Redução de risco, o caminhos dos moderados
Por Rui Minhós, Director de assuntos institucionais da Tabaqueira
Ao lê-lo, suspirei de alívio, pois as suspeitas que sempre tive sobre mim, confirmaram-se: sou um moderado irremediável, gosto de boas e fundamentadas discussões, aprecio ouvir ideias diferentes das minhas e, com os argumentos certos, não tenho qualquer problema em mudar de opinião e de ponto de vista.
Considero que a empatia é uma competência que se trabalha e que a capacidade de procurarmos calçar os sapatos dos outros antes de precipitarmos decisões é uma caraterística importante das sociedades civilizadas. Acontece que a sociedade atual perdeu em civilidade o que ganhou em polarização. Nos dias que correm, sinto-me mais um alvo fácil do que um privilegiado. Atualmente, parece que não correr automaticamente para uma das trincheiras de opinião quando a polémica estala é um desporto perigoso.
Pertenço, com orgulho, à tribo dos moderados, uma espécie claramente em vias de extinção. Não sei onde perdemos a capacidade de dialogar e de estabelecer pontes para encontrar pontos de convergência que permitam avanços; não sei a partir de que momento a perceção sobre os factos começou a valer mais do que os próprios fatos e, sobretudo, não sei como é que nós todos, como sociedade, procuramos primeiro hostilizar e ostracizar achando que depois será mais fácil negociar e progredir.
O populismo e a ausência de moderação – no discurso e na atitude – estão por todo o lado. Esta introdução vem a propósito da recente comunicação feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que acusa quatro setores industriais (combustíveis fósseis, álcool, tabaco e alimentos ultra processados) de causarem 19 milhões de mortes anualmente no mundo e 2,7 milhões na Europa. Para o escritório regional da OMS na Europa, estas quatro indústrias não só criam produtos que causam danos à saúde, mas também interferem nas medidas de controlo do seu consumo e obstruem e bloqueiam legislação e regulamentação porque põem os lucros antes das pessoas. «As mesmas grandes entidades comerciais bloqueiam regulação que protegeria o público de marketing e de produtos nocivos, e protegeria a política de saúde da interferência da indústria», refere, indo mais longe, o responsável da OMS na Europa.
Ora, são acusações sérias, ainda que genéricas. Mas, ditas com tal autoridade, alguém as questiona? Se a OMS diz que é assim, que razões existem para duvidar? Pois eu, que sou farmacêutico de formação e que trabalho há praticamente 15 anos no Grupo Philip Morris International (PMI), tenho tido o privilégio de testemunhar o processo de transformação em curso desta companhia. A PMI está a operar a maior transformação de negócio do mundo corporativo, ao ambicionar deixar de comercializar cigarros, mudando radicalmente o seu modelo de negócio, para se tornar numa empresa focada na ciência e tecnologia, colocando a sustentabilidade como estratégia principal de negócio, reduzindo as externalidades não só do produto que comercializa, mas também o impato da sua operação. Os cigarros só não são ainda obsoletos, uma coisa do passado, porque determinadas organizações internacionais, e alguns governos nacionais, têm posto travões à implementação de uma política de redução de danos em tabaco. Têm transferido a prioridade das suas políticas para um ataque cerrado à indústria e às suas cadeias de valor, em vez de trabalharem em conjunto com todos os operadores económicos, para trazer soluções alternativas para os consumidores de produtos de tabaco e nicotina, que podem complementar as medidas de prevenção e cessação tabágicas atualmente existentes.
Para ilustrar o meu argumento, recorro às palavras do presidente da minha companhia, que avisou muito claramente – depois de uma ação de cancelamento de que foi alvo por ocasião da sua participação num evento paralelo à Assembleia Geral da ONU no ano passado – que a inação no que respeita aos produtos sem fumo apenas servirá para prolongar a vida dos cigarros, arriscando diminuir as vidas de quem os consome: «Parece que certos grupos de interesse não aceitam que trabalhemos para pôr um fim aos cigarros. Pior, fazem tudo ao seu alcance para silenciar qualquer debate sobre como podemos chegar mais depressa a um futuro sem fumo. Mas ao excluir-nos e ao fazer bullying contra aqueles que se relacionam connosco, estão efetivamente a atrasar o progresso para com quem hoje fuma cigarros.»
É mais fácil acusar de inércia e de obstrução estas quatro indústrias ou dialogar com esses mesmos setores e com os seus agentes mais relevantes, procurando perceber como conciliar as suas atividades com a obviamente mais do que necessária saúde pública? Como usar a ciência, a inovação, a tecnologia, o progresso, a pedagogia e a informação como ferramentas de mudança e de transformação, quando na verdade muitas das mortes evitáveis de que fala a OMS naquele relatório resultam dos esforços para proibir, condicionar, impedir, interditar, embargar, obstruir?
Como sublinhou o CEO da PMI na comunicação a que fiz referência, «com base nos dados da própria OMS, vemos o potencial real para uma redução de 10 vezes nas mortes atribuíveis ao tabagismo, se os fumadores mudarem totalmente para produtos sem fumo».
Sair da trincheira e escolher o caminho da moderação, do diálogo, da negociação, da inovação baseada na evidência científica – no fundo, escolher o caminho do equilíbrio e da responsabilidade partilhada – pode não ser o caminho mais fácil, mas é seguramente aquele que resultará num futuro melhor para todos.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 220 de Julho de 2024