Redução de risco: o que o exemplo do cinto de segurança nos pode ensinar

Por Rui Minhós, Director de assuntos institucionais da Tabaqueira

A par das políticas de prevenção e de cessação tabágica em vigor deve ser considerado um terceiro pilar, centrado na redução de risco.

A 13 de Agosto de 1959 chegou ao mercado o primeiro automóvel equipado com um cinto de segurança de três pontos, nos bancos da frente. Até então, vigoravam os cintos com dois pontos de segurança, pouco eficazes na prevenção de lesões e morte em caso de colisão. Foi o engenheiro sueco Nils Bohlin, ao serviço da Volvo, que concebeu o novo modelo, considerado como uma das invenções mais importantes do século XX. Numa muito sensata decisão, a Volvo decidiu patentear a tecnologia de segurança de forma aberta, para que todos os condutores pudessem beneficiar da mesma. Com o tempo, o cinto de segurança de Bohlin deixou de ser uma novidade, para se tornar uma certeza: a sua utilização reduz o risco de morte em caso de acidente. A evidência científica, através dos muitos estudos realizados, permitiu demonstrar a sua eficácia, o que levou a tecnologia a ser considerada pelas políticas de prevenção de segurança rodoviária, tornando-se a sua utilização generalizada e obrigatória. Numa visita ao site da Prevenção Rodoviária Portuguesa, é possível ficarmos a saber que “em caso de acidente a utilização do cinto de segurança reduz mais de 50% o risco de morte e mais de 40% o risco de traumatismo craniano”.
A banalização da utilização do cinto (ou dos capacetes, no caso dos veículos de duas rodas) é dos exemplos mais meritórios de como a inovação tecnológica e a ciência produzem soluções que permitem reduzir o risco e que, demonstrados os resultados, são consideradas pelos decisores políticos e apoiadas pela sociedade civil. A indústria automóvel tem sido pródiga na invenção de soluções que mitigam o risco – ao ponto de estarmos a repensar o conceito de mobilidade, enquanto os fabricantes investem para tornar a condução autónoma.
Estes avanços, que são acima de tudo civilizacionais (quantos milhões de vida terão sido poupadas pela introdução do cinco de segurança?), certamente não decorreram sem discussão nem resistência. Afinal, a mudança, já sabemos, poucas vezes é consensual. Fundamental para ultrapassar o cepticismo que quase sempre acompanha os desenvolvimentos tecnológicos e científicos necessários ao progresso das sociedades é o papel dos legisladores e dos reguladores. É a eles que cabe garantir que a Ciência é a base da fundamentação das políticas públicas, que devem ser respaldadas em evidência fiável e factos credíveis. É também a eles que cabe sentir o pulsar da sociedade civil e dos consumidores, percebendo os seus dilemas e preocupações. Menciono a indústria automóvel porque quero falar da indústria do tabaco, na qual trabalho há 13 anos, desde que entrei para a Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris International (PMI) em Portugal. É também nesta encruzilhada que hoje nos encontramos: se, no final dos anos 50 do século passado, quando a Volvo estudava um método de segurança mais eficaz para os condutores, ainda não era percepcionada a efectiva nocividade dos cigarros, seis décadas depois todos sabemos que fumar cigarros é uma das principais causas de doença e de morte evitáveis. Não há dúvida que a melhor solução será sempre nunca começar a fumar ou, no caso dos fumadores, deixar completamente. Mas muitos procuram melhores alterativas, menos nocivas, mas igualmente satisfatórias e, por isso, começámos a investir há 20 anos no desenvolvimento de soluções substanciadas em ciência, que apresentem um potencial de redução de nocividade para todos os fumadores adultos que, por alguma razão, não deixam de fumar. São muitos e não devem ser desconsiderados nas políticas de saúde pública: segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2025, ainda existirão mais de mil milhões de fumadores em todo o Mundo.
Na verdade, essa solução já existe. A mesma Ciência que nos mostrou os malefícios dos cigarros mostra-nos que a grande maioria dos componentes nocivos encontrados no fumo do cigarro e associados a doenças relacionadas com o tabagismo são gerados pela combustão. Ou seja, as soluções que eliminam a combustão do processo, como como os produtos de tabaco aquecido, são uma melhor alternativa. Há duas décadas que a PMI tem em curso um programa de avaliação e substanciação científicas destes produtos, que inclui estudos clínicos e se inspira nas melhores práticas da indústria farmacêutica, e que tem demonstrado, tal como estudos independentes realizados em diversos países, o potencial de redução de nocividade criado pelo desenvolvimento de melhores soluções face aos cigarros para os fumadores que, de outra forma, continuariam a fumar: se a nicotina puder ser disponibilizada através de uma forma menos nociva, efectiva e alternativa aos cigarros, tal não deixará de ter impacto positivo na saúde pública.
Como indústria estamos em transformação e a nossa ambição é ousada: pretendemos deixar de comercializar cigarros, que queremos que sejam substituídos por produtos sem combustão e livres de fumo, substanciados cientificamente, logo que possível, em prol de todos os que decidem continuar a fumar e da saúde pública em geral. Para que o fim dos cigarros seja uma realidade é preciso que a legislação considere estas alternativas, distinguindo-as dos produtos de tabaco combustíveis, como os cigarros convencionais. É necessário que seja implementada uma abordagem pragmática e sensata que afaste os fumadores dos cigarros. Defendemos que a par das políticas de prevenção e de cessação tabágica em vigor, seja considerado um terceiro pilar, centrado na redução de risco, permitindo que os fumadores adultos, munidos de toda a informação sobre melhores alternativas, possam tomar decisões informadas, com base em ciência.
Mas, para que isso aconteça, legisladores e reguladores têm de estar disponíveis para dialogar e terem em conta a ampla evidência científica que já existe. Foi o que fez o regulador norte-americano, a FDA, depois de um longo processo de revisão científica, ao autorizar a comercialização do sistema de tabaco aquecido como um produto de risco modificado, considerando o aerossol produzido pelo mesmo diferente do fumo do cigarro. Importa que os decisores oiçam os milhões de fumadores adultos que, em todo o Mundo, já transitaram para melhores alternativas criada pela PMI.
Potenciar a ciência e a inovação tecnológica que está a ser produzida pela nossa indústria é a oportunidade do século, em termos de saúde pública. A História mostra-nos que é possível fazer diferente e fazer melhor. Só é preciso vontade.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 203 de Fevereiro de 2023