O futuro é dos humanos

Por Luísa Pestana, administradora da Vodafone Portugal

A aceleração digital e os marcos tecnológicos alcançados nos últimos anos têm transformado a sociedade a uma velocidade impressionante, criando debates e discussões sobre como será o futuro do trabalho, que vão para além da questão – agora já quase obsoleta – ‘remoto, híbrido ou presencial?’. Em cima da mesa estão perguntas mais urgentes e preocupantes, como, por exemplo: vai a Inteligência Artificial deixar-nos sem emprego no futuro?
Nas minhas atuais funções, acompanho de muito perto os temas da evolução tecnológica, da inovação e da transição digital e, apesar de todo o medo e pessimismo existentes atualmente em torno deste tema, acredito que o futuro do trabalho está intrinsecamente ligado à nossa humanidade. Afirmar que o digital é e sempre será feito por ‘seres humanos que são, de facto, humanos’ pode parecer polémico para alguns num mundo cada vez mais automatizado e digitalizado. Mas este é, sem dúvida, o norte da minha bússola interna, pois acredito que as características inerentemente humanas são insubstituíveis e fundamentais para o futuro do trabalho, não podendo ser preenchidas por nenhuma tecnologia. Somos seres únicos, com habilidades e traços emocionais que nos tornam especiais e que são essenciais em muitos aspetos-chave do mercado de trabalho.
Essas qualidades humanas são fundamentais num mundo empresarial em constante transformação, onde a complexidade dos desafios enfrentados exige uma compreensão profunda das nuances humanas. A empatia e a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro são fundamentais para a construção de relacionamentos de longo prazo com os clientes, por exemplo. Fazer uma boa leitura sobre as expetativas e emoções, seja dos clientes ou dos nossos pares e colaboradores internos, permite construir um serviço personalizado e de qualidade ou um bom fluxo de trabalho, o que vai muito além da simples automação de tarefas.
Outra importante habilidade humana é a criatividade, a capacidade de pensar fora da caixa, gerar ideias inovadoras e encontrar soluções e respostas criativas para problemas complexos. A criatividade é um motor para a inovação, permitindo que as empresas se adaptem às mudanças do mercado, encontrem novas oportunidades e se destaquem da concorrência. Aqui, novamente a automação pode otimizar tarefas rotineiras, mas é a criatividade humana que impulsiona e que estimulará a inovação e a diferenciação no mundo empresarial. Acredito, por isso, que a inteligência artificial ainda será limitada em muitos aspetos quando comparada com a complexidade e a riqueza da experiência humana.
É verdade que a inteligência artificial tem vindo a ganhar espaço em muitos aspetos das nossas vidas, desde a automação de tarefas até à tomada de decisões complexas. Tecnologias como o ChatGPT, amplamente discutidas atualmente, têm mostrado como a Inteligência Artificial pode revolucionar a forma como interagimos e comunicamos. Segundo um artigo da Executive Digest, publicado recentemente, cerca de 80 profissões estão em risco de desaparecer em cinco anos devido justamente à evolução da Inteligência Artificial. Qual é o ser humano que não fica assustado ao ler isto?
É inegável que a inteligência artificial tem o poder de abanar o mercado de trabalho, mas também tem potencial de libertar os seres humanos para se concentrarem em tarefas mais complexas e criativas, onde a capacidade humana de compreender emoções, interpretar nuances sociais, criar conexões significativas e tomar decisões éticas ainda é insubstituível. A tecnologia é, na minha visão, uma ferramenta nas mãos dos seres humanos. São as pessoas que desenvolvem, utilizam e aplicam a tecnologia no seu potencial máximo – e são elas também que podem aplicar restrições caso a sua evolução desenfreada coloque o futuro humano e, consequentemente, económico, em risco – uma vez que não é do interesse de ninguém, até mesmo dos mais favorecidos economicamente, gerar uma crise económica global.
É essencial que os governos, as empresas e as instituições educacionais estejam preparados para a inevitável transição digital, oferecendo programas de capacitação e requalificação profissional para garantir que as pessoas se possam adaptar e preparar para os empregos do futuro. Para além disso, assuntos como a tomada de decisões algorítmicas, o viés de dados e a responsabilidade pelas ações de sistemas automatizados também precisam de estar na ordem do dia do debate público, no sentido de garantir que as inovações digitais sejam desenvolvidas e usadas de maneira ética, transparente e inclusiva.
Ainda sobre este tema, é interessante notar que as mulheres têm demonstrado cada vez mais essas características humanas essenciais para o futuro do trabalho e da liderança. Pela pré-disposição à empatia, pela inteligência emocional, pela capacidade para trabalharem em equipa e de se adaptarem rapidamente a mudanças, para além da atenção aos detalhes mesmo ao realizar tarefas com o nosso “dom” de multitasking, as mulheres têm vindo a destacar-se como líderes em diversos setores.
Acredito que a liderança do futuro estará nas mãos das pessoas que valorizam as características humanas e investiram nas mesmas nas suas carreiras como característica de diferenciação no mercado. Será uma liderança que reconhece a importância da diversidade, não apenas de género, mas também étnica, de idade, de origem e de experiências de vida e que sabe que as melhores soluções são encontradas quando se ouve e se respeita a diversidade de ideias e perspetivas. Estas são características inestimáveis e insubstituíveis por quaisquer capacidades extraordinárias que uma máquina possa vir a ter no futuro.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 206 de Maio de 2023