Negar ou aceitar o progresso?

Por Manuel Lopes da Costa, Country Managing Partner da Auren Consultores Portugal

O progresso sempre teve efeitos muito engraçados nas pessoas.

negação é uma delas. A negação bem como o efeito Dunning- -Kruger, também denominado “Mount Stupid”, que em duas palavras é aquele que descreve o facto de que quanto menos se percebe de um assunto mais opinativas e normalmente barulhentas são as nossas opiniões relativamente ao mesmo. Como se o subir o tom de voz nos desse, por milagre, maior sabedoria ou razão acerca de determinado tema que não dominamos.
Ora ultimamente temos vindo a assistir a este fenómeno com muita frequência relativamente à inteligência artificial. Todos parecem ter uma ideia bem firme sobre o assunto sendo que, e salvo raros casos, uma vez mais, os que menos percebem do tema tendem a ser os que mais falam sobre ele. Apareceram como sempre, tal como relativamente à habitação, à pandemia e à guerra na Ucrânia um conjunto vastíssimo de especialistas comentadores que invadiram as nossas televisões, muito assertivos e seguros das suas opiniões. Estranho é, que a grande maioria destes especialistas são sempre os mesmos. Como se em Portugal só existissem um número limitado de especialistas obrigando os mesmos a serem versados em todos os assuntos relevantes do universo. Deve ser terrifico para eles, coitados.
A inteligência artificial tem vindo a levantar grandes paixões não faltando claro os arautos da desgraça que rapidamente vaticinam que este fenómeno à solta será o fim da humanidade. Outros, os defensores da regulação “à outrance” vieram logo exigir que houvesse rapidamente leis e regulamentos que evitem o são crescimento de uma nova tecnologia, tentando assim consciente ou inconscientemente castrar todo e qualquer benefício que ela possa trazer à sociedade. Muitas vezes essas opiniões pouco fundamentadas levam a decisões precipitadas. O bloqueio a 31 de março do Chat GPT em Itália para o voltarem a desbloquear um mês depois a 28 de Abril são prova disso mesmo. Ainda assim são vários os que desde já gostaria de regular o que ainda está por nascer ou crescer.
Exemplos destes no passado são férteis. A totulo de exemplo referir que muitos foram os críticos do serviço telefónico. Um memorando interno da Western Union em 1876 referia: “O ‘telefone’ possui muitas deficiências para ser considerado seriamente como um meio de comunicação. Este aparelho não tem, intrinsecamente qualquer valor para nós.”. Felizmente, Robert Staughton Lynd contrapunha: “O telefone é o maior incômodo entre as conveniências, a maior conveniência entre os incômodos.”. E assim se veio a revelar o maior meio de comunicação entre seres humanos jamais inventado. Os seus detratores, na altura, nunca imaginaram todas as suas funcionalidades, algumas delas ainda hoje a serem estreadas diariamente nos nossos smartphones”. Mas certamente que por eles, este aparelho do demónio que tirou o emprego a centenas de “office boys” e operadores de telegramas, era certamente algo que deveria ter sido bloqueado na altura logo após o seu aparecimento. Tal como hoje, de forma análoga, há muitos de advogam bloquear, controlar, regular e restringir a liberdade ao CharGPT e a tudo a que este se assemelhe.
A sociedade obviamente tem os seus neófobos, e temos que os respeitar. No entanto não podemos, nem devemos deixar que esses neófobos nos condicionem a nossa evolução. Por eles ainda estaríamos a partir pedras com paus e a viver em cabanas de colmo. A evolução tem obviamente os seus custos, mas até ao momento têm-se revelado mais benéfica que maléfica, basta ver todos os avanços que foram realizados na medicina, no bem estar das populações consubstanciado no aumento gradual e permanente da idade media de vida dos humanos sobretudo nos últimos anos.
Não tentemos travar uma ciência que ainda nos pode trazer muito sem antes entender, estudar e ter bem a certeza de todos os aspetos que a compõem. Querer matar à nascença algo que ainda nem estamos bem consciente do que se trata parece uma ideia tão absurda como aquela de quem não queria deixar avançar os comboios como meio de transporte, porque de acordo com o conhecimento da época, garantidamente, qualquer velocidade acima dos 30km/h era mortal para o seres humanos, ou conforme referia o Dr. Dionysius Lardner, que viveu entre 1793 e 1859: “Qualquer viagem de comboio a alta velocidade não é possível, pois os passageiros, incapazes de respirar, morreriam por asfixia.”
Ser velho do restelo nunca foi boa ideia. Temos de entender as modernidades e depois sim, com critério, como humanos, pensar como vamos tirar partido das mesmas. Essa é a nossa função como seres inteligentes e racionais, pensar.
Viva a ciência, viva a criatividade humana.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 206 de Maio de 2023