaterra no começo do século XVIII. Neste livro, o povo de Liliput (actual LilliPutin) agiu de forma traiçoeira contra Gulliver, enquanto o povo de Blefescu foi honesto e direto. Trata-se de uma história fantástica que é por vezes uma paródia mas julgo retrata bem o mundo em guerra actual, que é uma tragédia em directo!