O estado do “burgo”

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

O mundo renasceu em 2015, pois as comparações são sempre com este ano. Mas virámos mesmo de página ou ainda vamos esperar mais 8 anos?

Em 2022 tivemos uma inf lação média anual de 7,8%, um máximo de 30 anos. Mas os salários apenas aumentaram em 5,5%. Ou seja perdemos poder de compra. E este ano continuamos a perder, pois o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) terá registado uma variação homóloga de aumento de 5,4% em maio de 2023. O custo de vida está um inferno e os indicadores sociais estão piores que no tempo da troika. Mas a macroeconomia está óptima e os políticos satisfeitos?

Portugal precisa de mão de obra de imigração no entanto redes criminosas aproveitam a legislação feita pela geringonça (com boa intenção), mas que facilitou a exportação de mão de obra ilegal para a Europa. Nem cá querem ficar. Bem sei que falamos de crime mas 300.000 pedidos de residência no SEF e ninguém desconfiou?

O ministério público parece que não responde à PGR (recordemos que a única autonomia profissional existente na justiça é dos advogados). O MP está enquadrado numa estrutura hierárquica que não quer ser hierarquicamente responsável. A violação do segredo de justiça ao vivo na TV ridiculariza a justiça e condena publicamente os “ainda inocentes” potencialmente arguidos. Assim como os meios desproporcionais utilizados nas buscas, nomeadamente a Rui Rio. Mas se tudo isto acontece a Rio imagine a um desconhecido? Quando o julgamento do processo “Marquês” não acaba nunca ou o do BES não se sabe em que pé está. A judicialização da política não pode existir e a ineficiência do sistema não pode continuar. Portanto a justiça não tem de ser reformada?

A corrupção grassa todos os dias nas funções do estado e na vida privada. Demitem-se políticos, empresários são detidos e investigados… mas quase nunca ninguém é condenado. No entanto, estima-se que a corrupção represente 10% a 15% do PIB. Ora as finanças são tão eficazes a cobrar impostos podiam ao menos aqui mostrar mais eficiência. Só que, infelizmente, “a prescrição das dívidas fiscais, em 2022, situou-se em 43,6 milhões de euros, o que representou um aumento de 37,3 milhões de euros (585,8%) relativamente ao ano anterior” (DGO). Falta realmente dinheiro?

Os reformados e nómadas digitais querem vir viver para Portugal, pela qualidade de vida, segurança, custo de vida, fiscalidade e segurança. O turismo pesa 19% no PIB. Mas estamos a atrair consumo e não capital, produção economia duradoura. Demonizamos o lucro não garantimos estabilidade e confiança aos investidores?

Os impostos continuam a “assaltar” cerca de 55% dos cidadãos que são os que pagam impostos. No ano anterior verificou-se um aumento gigantesco e histórico do peso dos impostos no PIB, com a carga fiscal a atingir um máximo de 36,4% do PIB. O que certamente contribui para que a economia paralela represente cerca de 35% do PIB, ou seja 82mm € que poderiam pagar o orçamento de estado da saúde durante 6 anos. Pagamos impostos de rico num país pobre?

Na educação voltamos ao tempo da luta de classes. Os únicos prejudicados são os alunos. Mas mesmo estes e os seus pais, parecem não se preocupar. Os professores ganham mal? Muitos sim, ganham muito mal. A mobilidade a que estão obrigados é moral? Não, para muitos não é. Devem ser avaliados por entidades externas para desenvolver a sua carreira? Sim devem, mas os sindicatos não querem um regime meritocrático. Devem recuperar o tempo que legitimamente reclamam de perda de direitos? Sim deviam, mas também todos os outros Portugueses. E isso o país não aguenta, excepto se cobrar mais impostos. Portanto alguém acha que é possível recuperar o tempo perdido?

O programa de habitação do governo é uma demagogia. Nunca mais vai ser implementado, excepto nos municípios mais expeditos, que serão 2 ou 3. Mesmo faltando mais de 70.000 habitações. O governo prometeu 7.500 casas em 2016 e nenhuma está feita ainda. Portanto… Mas há um mérito que devemos reconhecer, a alteração da lei dos solos que este governo teve a coragem de alterar, sendo que esta alteração estratégica pode ser fundamental no médio prazo para a construção de novas habitações. No restante, salvo as medidas estalinistas sobre a propriedade privada, alguém acredita nas promessas de que o prometido vai acontecer realmente?

A gestão da TAP e a sua tutela afirmam orgulhosamente que a gestão de whatsapp não interferiu com a operação e que a TAP voltou aos resultados positivos com lucro de 65,6 milhões de euros em 2022. Mas uma empresa com uma injeção do estado de 3.2 biliões de euros sobre os quais não paga juros, que provavelmente não serão devolvidos, que ainda permitem despedir ou cortar nos salários dos empregados, poupando temporariamente dezenas de milhões de euros, de forma não recorrente, é lucro ou uma “manigância contabilística”?

A utopia do SNS com uma lista de espera para consultas e cirurgias gigantesca com um tempo de espera de 3 anos para algumas especialidades (oftalmologia). Mais de 1.6 milhões de cidadãos sem médicos de família. Os doentes esperam mais de 600 dias pelos medicamentos inovadores. O concurso para a direção geral de saúde não é preenchido por não existirem 3 candidatos com qualidade (CRESAP), demonstrando a degradação da administração pública. O fecho de urgências e maternidades acontece diariamente, não sabendo os doentes a que local se devem dirigir. A utopia do “serviço” nacional de saúde é possível ou precisamos mesmo de um “sistema”? O futuro é mesmo ter um seguro de saúde privado?

O emprego aumentou, é verdade. Mas no emprego qualificado (licenciado) perdemos 105.000 (INE) versus o mesmo período do ano passado. É este tipo de emprego que queremos?

E depois de tudo isto o país está bem! Mas os Portugueses ainda não deram conta disso…

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 209 de Agosto de 2023

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